Sábado, 28 de Agosto de 2021

No próximo mês de Outubro decorrerão 195 anos sobre a conclusão da obra da «estrada nova» e da «Ponte de Punhete» (Ponte de Santo Antoninho, de Constância), do primeiro quartel do século XIX, a qual decorreu ao longo de 15 meses.  Quase dois séculos depois deste verdadeiro ordenamento da margem  do «rio» (Zêzere) e da própria vila, trazemos à tona essa memória escrita.

''Estrada nova» num postal da família Campas, possivelmente ainda nos finais do século XIX''

De acordo com o relatório da Repartição das obras públicas, publicado em Novembro de 1826 no jornal oficial, o comprimento da estrada foi de 1:200 braças (medida antiga de comprimento com 2,20m, segundo a wikipédia), o que perfaz 2640 metros, desde a margem do Zêzere, até diante da ponte, a qual «é de alvenaria, com um grande arco de cantaria, tendo na entrada um padrão bem construído» (ponte entretanto conhecida pelos locais imemorialmente por, Ponte de Santo Antoninho,  anotamos). A importância geral da despesa «subiu a 7:059,182 réis» os quais, é dito, «saíram «do produto do imposto dos cereais estrangeiros».  Deixo a conversão para os melómanos…

Actual local onde se situava a «Fonte do Vigário», junto à quinta de Milharada, começo da «estrada nova» segundo o relato do Padre Veríssimo de 1830.

Esta obra, iniciada em Junho de 1825, obteve a sua conclusão em Outubro do ano seguinte e foi assumida oficialmente como «de grande importância» devido às cheias invernosas do Tejo que «impediam o trânsito, cobrindo a porção de estrada antiga, que ali existia». Com este investimento deu-se nova direcção à estrada, pelo centro da vila de Punhete, «sem causar prejuízo aos seus habitantes», anota-se no relatório. As intervenções à época consistiram numa grande porção de calçada ao lado do Zêzere, explicando-se que «foi preciso profundar o terreno em vários sítios, fortificando ao mesmo passo, uma considerável extensão da barreira daquele rio». No relatório detalha-se que em vários pontos «foi preciso levantar paredes para obstar ao precipício dos viandantes, e em outros a fim de evitar atoleiros, se fizeram 1:114 varas de calçada»; uma braça (2,20m) dividia-se em 2 varas segundo a wikipédia. O relatório contempla ainda outros detalhes, a não descurar: na totalidade da obra empregaram-se «912 braças de alvenaria», «2486 de rocha cortada», «1938 de entulho», «2700 de desentulho», sendo o comprimento geral da estrada de 2402 varas ou seja, 2642 metros. Foram colocados na extensão da estrada, anote-se, «204 marcos de pedra». Augusto Alves Soares, nascido em 1911, sobrinho do médico e agricultor  Dr Augusto da Costa Falcão  contava-me histórias que ouviu sobre o uso de dinamite para cortar rochas, no caso,  junto à Pesqueira na Arrochela (por aí é a estrada do Malvar, claro). Sabemos que a dita «estrada nova» passava, antes, «pelo centro da vila». Nos anos 30 o seu troço correspondia ainda à actual Rua Vicente Themudo de  Castro (rua dos Correios actuais), diziam os antigos.

Ponte de Santo Antoninho, referida como «Ponte de Punhete» no relatório da Intendência das Obras Públicas de 1826.

Quanto à ponte de Punhete, lê-se no relatório da Intendência que o arco de cantaria da ponte tem 24 palmos de largura e 31 de alto (um palmo teria cerca de 0,20m, segundo a wikipédia) o que perfaz 4,8 metros de largura e 6,2 metros de altura.A administração, boa economia e direcção dos trabalhos ficou a cargo do Comendador José de Sousa Falcão, acaso um dos beneméritos da Capela de Santa Ana de Constância, a título de exemplo. No relatório enaltece-se os «relevantes serviços» prestados «gratuitamente» pelo nosso conterrâneo nesta e noutras obras (Pontes de Tancos, Sôr e outras), registando-se o desenvolvimento «do maior patriotismo, zelo, actividade e desinteresse em utilidade da Fazenda e do público». O Padre Veríssimo também dá conta disto. A obra foi fiscalizada pela Intendência, pelo Major e Engenheiro, Raymundo Peres de Milão, por acaso, autor da planta do quartel do regimento de Infantaria 20 da praça de Abrantes.

 Rua de Santa Ana. Anos 20. Antes do corte que levaria nos anos 30 do século XX, à destruição das casas em primeiro plano para dar lugar à Estrada Nacional nº 3. Nesta altura, o troço da estrada, a qual passava pelo centro da vial, foi para aqui transferido. Foto da família Cardoso Fonseca.

Em 1830, o padre Veríssimo, na sua monografia manuscrita, a qual veria apenas a luz do dia pela mão do  ilustre médico Dr José Godinho em 1947, descreve assim a nova estrada: «Tem outra estrada mais central, a que chamam a «estrada nova», que é a mais frequentada de inverno, quando as chuvas e inundações do Tejo, tornam a estrada do Malvar intransitável; é na mesma direcção para a vila de Abrantes, feita com toda grandeza pelo Braço Real; é larga, plana, cómoda e bem andamoza, pois cautelosamente se lhe removeram todos os obstáculos que podiam ocasionar ainda algum leve impedimento no seu trânsito. Começa no Zêzere junto à bela quinta de Milharada, à fonte chamada do Vigário, tem no seu começo uma bacia com meias laranjas e assentos com cantarias; tem três pontes em três ribeiros, a primeira no fim do campo de Prianes, a segunda próxima à quinta de São Vicente e sobranceira à quinta das Almas, e ambas têm assentos de cantaria para recreio e descanso, dos que transitam, com três fontes próximas, a que chamam do «Gameiro», da «Capareira» e de «Prazeres». É a última, ou a terceira ponte, no Ribeiro de Caldelas, próximo à quinta do Pinhal, a que vulgarmente chamam de «Santo Antoninho». Aquele cultor das antiguidades dá-nos ainda uma descrição desta última ponte, objecto do presente artigo: «é de belíssima construção, e mui extensa, pois abrange de um a outro monte; tem um majestoso arco, e guardas, tudo de cantaria gateada de ferro; tem no fim, para o lado oriental, um soberbo e elevado padrão de ordem Dórica, com esta legenda: «No ano de 1825, reinando o muito Alto e poderoso Imperador e Rei o Senhor D. João Sexto se mandou construir para utilidade pública esta ponte»

Constância numa Aguarela de Casanova. 1883. Reprodução  de original de Vicente Themudo de Castro. Com bom reparo, notam-se os contornos da dita «estrada nova» pelo centro da vila, à esquerda.

A estas obras não será alheia a situação geográfico-militar de Constância se tivermos em consideração a Fortaleza do Outeiro da Conceição, a sul do «rio» onde, em 1823, por ocasião das crises revolucionárias e debaixo da inspecção do Tenente Coronel José Carlos, se mandou mais uma vez, arranjar a dita fortaleza edificada inicialmente pelo Conde de Lipe, na guerra contra a Espanha.  

José Luz

(Constância)

PS – não uso o dito AOLP.

 



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