Foi ali mesmo, à direita, na Rua da ilustre benemérita Dona Maria Balbino Franco, defronte da igreja da velhinha Irmandade da Misericórdia, quando se espreita vindo da praça. Aquele muro conta uma história, a história do dia em que o anão, o filho da regente, saltou, sem mais nem menos, lá de cima.
Rua D.Maria Balbino Franco, paralela à Igreja da Irmandade, onde se situa à direita o muro desta história…
O caso foi badalado: “Que teria passado pela cabeça do rapaz? “Ouvi esta história a várias pessoas e desde sempre. O anão (cujo nome fica resguardado na ficção) um dia resolveu pedir em namoro por carta, a filha duma personalidade local. Recebida a dita, a missiva deixou logo intrigada a destinatária, pela ousadia (pois era pessoa comprometida). Ora, dado o desconhecimento da identidade do remetente, logo foi abordado e indagado o carteiro. Disse o mesmo sem pestanejar: “Então a prima não sabe? Olhe, é o anão”. A carta, essa, foi devolvida pelo mesmo caminho, decisão que já estava tomada antes da mesma ter sido escrita. Mas o anão, teimoso, deu em ir fixar-se na fonte da praça, e olhava para a velha varanda da sua idealizada… Não havia trovas nem nada nesta sua incompletude. Ali estava, qual estátua, onde há muito se ia abeirar sem ter dado nas vistas. Décadas mais tarde, vi-o muitas vezes e nunca lhe ouvi a voz. Cruzávamo-nos quase sempre na rua de São Pedro (onde cumprimentei amiúde o O’Neill, este, talvez vindo da taberna do primo Mário Barbisco ou, quiçá, da pesqueira, dos seus banhos de Adão…). Em pequeno tinha algum receio quando passava pelo anão. As pessoas que não falam, nada dizem e nunca verbalizam o que pensam são para mim fonte dos maiores cuidados. E isto nada diz quanto à nossa personagem. São impressões. Dele tivemos notícia um dia, já idoso, no “Correio da Manhã” ou na “Capital”? Carlos, de seu nome, digamos que, fictício, estendia a mão na rua do Carmo, na capital. De oficio, palhaço. Reformado e sem pensão. Eis que finalizei o retrato. O país não poupa os seus artistas e os seus órfãos espirituais.
Fonte da praça onde a personagem se ia fixar…
Numa ocasião passou por ali a destinatária da sua carta de amor enviada 40 anos antes. Ia acompanhada pelo marido. Carlos escondeu-se e escondeu o rosto. Como se tivessem vindo à tona velhos fantasmas… daqueles, freudianos, que povoam os pensamentos humanos.
Quanto ao namorado que Carlos um dia queria substituir, posso testemunhar que o mesmo se ria do assunto, com bonomia. Só soube do sucedido anos mais tarde.
Procissão do Sagrado Coração de Jesus. O homem da Cruz…
Naquela fonte da praça também tinha sido visto por “aqueles dias” de 1948, de noite, um ilustre constanciense, o qual andava a arrancar a propaganda do Norton de Matos. Pormenores do regime e da Legião…
O caso aqui relatado e ficcionado, parece ter posto de prevenção o carteiro, o qual todos os dias passava por força do ofício em sítio ermo junto à ponte. Uma sombra, anunciando uma silhueta de baixa estatura, parecia representar-se-lhe munida de uma faca em riste… O pobre do António viu-se assim em grandes apuros durante muito tempo. Talvez até em sonhos. Por causa da cegueira do anão e do seu amor platónico não correspondido. Será caso que o desgraçado do carteiro tenha sido o “bode expiatório” do anão, por ter devolvido uma carta como era de lei? Nunca o saberemos. Só sabemos que o anão se estatelou em queda livre, mesmo juntinho à igreja da Irmandade. O povo falava desta queda e falava também do escândalo do carameleiro que ficava logo, logo na esquina. O dono da pequena fábrica terá saído (outros dizem que fugiu) de noite mais a companheira: “filha (!) vamo-nos daqui” teria exclamado este vizinho do anão descoberto o “segredo”, não dos caramelos, claro.
