(...) ''E há, de facto, coisas mais importantes a reter nesta entrevista. Esta frase, por exemplo: “Os regimes intensivos são dos mais eficientes na utilização dos factores de produção. Sejam recursos naturais, como a água e o solo, sejam pesticidas e fertilizantes, porque a agricultura de precisão é utilizada para tornar esta agricultura mais competitiva. É esta que alavanca as nossas exportações.” Honra lhe seja feita, a ministra não esconde nada: o seu pensamento é claro como a água, mortal como um pesticida. Revela uma absoluta ignorância, uma total irresponsabilidade de gestão, uma abordagem completamente ultrapassada e primária àquilo que deve ser o papel de uma agricultura sustentável no ordenamento do território, na defesa do ambiente e preservação dos recursos, na fixação de populações e protecção dos pequenos agricultores e da agricultura não invasiva. É mais um ministro que só quer saber dos dinheiros da PAC e das exportações, mais um que nos vem com as quotas do azeite sem querer saber da exaustão dos solos, da escassez de água, do fim da biodiversidade, da emigração das populações rurais. Alguém lhe terá contado da rega gota-a-gota e computorizada — coisas que já existem há décadas —, e ela, fascinada, concluiu que isso era a “agricultura moderna”. Porém, esqueceram-se de lhe explicar que se é verdade que um hectare regado assim poupa mais água que um hectare regado à mangueira, já dez hectares não poupam mais. E cem hectares ainda poupam menos; e mil, muito menos. E por isso a senhora autoriza tudo o que seja “moderno”, e quanto mais “intensivo” mais moderno lhe soa — seja amendoal intensivo no Alqueva ou seja, no Algarve, essa coisa exótica do abacate, que tanta água gasta e tanta falta nos fazia... Aliás, ela está descansada, porque “neste momento” não corremos o risco de faltar água no Algarve, no Verão, e tem até um plano para o uso “muito racional de água no Algarve” — o qual não passa, claro, por proibir mais abacates ou laranjais intensivos, mas por investir a astronómica quantia de um milhão de euros talvez em macumbas para encomendar chuva. Já no Perímetro de Rega do Mira — onde se situam as suas acarinhadas estufas de Odemira, exemplo de verdadeira agricultura moderna no meio de um parque natural, um autêntico farol das exportações e símbolo do seu “sonho de uma sociedade mais justa” —, aí, sucede que, como era de esperar, esgotou-se a água da Barragem de Santa Clara e já nem dá para manter o caudal ecológico do rio Mira. Então, a solução socialista é manter a água às grandes empresas das estufas de agricultura intensiva e tirá-la aos pequenos agricultores locais que restam: em nome das exportações. Para depois se queixarem que o interior está abandonado, que ninguém cuida das terras e que assim os incêndios proliferam sem solução.
Alguém devia explicar à ministra (talvez o seu colega do Ambiente, se não existisse apenas no papel) que a agricultura em Portugal consome 75% da água que gastamos e que esta vai acabar em breve se ela continuar a autorizar olivais e amendoais super-intensivos no Alqueva, laranjais e abacates no Algarve, estufas na costa alentejana. Todas as manhãs, mal a visse, o seu chefe de gabinete devia dizer-lhe: “Bom dia, senhora ministra, a água vai acabar.” Até que um dia cortava-lhe a água na casa de banho e, quando ela perguntasse o que se passava, ele responderia: “Acabou-se a água, senhora ministra, foi toda para o olival, os abacates e as framboesas.” Mas isso não vai acontecer nem António Costa a vai dispensar. Isso seria pior do que faltar a água em Portugal, seria reconhecer que algum membro deste Governo é incompetente.
Alô, jovens socialistas: bem-vindos ao vosso futuro!''
Miguel Sousa Tavares
com a devida vénia ao Expresso