D.Francisco de Bragança van Uden, filho da falecida Infanta D.Adelaide de Bragança, conta ao Sol a sua vida:
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Desde que idade tem o bigode?
Desde os 17 anos. Mas no curso dos Comandos tive de o cortar e de rapar o cabelo.
Foi um desgosto?
Não. Na prova de choque havia um placar debaixo de um embondeiro que dizia: ‘Barbearia Palanca, não corta mas arranca’. Um dia estávamos na parada a ler o Código Comando e chamam-me. Recebi um envelope que vinha da parte do comandante. Pensei que tinha feito algo de errado. Era uma carta a dizer que devido aos bons resultados durante o curso passava a ser autorizado a usar ‘o apêndice capilar superior’ [risos]. Então deixei crescer o bigode.
Como foi parar aos Comandos?
Ofereci-me para os pára-quedistas e quando terminei os primeiros três meses fui para Lamego, para as Operações Especiais. Aí decidi oferecer-me para os Comandos. Fomos para Luanda tirar o curso de Comandos, durante seis meses, em 1971. O curso foi muito duro mas muito bem dado. Foi das organizações mais extraordinárias que conheci até hoje.
Como eram os exercícios?
O curso começava com a prova de choque. Fomos acordados com altifalantes a meio da primeira noite e tínhamos de formar em três minutos na parada. Meteram-nos em viaturas e andámos 10 a 12 horas até ao meio do mato. Quando chegámos fizemos um mini acampamento. Estávamos em Fevereiro, que é dos meses mais quentes em Angola. A prova de choque passava pela prova da sede, em que há uma actividade permanente. Tínhamos apenas um cantil de água por dia que tinha que dar para beber e fazer a barba. A prova acabava quando cerca de 60% desmaiavam por desidratação, mas tínhamos de desmaiar em pé.
Foi dos 40% que não desmaiaram?
Fui dos primeiros a desmaiar, apesar de depois ter ficado em primeiro lugar no curso. O motorista deu-me água sorrateiramente durante a noite. Só que bebi demais, transpirei imenso e perdi os sais minerais todos. O futuro furriel sofria mais, corria mais e comia depois dos soldados. O aspirante a oficial corria ainda mais. Isto tudo para que fôssemos respeitados nas hierarquias.
Acabou por ir para Moçambique.
Formámos duas companhias. Escolhi a que foi para Moçambique porque achei que o General Kaúlza de Arriaga me dava mais garantias. Começámos a formar Comandos em Moçambique. Entre os 21 e os 24 anos tive uma experiencia muito forte. Andávamos muitos dias no meio do mato às vezes quase sem água, comendo muito pouco.
Tinham de caçar para se alimentarem?
Não. Nem a boca abríamos, só fazíamos gestos. O silêncio era total e não dávamos um tiro que não fosse absolutamente necessário. Éramos uma tropa especial e do melhor que havia no mundo. Não tivemos um único morto em combate. Durante a instrução, em Angola, morreram seis, em Moçambique não tivemos nenhuma baixa.
E a sua namorada?
Ela disse que não ia esperar quatro anos. Então disse-lhe que tinha de arranjar outra pessoa porque o país estava à frente da namorada. Um dia estava no Norte de Moçambique e vi no correio uma carta para mim. Era o convite para o casamento dela.
Não se ressentiu na altura?
Não. Era um rapaz novo.
Fez mais de uma comissão.
Um dia fui chamado pelo comandante-chefe e o adjunto dele disse-me: ‘Sabe porque é que o comandante o mandou chamar? Ele vai pedir para fazer outra comissão. Não se meta nisso, vá para casa’. Era o Major Tomé da UDP. O comandante falou comigo e disse que estávamos a ganhar a guerra no mato e que tínhamos o apoio da população. Disse que precisava de tropas especiais e convidou-me para ir para o Dondo apoiar o grupo de pára-quedistas especiais africanos. Pedi-lhe 15 dias de férias para visitar a família em Portugal e voltei para lá. Fiz o curso de pára-quedista e fui coordenar as companhias de GEPs [Grupos Especiais de Pára-quedistas] de toda a zona de Tete.
Ainda estava em Moçambique no 25 de Abril?