Vista parcial da praça sobre a qual versa esta história.
Um outro “caramelo” habitou nesta singela rua na casa do anão, passo a ironia, pois foi Presidente da República, Craveiro Lopes de seu nome. O povo guardou mais na memória a queda do anão e o escândalo do pai carameleiro. Má língua, fracas virtudes? Falaram as pedras da calçada onde existiu em épocas passadas – conta-se- um passadiço para freiras, com ligação à igreja, então sede da Irmandade.
Nesta zona, desde a praça até à igreja era tudo casas antes das invasões. Essa memória perdeu-se embora haja gente dada à arqueologia que já mo reportou.
O homem da Cruz que anunciava a passagem da procissão do Sagrado Coração de Jesus, tradição do mês de Junho que deixámos cair, terá pensado na sua queda sempre que pisava aquelas pedras e seguia ladeado das tochas vivas. Havia um dia no ano, pelo menos, em que ele se destacava, carregando o escândalo da Cruz – no dizer de Paulo. Todos já caímos do muro com Adão.
José Luz
(Constância)
PS- não uso o dito AOLP. Qualquer semelhança da personagem com a realidade é pura ficção.
O Zé Luz dá-nos a conhecer outra página da história da velha Punhete, de que é o grande cronista:
Conjunto “Capela de Santa Ana-Cruzeiro” em Constância memória do antigo “Passo” no caminho da “Via Crucis”
Na Vila de Constância existe um Cruzeiro associado ao antigo «Passo» da Via Sacra, a carecer urgentemente de obras de restauro. Defronte, ergue-se a Capela de Santa Ana, que vai servindo de «Casa Mortuária» pois a sede do concelho não tem sequer esse serviço social. É sobre este conjunto patrimonial «Capela-Cruzeiro» que versa a presente crónica.
Postal antigo da Capela de Santa Ana, edição de Aurélio Dias Nogueira.
Até aos anos 70 havia a tradição das grávidas na vila de Constância acenderem uma candeia a Santa Ana, «por um bom parto». A festa de Santa Ana remonta a épocas passadas havendo registo da festa anual a Senhora Santa Ana em Junho, como se pode observar num título de autorização do administrador geral interino do distrito, datado de 10 de Outubro de 1837, há portanto 184 anos. O documento reporta-se ao orçamento da despesa da «Confraria de Santa Anna». Para além da festa, faz-se referência a “oito missas annuais a cento e vinte reis “, a ” cêra”, destinando-se uma verba “para ultimação de camarim ou tribuna”. Tudo orçado em mais de 32 mil reis. No dia de Santa Ana sempre houve memória da realização da Santa Missa na Capela de Santana. Assina o título em 1837, nomeadamente, Manoel Nunes Freire da Rocha. A capela é-me muito familiar porquanto passei a minha infância e adolescência por ali, paredes meias. Ouvia por vezes dizer que fulana veio acender uma candeia a Santa Ana. Mas quem se recorda bem dessa tradição é a vizinha Mª Helena, filha do Zé Fona.
Vários aspectos da Capela de Santa Ana
Na capela sempre se celebrou o tremendo e Sacrossanto Sacrifício no dia 26 de Julho, dia de Santa Ana. Havia na nave da antiga ermida dois ou três bancos antigos para os parcos fiéis que vinham assistir, verdade seja dita. Eram poucas as ocasiões em que se abria o templo. Uma delas era por ocasião da Festa de Nossa Senhora da Boa Viagem em que se preparavam e vestiam os anjinhos na sacristia, os quais rumavam depois em procissão à igreja matriz. Mais recentemente e antes do «Covid 19», partia daqui a procissão dos Ramos (a tradição existente, contudo, é a da realização desta procissão à volta da matriz!).
