Antes de mais quero esclarecer que marcaram a última assembleia sem articular o dia com o Conselho Fiscal, para dias em que os seus membros estavam ocupados. Omitindo a este órgão de fiscalização o orçamento e o projecto estatutário de alteração do regime financeiro da associação. Quem não se sente, não é filho de boa gente!
Desde a minha juventude que colaboro com a associação. Sempre tive uma excelente relação com a sua fundadora, até à sua morte em proveta idade. Foram várias décadas de trabalho colaborativo. Na imprensa, na música, no Centro internacional de Estudos Camonianos, na investigação, na defesa pública da Casa-Memória quando a queriam embargar. Como foi difícil esse combate. E tantas outras iniciativas.
Foi pela sua mão que entrei para o Conselho Fiscal e quero honrar sempre a sua memória. Manuela de Azevedo morreu desgostosa com as pessoas que ficaram na gestão da associação. Está tudo publicado!
Nesta fase terrível para a vida da nossa associação em que nos roubaram a nossa autonomia através de deliberações municipais, a pretexto da pandemia, não nos hão-de roubar por certo a liberdade de expressão.
Mas é sobre esta «história» do poder dominante do presidente da câmara sobre a nossa associação que quero falar, em particular. Dadas as notícias que acabo de ler.
Não conheço norma alguma da lei das finanças locais que faça depender a atribuição de um subsídio municipal a uma associação privada, nomeadamente, do controlo dos seus órgãos ou da existência de qualquer influência dominante camarária. Esta nova narrativa, ainda mais mentirosa, é quase pornográfica.
Não conheço documento algum da Inspecção-Geral de Finanças que alguma vez se tenha fundamentado na lei das finanças locais para impor à Casa de Camões o controlo dos seus órgãos por parte do município.
Não conheço o texto da alteração estatutária a que se refere a imprensa regional agora, porquanto o mesmo não foi disponibilizado ao Conselho Fiscal nem submetido ao seu parecer prévio como se impõe no artigo sétimo dos estatutos em vigor, registados e publicados pelo Ministério da Justiça (de acordo com a certidão permanente em meu poder).
Nunca tinha visto uma convocatória duma assembleia geral ser assinada em nome da Câmara Municipal de Constância, sendo de destacar que a pessoa que a assinou não só não fez prova das deliberações municipais que supostamente lhe conferiram poderes para o(s) acto(s), como não fez prova da deliberação que supostamente admitiu o município (se for o caso) na associação.
Os estatutos em vigor da associação fazem depender a admissão de sócios enquanto pessoas colectivas, a saber, da existência de um regulamento interno (artigo terceiro), não existindo sequer esse regulamento. Por outro lado, em parte alguma dos estatutos se prescrevem normas transitórias. E, assim, a deliberação sobre se o município (e não a câmara, pois só aquele tem personalidade jurídica e número de contribuinte) seria associado, sempre haveria de recair na competência subsidiária da assembleia (artigo 172º, nº 1 do Código Civil). A direcção é composta pelo sócio que também desempenha as funções de presidente da assembleia municipal e por uma vereadora. E, ainda, por um anterior funcionário/avençado do município que manterá com o mesmo uma relação jurídica, nunca desmentida. Parece evidente o conflito de interesses, aparente. Ao virem perdoar ao município quotas antigas que ele nunca pagou, estão a decidir algo sobre uma pessoa colectiva a qual integram ou integraram.
