Quinta-feira, 10 de Fevereiro de 2011

 

João Abel Manta

 

José Maria de Eça de Queirós continua sempre actual. Se estivesse vivo, aí estaria ao nosso lado assinando a petição contra a barbárie.

 

Talvez escrevesse um conto ''O Suave Milagre, Maria do Céu destrói Abrantes''.

 

Mas se a sua prosa está viva, o escritor goza dum merecido descanso em Tormes.

 

O Dr.Marcello de Noronha resolveu fazer um pastiche da obra-prima do bacharel Queirós. Pegou no Crime do Padre Amaro e resolveu pensar como se poderia adaptar a verve eciana aos novos tempos.

 

O Miguel Abrantes quando leu o texto, bradou sacrilégio! Ele que é ateu!!!!!

 

Eu a quem me cabe hoje a organização editorial deste blogue aviso que a última do texto é quase plagiada de Eça.

 

 

O Órgão do Cónego

 

Entrou o escrivão, todo empertigado na sua missão notarial. Vinha a mandos do Cónego buscar o órgão de Sua Excelência Reverendíssima. O Cónego bradara lá do alto do púlpito, que se os homens eram irmãos, as paróquias também o deveriam ser, as rivalidades velhas eram anti-ecuménicas e pouco pastorais, próprias de Jeovás e de Mórmons e não de católicos pós-conciliares, de colores e de ida anual a pé a Fátima no 13 de Maio como dizia no décimo-segundo mandamento. Porque o décimo-primeiro era sustentar o clero e as suas obras pias. Uma devota lembrou a Sua Excelência Reverendíssima que os mandamentos de Moisés eram só dez e o Cónego, sábio e teólogo, replicou, irado, que D.Moisés já não era Arcebispo-Primaz e que portanto os seus mandamentos tinham caducado. A beata fugiu, não fosse o Cónego obrigá-la ali mesmo a testar a favor da Comissão Fabriqueira, enquanto lhe aplicava a Santa Unção. Tenho netos e a minha fazenda é para eles, disse ela à vizinha, que a excomungou dizendo que ademais o Antigo Testamento era coisa de protestantes, obra pornográfica, como se podia ver por Sodoma e Gomorra......

O escrivão enfrentou o olhar marcial do sargento que policiava a Igreja a mandos do Cónego.
-O que é que você quer?

-Venho buscar o órgão do Senhor Cónego.

-O Senhor Prior não deixou cá nenhum órgão. O que está cá é da Igreja e você não o leva,, porque Você não é cá da paróquia, é da concorrência....

-Ouça lá deixe-se de criancices, agora somo todos conciliadores....

O sargento abriu a gaveta e olhou para o que lá estava dentro. Quando a usara nunca ninguém o ousara contradizer, quanto mais um beleguim......

A coisa, uma Walter 7, 65, era uma recordação bélica do seu trabalho em prol da ordem republicana. O Cónego até a abençoara, recusando no entanto a dizer missa por São Walter, como lhe pedira o sargento, dizendo que esse tal Walter devia ser comunista como o Kalasnikov, no dia em que o sargento a empunhara, bravo e decidido, e apontara ao Anacleto e ao Baptista, respectivamente Presidente e Tesoureiro da Junta de São Macário, ex-legionários convertidos ao Bolchevismo pela Dona Fernandinha, a passionária local, que assim lhes garantira que não seriam saneados. Derramara água benta na canhota, o padre agradecido, só seria Cónego muitos anos depois, porque São Walter o livrara duma soberana sova, à conta de defender que a casa da falecida Felismina era da Paróquia e não da Junta.

O gesto marcial aterrorizou o escrivão que debandou, para se ir queixar ao Cónego, que não conseguira reaver o órgão de  Sua Excelência Reverendíssima.

Todo o beatério, especialmente o Apostolado da Oração, os Neo-catecumunais, a Juventude Vicentina, a Tertúlia do Espírito Santo (era o ano da pomba, dissera Roma), os Drogados pelo Catolicismo, A Casa de Santa Quitéria e o Bispo Resignatário D. Apolinário Pardal   ficaram muito aborrecidos por nesse domingo a Missa Cantada não ter ao seu serviço o órgão do Cónego e o escrivão por mais que agitasse a batuta não conseguia afinar o coro. Sem o órgão do Cónego nem sequer a Fátima, a barítona gorda e desgrenhada da Ameixeira conseguia dar o dó de peito.

Telefonaram para a Sé, ameaçaram levar o caso ao Tribunal eclesiástico, contactaram a jurista da Obra, mas desistiram assarapantadas quando o colega do escritório disse que a Doutora se divorciara, ela que não fazia divórcios porque era pecado, Amem, já não podemos pedir-lhe que nos dê o órgão do Senhor cónego....