Havia na capela relíquias de santos embutidas no centro de pedras de altar. Bem lá as vi nas gavetas da velhinha sacristia e isso ouvi da zeladora Maria José Cardoso Fonseca que de tudo cuidava com carinho.
Foto do espólio documental que existia por detrás do altar-mor, em 25 de Abril de 2013, enviada à CMC via mail nessa data.
A Capela de Santa Ana serviu de sede da Irmandade dos Clérigos Pobres (S. Pedro Advincula). Em 1798 a Irmandade foi transferida da Igreja paroquial de São Julião
onde estava instalada desde 1672, para esta ermida. Esta informação consta do livro da respectiva Irmandade – obra rara e riquíssima em iluminuras – segundo os apontamentos manuais do cronista Joaquim Coimbra a que acedi na minha juventude, por privilégio.
É sabido que em 1625 já havia referência à «Senhora de Santa Ana de Punhete», segundo o testamento do padre Manuel Carvalho Barreto, documento constante do espólio da Misericórdia, o qual está depositado no arquivo distrital. A Capela aparece por vezes referida como «ermida» o que se percebe. O vila desenvolveu-se perto dos rios. Mais acima da Capela e numa rua contígua existia a «Casa da Roda» onde morava antigamente a família do meu pai, casa histórica mandada demolir pela CMC nos anos 90. Era do reinado de Dom Duarte segundo ouvia a minha bisavó dizer a pessoas eruditas e mo contou o meu pai. O local ermo justifica a «ermida»? Creio.
Morte de São Joaquim”. Retábulo que se encontra na matriz e que foi oferecido com outros dois para a Capela de Santa Ana pelo Comendador José de Souza Falcão.m Atribuído ao século XVI-XVII, de origem espanhola.
Aquando da Implantação da República foram destruídos os «Passos» da Vila, da Via Sacra. O cronista Joaquim Coimbra situa um dos Passos, precisamente, em Santana. Será que o vetusto Cruzeiro ainda existente mesmo defronte da Capela (mal tratado pelo tempo e pelos homens) integrava essa «Via Crucis»? Construído no caminho da então Real Igreja de Nossa Senhora dos Mártires (igreja da Confraria da dita invocação que só em 1822 passou a paroquial), este padrão público (?) poderá ser mais do que um símbolo da jurisdição paroquial ou termo de propriedade e prova de domínio (a capela aparece em textos antigos como ligada à paróquia). Não é incomum haver Cruzeiros no caminho do Calvário (Constância lembra um presépio vivo).Deixemos a análise arquitectónica para os entendidos. O que é certo – segundo o historiador local – é que ali havia um dos «Passos» da Via Sacra. O Cruzeiro não pode ser excluído desta realidade. Não há como o fazer.
Na vila (sede de concelho), lamentavelmente, não existe sequer casa mortuária e desde há vários anos que a Capela de Santa Ana faz essas vezes. O Cruzeiro assume assim renovado significado, de santificação do local daqueles que em vida acreditaram na Ressurreição, sem ver, A cruz, no cimo da coluna, ergue-se a lembrar aos vivos, a esperança desse milagre maior.
Cruzeiro defronte da Capela de Santa Ana, indissociável do antigo «Passo» da Via Sacra ali situado.
Não se conhecem dados ou legenda sobre esta edificação do Cruzeiro. Em pequeno eu e outras crianças bem tentávamos encontrar alguma legenda na base pois estávamos habituados a ver legendas nalgumas pedras do adro mais acima. A memória do povo de Constância não deixa de estar reflectida neste conjunto patrimonial Capela-Cruzeiro. A Junta de Freguesia através do anterior presidente João Baião da Silva ainda procedeu a alguma conservação do monumento. O município, actualmente, não estará sensibilizado para as questões de defesa deste tipo de património, de carácter misto, isto é, político-social e religioso: o Cruzeiro, «pelourinho» e cruz visível dos homens-caminhantes (?).