Aquando da eleição e tomada de posse dos actuais corpos gerentes em 2019 tive o cuidado de na assembleia geral referir que não constava das actas que o município era sócio ou tinha sido eleito. O que lá constava era a «câmara». Coisa muito diferente. Na altura, desvalorizaram a minha observação. Em tantos anos de membro dos corpos gerentes nunca vi ser exibido ou citado nas assembleias gerais qualquer documento do município a outorgar poderes a qualquer representante seu. A existência da mesa da assembleia deste tipo de associações nem sequer consta do Código Civil e todos sabemos que essa prática é tão só «direito constituído». A assembleia deve ser convocada pela «administração» (artigo 173º, nº1 do Código Civil). É neste quadro e contexto legal que a câmara aparece nas actas: de direito constituído, ou seja, estatutário (mas não previsto no Código Civil). A câmara não tem personalidade jurídica, sendo (?) uma espécie de sócio com direitos desiguais face aos restantes (uma espécie de menor). Diferente seria o caso de o município ter sido admitido ele próprio, como sócio, o que não se provou em tribunal. Ora, o município não pagava quotas. levei esta questão a tribunal e o presidente da câmara foi a correr pagar uma carrada de quotas, de forma extemporânea. E até foi perdoado pela direcção (cuja composição já referi atrás) de outras quotizações que se perdem na memória dos associados. Mas eu não tenho memória curta. Há uns anos atrás a assembleia geral deliberou expressamente sobre a manutenção de sócios que tivessem quotas em atraso, ainda antes da vigência dos actuais estatutos. E impôs um pagamento como condição sem a qual não se poderiam manter como sócios. Pois é! O município de Constância não se apresentou nesse ano de prescrição para «regularizar» a situação.
A situação «de facto» da câmara na associação – e não «de iure» - era tolerada porque ninguém ousou levantar a questão, por respeito à fundadora Dra Manuela de Azevedo. Em 1972, ainda na vigência da Constituição política de 1933, constituiu-se uma comissão por iniciativa do então presidente da Câmara de Constância. Depois, surgiu uma comissão executiva da Casa de Camões que apareceu representada numa Comissão Instaladora de iniciativa do Governo. Com a mudança de regime, e já na vigência da actual Constituição de 1976, passou a haver liberdade de associação e as pessoas colectivas tais deixaram de ser equiparadas a «menores». Rege a nossa lei fundamental que: «As associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas». Tudo conforme os diversos tratados de direito internacional.
O argumento de que segundo a lei 50/2012 a associação só pode receber subsídios do município/associado, se ele tiver influência dominante, é polémica a que não fujo.
Admitindo em tese que o município (e não o órgão da câmara) seja associado (e não está provado que o seja, de forma inequívoca), ainda assim, deveria ser considerado o seguinte:
- O regime da Lei 50/2012 constitui uma restrição à liberdade de associação que não está expressamente prevista na Constituição da República (com interesse o artigo 18º da CRP). Em parte alguma deste regime financeiro consta quais são os direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que justificam restringir a liberdade de associação;
- Até à lei do orçamento de Estado para 2017 não era possível aos municípios subsidiar associações privadas em que tivessem «participações locais». A partir daí (não é consensual na jurisprudência que uma lei de orçamento anual possa vigorar para lá da sua vigência anual) poderiam fazê-lo sob contratos-programa. Acontece que, está por provar que o município tenha tido ou tenha «participações locais» na Casa de Camões. A lei 50/2012 foi feita para outro tipo de pessoas colectivas, ou seja, sociedades regidas pela lei comercial. Há doutrina administrativa que entende que o facto de um município ser simplesmente sócio de uma associação, basta para o caso. Mas isso não consta da lei. E, uma restrição da liberdade de associação constitucional há-de constar de diploma legal, de forma expressa. Onde está?;
- A lei 50/2012, num capítulo especial para as associações privadas, donde, excepcional, prescreve: «Os municípios, as associações de municípios, independentemente da respetiva tipologia, e as áreas metropolitanas podem participar com pessoas jurídicas privadas em associações». Leram bem? Podem participar «com pessoas jurídicas privadas em associações». Isto é: O Município (e não apenas o órgão da câmara) haveria de participar com a nossa associação - «pessoa jurídica privada» - numa nova entidade terceira, leia-se, associação. Suscitada esta questão na doutrina administrativa, tem-se argumentado mais recentemente que a lei 50/2012 em causa embora contenha esse articulado restritivo ainda sim, pretendeu abranger toda e qualquer situação em que um município seja sócio de uma associação. Essa aplicação por analogia administrativa, no caso, às associações privadas de direito civil, parece contender com os preceitos quer da Constituição quer da lei 50/2012. Porque sendo tais restrições uma excepção não terão analogia! Haveriam de constar expressamente;
-Se, efectivamente, todo este processo de alteração dos estatutos da Casa de Camões fosse transparente, nunca deveria ter sido negociado à revelia do Conselho Fiscal e da assembleia (a esta levaram já tudo consumado e sob pressão de, se não anuíssem, iria exigir de volta o dinheiro do ordenado da jardineira ).Até as actas do município com esses «estatutos» só foram publicadas após a assembleia de Junho de 2020 da associação. Tudo pensado ao pormenor. Tinham 24 horas para me entregar as actas das assembleias de Junho de 2020 de acordo com a lei processual civil e levaram mais de três meses. Tudo com o fito de impedir a produção da prova em sede da providência cautelar cível.