No dia 25 de Abril fui ao bar às 10 da manhã, no comando das ZOT [Zona Operacional de Tete]. A rádio BBC estava a dar a notícia do golpe de Estado em Lisboa. Na sequência do 25 de Abril, o comandante do CIGE [Centro de Instrução de Grupos Especiais] convidou um comissário para dar aulas, onde se dizia que a Frelimo é que eram os bons e nós os maus. Foi um choque terrível. Com um grupo de oficiais da Beira definimos que manteríamos o combate para defender a população de Moçambique. As pessoas não falam nisso, mas 40% do orçamento militar do Ultramar era dedicado à acção de apoio às populações.
Mas acabou por ter de regressar.
Em Junho, o General Costa Gomes, que tinha sido nomeado comandante-chefe das Forças Armadas, foi a Moçambique e fez a espantosa declaração de que não ia haver referendo para a autodeterminação, que ia ser feita a independência e que o poder ia ser entregue à Frelimo. Entrei numa situação psicológica muito tensa. Fui convidado para um plenário do MFA e aproveitei estar com o microfone na mão para dizer tudo o que tinha a dizer. O comandante do meu regimento desatou aos gritos mas não me calei. Fui expulso e meteram-me num avião para Lisboa. Antes de embarcar, começam a chegar oficiais dos GEPs e um deles, o mais velho, oferece-me um presente e diz: ‘O nosso coração está muito contente porque o capitão vai finalmente para junto da sua família, mas e nós? Qual vai ser o nosso futuro?’. Eu tinha sido educado que um homem não chora, mas começaram-me a cair as lágrimas pela cara abaixo. Senti nos meus ombros o peso da traição profunda que Portugal estava a fazer àquela gente.
Como foi o regresso?
Cheguei cá no dia 3 de Agosto de 1974 e fui para a Caparica. Apareci em casa fardado e às tantas a minha mãe disse-me para mudar de roupa. Houve pessoas que me chamaram e disseram que o MFA estava a ser dominado pelos comunistas e que o Spínola estava cada vez mais isolado e era preciso dar-lhe apoio. Foi então que fizemos a Maioria Silenciosa. Nessa altura soube que tinha um mandado de captura por estar no activo e ter actividades políticas. Eu que passava à disponibilidade a curto prazo, quando todos eles estavam a fazer política. Era para me liquidar.
Foi aí que invadiram a casa da sua mãe?
Foi. Liguei-lhe e, como ela tinha um carregamento de estrume, foi ao meu quarto tirar tudo e enterrou no estrume. Às duas da manhã um grupo do MDP-CDE bateu-lhe à porta e revistaram a casa. Quando iam a sair a minha mãe disse: ‘O que os senhores estão a fazer aqui é pior do que a Gestapo fazia em Viena’. Como tinha o mandado de captura já não fui a casa.
Foi para Espanha.
Sim. Tive uma sorte enorme a passar a fronteira em Badajoz porque o meu nome já era um dos procurados. Quando cheguei telefonei para o príncipe Juan Carlos – ainda não era Rei. Ele disse para nos encontrarmos no dia seguinte em Madrid, e assim foi. Quando entrei na Zarzuela ele recebeu-me de braços abertos e disse: ‘Meu caro primo’. Conhecia-me mal mas recebeu-me bem.
Qual a sua actividade em Espanha?
Trabalhava numa organização clandestina com base em Espanha para apoiar o povo português que não estava com o Partido Comunista. Ajudámos o chamado levantamento popular do Verão Quente de 75, em que houve assaltos às sedes dos partidos comunistas e de extrema-esquerda.
Vinha a Portugal clandestinamente?
Claro. Passava cá a maior parte do tempo, mas cortei o bigode.
Como é a vida de clandestino?
Há um livro que se chama Dossiê do Terrorismo, das edições Avante, de 1976, que descreve dia após dia o calendário de todas as acções ‘terroristas’, ou seja, anticomunistas. Nesse livro está uma fotografia minha na estação da Campanhã que tem como legenda: ‘O Capitão van Uden, mais conhecido pelo Colombiano, momentos antes de iniciar uma operação terrorista na cidade do Porto’. Não fui preso por milagre. Detectaram-me, mas despistei-os sempre.
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