Nos anos 70 acompanhei o meu irmão na elaboração de uma monografia dos templos da vila, trabalho de curso da Escola Superior de Belas Artes e a pedido da CMC, era então presidente da edilidade Fernando Morgado. Fiquei desde logo sensibilizado para a importância e valor dos nossos monumentos locais.
No dia 25 de Abril de 2013 dei conhecimento por escrito e pessoalmente à Câmara Municipal de Constância da existência do espólio documental que então se encontrava na parte traseira do altar-mor da capela (ver foto), no sentido da sua eventual preservação e recuperação. A empresa que na altura estava a proceder à recuperação da capela levou dali o retábulo, desmontado, no interior do qual estavam os documentos então fotografados. Nunca mais vi os documentos e a paróquia deles não tem paradeiro (houve mudança de pároco nesse ano). Na altura reparei que os documentos estavam muito secos e o seu manuseamento exigia uma técnica especial sob pena de se destruírem facilmente.
Em 1985 o grupo de teatro da paróquia cuja comissão integrei (da mesma faziam parte, Maria José Falcão Themudo de Castro, Gina e Arminda Tavares e o pintor Fernando Santos) organizou um sarau cultural em benefício da Capela de Santa Ana.
Vista da rua de Santa Ana ladeada das ruas da Adega e da Roda.
O espectáculo rendeu algumas centenas de contos. Deu para pagar a porta nova da Capela. Nessa ocasião conseguimos ainda algumas carpetes e sofás. Os cenários do sarau teatral foram graciosamente pintados pelo pintor Alexandrino Santos. Os textos eram da minha autoria. Um dos actores da pequena revista encenada era o pintor Fernando Santos que fazia de padre e que já tinha sido agraciado pelo Papa João Paulo II. Eu vi o documento da Santa Sé relativo ao sr Fernando por causa dos restauros executados na matriz durante o mandato de Dom Agostinho.
Naquela altura também ensaiava no cine-teatro o grupo teatral do CEV o qual eu também integrava. Não foi fácil fazer perceber a certas mentes que se tratava de iniciativas bem distintas e legítimas. A quermesse dentro do próprio teatro foi um modelo em que apostámos e que deu certo. O padre João Vermelho nem se importou com as cenas que criei dentro da própria “missa” afinal o bolo final ia para a paróquia…Uns anos mais tarde, em 15 de Abril de 1990 ou 1991 (?) realizou-se na Capela de Santa Ana um concerto pelo Coral «La Passion» dirigido por mim. A Capela ficou bem recomposta de participantes.
Cópia de documento de autorização do administrador geral interino do distrito, datada de 10 de Outubro de 1837, para a Festa de Santa Ana de Constância, de JMNC.
Nas fotos que acompanham este texto podem observar-se a pia de água benta e a pia/lavatório da sacristia.
Existiam na Capela três retábulos oferecidos para esta ermida pelo Comendador José de Sousa Falcão que ali permaneceram até 1978 altura em que alguém os levou para a igreja matriz: Baptismo de Jesus, Coroação da Virgem e Morte de São Joaquim. O Comendador dizia-os de origem espanhola (´seculo XVI-XVII).
A Capela de Santa Ana e o Cruzeiro são monumentos de linhas simples que se atravessam no caminho dos homens e que conferem ao local um enquadramento fantástico.
A descoberta recente de possíveis elementos de um altar da antiga paroquial de São Julião de Punhete (actual Constância) levou a Mesa Administrativa da Misericórdia a projectar um núcleo museológico e expositivo. Está um curso uma candidatura à Tagus, tendo o Montepio provido uma carta de conforto para esse efeito, segundo o Provedor, António Paulo Teixeira.
Ao que apurei junto daquele responsável, os técnicos superiores envolvidos na restauração da Igreja da Misericórdia (empresa de Conservação e Restauro de Torres Vedras) terão equacionado a hipótese dos elementos em causa descobertos (ver fotos) serem estranhos aos altares, retábulo e características da igreja da Irmandade, em cujo seio se fez a fascinante descoberta. Anote-se que este património encontrava-se num sótão da sacristia desde há muito tempo. A imagem do senhor dos Aflitos será também anterior à construção da Igreja da Santa Casa, sendo atribuída aos século XV ou XIV o que poderá provar a sua origem distinta.