Bastaria que o município «saísse» de associado (Ele é associado? Na recente sentença judicial provou-se que não constava da lista de quotizados, em dia ou em atraso), para que a associação não perdesse a sua dignidade, a sua autonomia e a sua liberdade de direito natural.
Para que um município exerça influência dominante numa associação, a lei 50/2012 (artigo 19º) prescreve a «verificação de um dos seguintes requisitos» e elenca:
a) «Detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto». Ora, isto não se aplica a uma associação sem fins lucrativos mas sim a sociedades.
b) «Direito de designar ou destituir a maioria dos membros do órgão de gestão, de administração ou de fiscalização»; Repararam na conjunção alternativa «ou»?
c) « Qualquer outra forma de controlo de gestão». Reparem no inciso: «outra forma».
Nada é cumulativo, como veio a acontecer nos «novos estatuto»s impostos pela câmara em Março de 2020 mas ainda não registados (objecto de procedimento em curso no Ministério Público!).
O texto que o município negociou com a direcção da associação às escondidas quer do Conselho Fiscal seja da assembleia geral da associação (essas deliberações administrativas do município teriam de ter sido impugnadas pela direcção da associação no tribunal administrativo) está muito para lá da lei 50/2012. Porque impõe a nomeação da maioria do Conselho Fiscal por parte do presidente da câmara, e impõe o voto favorável do presidente da câmara para designar e destituir os restantes corpos gerentes. Impõe direito de veto do presidente da câmara para instrumentos de gestão, aquisição, alienação de bens, mudança de sede, etc. Mais grave ainda: a primeira proposta do presidente da câmara que se veio a descobrir em sede da recente providência cautelar cível, incluía o direito de veto do presidente da câmara sobre… alterações de estatutos. Está assim explicado ao que vem.
Ora, para o município atribuir o parco subsídio com que a associação paga à jardineira, para quê e porquê este projecto de poder totalitário? Arranjaram um bode expiatório?
Melhor fora que tivessem acautelado a protecção do espólio da Biblioteca Victor Fontes e que tivessem inventariado e tratado arquivisticamente o espólio deixado pela Dra Manuuela de Azevedo e pelo escritor humanista Sam Levy e outros beneméritos.
Nunca irei perceber por que motivo o actual presidente da câmara denunciou a Casa de Camões em Julho de 2019, à Inspecção-geral de Finanças, sem informar o Conselho Fiscal e a assembleia geral a que na prática preside de que, tendo o município atribuído a verba do subsídio a foi denunciar depois. Onde fica a boa fé?
Deixe-se dessas coisas!
A lei das autarquias locais permite perfeitamente subsidiar as associações existentes no município, sem poderes dominantes.
José Luz
(Presidente do Conselho Fiscal da Associação da Casa-Memória de Camões em Constância)
PS – onde está o visto prévio do Tribunal de Contas para as tais «participações locais»?
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