É sabido que Camões usou na sua epopeia o maravilhoso, quer pagão  quer cristão. Com uma diferença abismal: o primeiro  encontra a sua justificação  no plano das ficções enquanto que o segundo, releva das mais profundas convicções do poeta sobre a fé católica e a "santa cristandade'.
A escolha da Casa de Camões há dois anos atrás para a apresentação do livro de Fernando Correia  "E se eu fosse Deus",  não só não encaixa nos fins estatutários da associação que são a defesa e divulgação da obra do vate, como é bem o exemplo de uma iniciativa mal pensada,  conquanto bondosa, que vem promover um livro medíocre e nada abona para o crédito literário da instituição/associação.. Leram aquilo? Habituados a um nível superior académico (saudades do Centro Internacional de Estudos Camonianos) fomos surpreendidos por esta promoção editorial. Passo por cima das boas intenções. Somos todos adultos.
O autor do dito livro, qual Kant, troca  a fé  (e  troça dela), por uma ideia de moral para tentar explicar  uma certa ideia de imortalidade da alma, na qual não parece acreditar muito... Quer transformar as pedras do deserto em pão...

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A pergunta do livro serve de ponto de partida (ou de chegada?) para uma conversa com um sem-abrigo. A realidade escondida de um sub-mundo de miséria e de meandros por desvendar levanta aparentemente  ao autor (?) inquietações e dúvidas que sempre acompanharam a humanidade.  No fundo, lá no fundo, o autor pretende é negar que Deus é Bom,  pois  sugere um Deus mais humano...
É este o ponto. Não há outro. 
 
O autor não tem fé em Deus. Não acredita no Deus de Abraão e de Jacob do monoteísmo. Não acredita no milagre da descensão, não acredita em Cristo. 
Não é de hoje essa sua ausência de fé.
Quem ler o seu livro e for católico deve ter presente esta observação.
Se o autor fosse católico nunca se colocaria no lugar de Deus, seja por si ou por interposta figura,  mesmo por hipótese académica, literária.
Agnóstico teísta? A questão é aparente  e falsa, não se colocando sequer em termos metodológicos, porquanto o livro é uma manta de retalhos, cheio de incongruências e de contradições. Mesmo quando o autor se arroga em identificar dogmas da Igreja Católica, que logo nega e/ou rejeita, até aí,  falha em toda a linha. Não sabe e não conhece os assuntos que pretende criticar. O autor confunde a posição do islamismo sobre Jesus com o dogma da fé católica. Inadmissível. Mesmo na confusão.... Inventa.
Mistura filosofia com religião e espalha-se ao comprido. Diz que tem um amigo filósofo. Como se a autoridade de um fosse, por osmose, uma qualidade do outro. Ao pretender escrever sobre filosofia das religiões não faz uso  do método histórico-critico comparativo. A compreensão da existência de Deus pode ser racional mas o autor não o demonstra sequer, antes pelo contrário, tenta negá-lo através de ideias próximas do agnosticismo teísta.
O livro, longe de ser o propalado romance, é mais uma análise social de factos, sem trama ficcional que lhe valha essa qualificação.
O autor só acredita na ciência da história. Mas não o afirma explicitamente. Esse é o maior perigo do livro para os mais incautos. É aqui que entra o romance em boa verdade, para mascarar as reais intenções do livro.
Ao defender que o Papa Francisco não precisa de Deus para concretizar as suas ideias, as quais elogia, o autor diz ao que vem, sem mais. Não,  obrigado. No diálogo entre cristãos e marxistas, Deus fica sempre de fora para estoutros.
Nesta história de Fernando Correia Camões não tem lugar nem espaço. Nem um cantinho sequer.. Ora bolas! Vá cantar a sua versão para o Largo do Rato...
Só Camões basta!
 
José Luz ( Constância)
 
PS- não uso o famigerado AOLP