Os restos do altar enigmático terão sido guardados pela Irmandade, crê-se, desde pelo menos 1822, data da transladação da antiga paroquial de São Julião (situada na actual Praça Alexandre Herculano) para a Igreja de Nossa Senhora dos Mártires (1).
A instalação de um núcleo museológico e expositivo na sacristia da igreja da Irmandade da Misericórdia de Constância irá contemplar artefactos e peças várias do espólio da igreja da Irmandade e ainda da antiga paroquial ( origem a comprovar-se, é certo, segundo a hipótese em estudo).
A antiga paroquial de São Julião terá sido arruinada pelos invasores franceses, na primeira e terceira invasões (2). O saudoso Cónego José Maria Rodrigues d’Oliveira dizia que a Pia baptismal da actual Matriz tinha sido transladada da igreja de São Julião e contava com pelo menos oito séculos. A expressão «antiga igreja» constante do despacho régio (1) vem corroborar esta conjectura.
Um outro dado muito relevante vem juntar-se a este puzzle alegadamente quinhentista, do altar descoberto. Segundo o testamento dum antigo Provedor da Misericórdia, Dom Francisco de Sande (2) (3), o seu corpo deveria ser sepultado precisamente «em sepultura de meus Avós, que era em a Capela maior da Paroquial Igreja de S. Julião, de Vila de Punhete, ao longo do primeiro degrau; e aos lados estão muitos Irmão e Primos e Tios meus».
Sabemos que a avó dos amigos de Camões (Heitor da Silveira e João Lopes Leitão), do célebre «Banquete das Trovas» terá morrido em 1544 e foi sepultada na Igreja de S, Julião de Punhete (4)
Será que estes restos do altar não serão da Capela maior da velhinha paroquial?
Manuela de Azevedo, saudosa fundadora da Associação da Casa-Memória de Camões em Constância escreveu um dia a «Mágica visão» em que via o poeta a rezar ali na velhinha paroquial de São Julão, paredes meias com a Casa dos arcos e, o palácio da torre onde teria sido prisioneiro.
Será este altar contemporâneo de Camões? Têm a palavra os técnicos e especialistas. À Santa Casa, os agradecimentos pelas informações e fotos.
José Luz (Constância)
PS – não uso o dito AOLP
(1) «Manda El Rei, pela Secretária de Estado dos Negócios de Justiça, que o Reverendo Bispo de Castelo Branco, em conformidade da sua informação, sobre o requerimento do Juiz Presidente e Oficiais da Câmara da Vila de Punhete, faça expedir os despachos necessários, para que a Paróquia da dita Vila, seja transladada, para o Templo dedicado a Nossa Senhora dos Mártires, em razão de estar arruinada a própria, e antiga igreja de S. Julião da dita Vila, combinando-se as horas para que diariamente, os Capelães daquela igreja celebrem as Missas solenes e privadas, e o Pároco da de S. Julião todos os Ofícios Divinos, e administre os Sacramentos: sem perturbação daqueles a que são obrigados os ditos Capelães: fazendo-se Termo, com as devidas declarações, assinado pelo Pároco, Câmara, Mesários da Confraria, e mais Pessoas a quem competir. Palácio de Queluz, em 25 de Fevereiro de 1822. = José da Silva Carvalho.» - Diário do Governo, edições 77-151, página 670.