O Decano do Cabido disse que era um assunto muito delicado, que devia ser pelo menos resolvido pelo Senhor Bispo, mas o problema era que não havia Bispo, só restava o Administrador Apostólico, que estava na Terra Santa chefiando uma peregrinações de ex-seminaristas e catequistas, onde havia nada mais que três Presidentes, oito vereadores, as respectivas comadres, excepto a Teresa do Céu que o Bispo expulsara da excursão por levar debaixo do braço, a ‘’Relíquia’’ do bacharel José Maria Eça de Queiroz, conhecido ateu e libertino. E Roma ? O Santo Padre está na Austrália bradando contra os padres pedófilos, aqui o Decano benzeu-se, e tentando converter a prima octogenária que é Jeová.....

Já me parecia que este Papa não é boa rês, o Sr. Cónego não tem nenhuma prima nem sequer afilhada dessa ralé. São gente do pior....

O Decano prometeu telefonar ao Cónego, para impedir que a beata continuasse a descompor o Santo Padre e acabasse por ter de lhe dar tratamento de choque. Nessa tarde, depois do chá das 5, estavam todos em amável tertúlia na sede dos Drogados pelos Catolicismo, velho chalé queirosiano que uma beata rica deixara à Fábrica da Igreja.

-É como o TGV-disse D.Josefa-tenho a certeza que foi inspirado pelo Demónio! Não o digo a rir. Mas vejam aquele fogaracho, aquele fragor! Ai arrepia!

O padre Amaro galhofou-assegurando à srª D.:Josefa que era ricamente cómodo para andar depressa! Mas, tornando-se logo sério, acrescentou:

-Em todo o caso é incontestável, que há nessas invenções da ciência moderna muito do Demónio. E é por isso que a nossa Santa Igreja as abençoa, primeiro com orações e depois com água benta. Hão de saber que é o costume. Com água benta para lhes fazer o exorcismo, expulsar o Espírito Inimigo; e com orações para resgatar do pecado original que não  só existe no homem, mas nas coisas que ele constrói. É por isso que se benzem e se purificam as locomotivas....Para que o Demónio não se possa servir para seu uso.

D.Maria da Assunção quis imediatamente uma explicação. Como era a maneira usual de o Inimigo se servir do TGV?

O padre Amaro esclareceu-a com bondade. O Inimigo tinha muitas maneiras, mas a habitual era esta: fazia descarrilar um comboio de modo que morressem passageiros e como essas almas não estavam preparadas pela Santa Unção, o Demónio ali mesmo, zás, apoderava-se delas!

-É de velhaco-rosnou o Cónego, com uma admiração secreta por aquela manha tão hábil do inimigo.

Nisto tocou o seu telemóvel. Soou a musiqueta do carrilhão de Fátima, sinal de que era da Sé que falavam. O Cónego, coçou as partes e pôs-se ao aparelho. Depois duma fala demorada, desligou-o e disse radiante: Vamos ter órgão!

A D.Maria da Assunção, feliz e curiosa, perguntou: Então Vossa Excelência Reverendíssima vai voltar a ter órgão. Como é isso?

-Monsenhor Laranjeira, o Decano, vai mandar-nos o Padre Reparaz, um exorcista de fama para fazer com que o Sargento volte à razão. Se os Diabos fogem  quando chega este Padre, o Sargento vai ter de me devolver o órgão.

-A D.Josefa, lânguida e espiritual, deu um suspiro de alívio. Ah Felizmente já poderei voltar àquela Igreja e vou aproveitar para mudar a cabeleira da Nossa Senhora das Dores. Então há uns anos o Sargento não lhe pôs uma peruca loura ?

O Padre Amaro benzeu-se e disparou: Que bruto é esse mamarracho. Toda a gente sabe que Maria não pintava o cabelo.....

 

Enquanto se aguarda a chegada do Senhor Padre Reparaz, agradece-se o contributo involuntário dum pobre homem da Póvoa do Varzim a esta crónica. Era filho do Conselheiro Teixeira de Queiroz e estava casado pela Igreja, o grande hipócrita, com Dona Emília de Resende. Mas do que ele gostava, o sabujo, de era de correr atrás das Lolas com D.Carlos de Bragança e de dizer heresias. Como estas em que difamou o Padre Amaro, pilar da Igreja e apóstolo de Leiria. Mas pior que isso, foi dizer mal do Cónego Dias. Pior que ele, só o sargento. Porque é que não terão também exorcizado Eça de Queiroz?

 

Autor: Marcello de Noronha

 

publicado por Edite Fernandes



publicado por porabrantes às 15:57 | link do post

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