O Bispo, a Denúncia e a Expulsão dos Missionários.
PUBLICO
Por ANTÓNIO MARUJO
Sexta-feira, 30 de Abril de 2004
Pode ter sido um bispo o responsável, pelo menos indirecto, da expulsão de 11 padres dos Missionários Combonianos que estavam em Nampula (Moçambique) e do próprio bispo da diocese, em Março e Abril
de 1974. A causa imediata da decisão das autoridades coloniais mandarem sair os missionários e o bispo foi a divulgação do documento "Imperativo de Consciência". Esta foi uma das histórias mais relevantes do final do Estado Novo e um dos principais episódios da oposição de católicos ao regime.
No texto, 94 elementos dos Missionários Combonianos e o bispo de Nampula criticavam a "renúncia da Igreja em assumir a sua missão profética e libertadora" no meio da situação colonial que se vivia em
Moçambique e recusavam "partilhar a cumplicidade", como escreviam, da hierarquia católica de então. Esta, "talvez inconscientemente", colaborava "no manter" de uma situação "contrária ao Evangelho".
Um dos padres então expulsos, o italiano Danilo Cimitan, conta na revista "Além-Mar", do seu instituto, que uma cópia "apócrifa" do texto teria sido vista por Vieira Pinto "nas mãos de um dos bispos", cuja identidade não é revelada. A questão é que as 13 cópias do texto, policopiado em papel verde, tinham sido distribuídas a pessoas concretas: nove foram entregues ao presidente da Conferência Episcopal de Moçambique (CEM), D. Francisco Nunes Teixeira, para serem entregues aos membros da CEM que, daí a poucos dias, iria reunir em assembleia - o texto destinava-se a ser debatido pelos bispos. Outras três foram guardadas pelo superior regional dos combonianos e a última estava com o padre Cimitan no momento em que aconteceu o episódio referido.
Como se explicava então a existência de outras cópias - que viriam, afinal, constituir-se como fundamento para a ordem de expulsão? No livro "Mozambico - 50 anni di presenza dei Missionari Comboniani",
escrito pelo também padre comboniano Arnaldo Baritussio, reconstitui-se o essencial dos factos desses dias.
O "Imperativo de Consciência" é datado de 12 de Fevereiro de 1974. No dia 14, os padres Danilo e Manuel Ferreira Horta, entregam a Nunes Teixeira os nove envelopes, dirigidos a cada um dos bispos. No dia
seguinte, ambos os padres regressam a casa do bispo, para voltar a conversar sobre o teor do texto. D. Francisco, que já lera entretanto o documento, recusa as acusações que nele são feitas à hierarquia da
Igreja e contesta que o Governo não ligue à cultura local. Para comprovar o argumento de que as autoridades coloniais portuguesas valorizavam a cultura local, conta Baritussio no livro, vai buscar um
manual da escola primária onde se mostram "belas fotografias de zebras, leões, gazelas, etc.".
Antes da reunião da CEM, que deveria acontecer dia 19, os combonianos ouvem rumores de que o documento já circulava publicamente. O padre Danilo vai a Lourenço Marques (actual Maputo), onde Nunes Teixeira lhe diz que a sua presença se tornara inútil, uma vez que os próprios missionários tinham feito chegar o documento ao governo provincial. Cimitan argumenta que é absurdo acusar os combonianos de tal responsabilidade, mas a conversa acaba ali mesmo.
Cimitan, conta ainda o livro, numa história que também foi resumida no número de Março da "Além-Mar", sai então para a actual Avenida Eduardo Mondlane (então Pinheiro Chagas) e encontra uma freira conhecida e um professor universitário português, Manuel Barreto. Este dá-lhe os parabéns pelo nada e o professor mostra-lhe uma cópia com observações à margem: "Falso", "Não é verdade"...
O missionário regressa então à conversa com os bispos, mas D. Francisco não aceita a alegada prova de inocência que o padre lhe traz. É nesse momento, contará mais tarde o padre, num depoimento registado pela "Além-Mar", que o bispo de Nampula, Vieira Pinto, vê "o original da cópia" que o padre vira instantes antes, "nas mãos de um dos bispos".
Outros missionários que estavam na altura em Moçambique dizem que uma das versões que correu na altura é que teria sido um dos bispos a passar o texto a um padre que, por sua vez, o teria entregue às
autoridades. Nunes Teixeira, que publicou em 1995, antes de morrer, o livro "A Igreja em Moçambique na Hora da Independência", conta diversos episódios ligados ao acontecimento, mas nunca se refere à
divulgação do documento nem às conversas com os padres. Apenas defende a argumentação de que os bispos preferiam falar directamente com as autoridades, evitando polémicas públicas.
Os factos precipitaram-se a partir de então. Os bispos - à excepção de Vieira Pinto - escrevem para Roma, queixando-se de quebra de solidariedade. Uma pequena comissão criada entre os bispos e os combonianos não encontra culpas nos missionários. Mesmo assim, o então bispo de Tete, actual resignatário de Portalegre-Castelo Branco, D. Augusto César Ferreira da Silva, escreve um artigo no jornal "Notícias", em que volta a acusar os combonianos.
Contactado agora pelo PÚBLICO, o bispo prefere não falar do que aconteceu. O seu secretário, padre Francisco Vermelho, disse que Augusto César não quer responder a "inverdades históricas de algumas
revistas" - uma alusão à "Além-Mar", admitiu - e que o que havia a dizer "já o escreveu numa carta" ao actual superior dos Combonianos em Portugal.
O Governo provincial acaba por decretar a expulsão dos missionários, concretizada dia 13 de Abril, alegando falta de segurança para poderem permanecer no território. Com o mesmo argumento, Vieira Pinto também é expulso. No dia 14, sábado de Páscoa, chegam a Lisboa. No dia 25 de Abril, a revolução põe fim ao Estado Novo. Um dos três objectivos do movimento militar era sair das colónias...
"É Verdade Que Os Missionários Têm Metralhadoras?"
Quando, no dia 14 de Abril de 1974, chegou a Lisboa com os seus companheiros expulsos, o padre Manuel Horta foi recebido pelo núncio apostólico, o representante do Vaticano em Lisboa. "Do núncio nem um
aperto de mão recordo; recordo bem as perguntas que nos dirigiu: 'Que fizeram vocês combonianos em Moçambique? É verdade que os combonianos têm metralhadoras?'"
A história está contada na "Além-Mar", a revista dos missionários, onde Manuel Horta, que entretanto trabalha de novo em Moçambique, também já escrevera: "Eu tinha apenas uma espingardita de pressão de
ar, enferrujada, que usei quando bateram no padre Rogério de Sousa..."
A arma dos missionários, afinal, era a palavra. O documento "Imperativo de Consciência" acabaria por desencadear uma grande solidariedade entre os que estavam a missionar em Moçambique. Dominicanos, jesuítas, membros da Sociedade Missionária da Boa Nova, portugueses e estrangeiros, o documento acabou por receber a adesão de muitos, depois da sua divulgação, recorda o padre Agostinho de
Sousa, então vigário-geral da diocese de Nampula.
publicado por Miguel Abrantes
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