(2) «Logo na primeira invasão que se verificou nesta Vila no dia 24 de Novembro de 1807 data a ruína dos templos desta Vila (…) Nestes calamitosos dias sofreu o povo desta vila incalculáveis incómodos; foram as casas abertas à tropa, o que se apregoou com pena de morte; os templos franqueados, desacatados e delapidados, ficando este povo tímido, convulso e arruinado, o que totalmente aconteceu na última invasão de… Novembro de 1810 (…)Terra alguma do Ribatejo se pode comparar com esta ruína (…) Que a famosa igreja, obra dos mais remotos séculos, que a paroquial de S. Julião, «que era um monte de oiro», como dela disse o seu Comendador Forbes, que a nossa antiga Mãe, onde descansam os restos dos nossos tão dignos Antepassados, está reduzida à maior indigência, sendo antes decorada com belíssimos quadros e painéis de Grão Vasco, e de outros insignes autores, e o tecto da capela-mor, da mais preciosa arquitectura, e os cinco altares que tinha, enobrecidos com tronos todos doirados, e particularmente com imagens, as mais expressivas e devotas». - Descripção da Vila de Punhete, Verísismo José de Oliveira, 1830, Transcripção, Prefácio e Notas Complementares de José Eugénio de Campos Godinho, 1947.
(3)Testamento de D. Francisco de Sande, de 1 de Janeiro de 1620.
(4)Garcilaso, Principe de poetas, una biografia, Maria Del Carmen Vaquero Serrano, Centro de Estudios Europa-Hispânica, 2013.
Maestro e produtor de operetas e teatro amador Carlos Amadeu Saraiva Silvares de Carvalho.
Neste dia mundial do teatro, façamos uma breve súmula das memórias do teatro amador da vila de Constância, um período recheado de algumas décadas de oiro, com os cortes da censura pelo meio. Que marcou para sempre várias gerações de constancienses. Do velhinho teatro, demolido pelo poder autárquico, resta a memória e um mamarracho inútil que só serve para convenções partidárias...mas adiante....
A inauguração do cine-teatro de Constância é referida num programa de 31 de Julho de 1932, com a Comédia " A roca de Hércules e "Está cá o Augusto",
entre actos de variedades. Este programa foi publicado. num Boletim Informativo da Santa Casa da Misericórdia, nos anos 90. Existe ainda a cópia do discurso de inauguração. Pela leitura do texto manuscrito consegui deduzir que foi escrito pelo então presidente da Comissão Administrativa Municipal, o cineasta amador, Mário Mendes Lopes.
Porém já nos anos 20 do século XX se produziam espectáculos sob a égide do antigo "Sport Club Estrela Verde', fundado nessa mesma década. Ouvi vários testemunhos nesse sentido. E tenho um desses programas. onde é anunciada a peça "Constância por dentro", do velho professor Pinho Cheguei a conhecer uma sua aluna, no caso, a antiga artesã das "Monas de Constância", Ana Botas. Podemos recuar ainda mais, ao século XIX. Uma prima minha nascida na última década dessa centúria falou-me dos teatros em que se representavam números sobre os "tresmalhos" e as "bonecas" de que ouviu falar. Chamava-se, Florinda, a minha prima. À praça da vila também vinham saltimbancos pois tenho uma foto antiquíssima com um grupo a actuar no largo, defronte da antiga capela do Passo demolida pelos republicanos fanáticos.
A vila era pródiga em clubes e associações. Havia, por exemplo, o "Clube Tejo" e o "Primeiro de Maio". Em 1910 houve um espectáculo de transformismo do"Teatro Instrução e Recreio'. Os preços eram os seguintes: cadeiras, 120 réis; geral, 80 réis. Há, por conseguinte, uma tradição do teatro amador, anterior aos anos 30. É curioso o facto da rua contígua ao cine-teatro, na parte baixa, se ter designado "Rua do Arlequim', essa personagem da "Commedia dell'arte", cuja função no início se restringia a divertir o público. A toponímia é parte da memória colectiva e deveria ser mais valorizada.
Os anos 30, 40, 50 e 60 foram especialmente ricos em produções seja de operetas, dramas, revistas (anos 50), comédias, e números de variedades. Recordo aqui nomes como Carlos Amadeu Saraiva Silvares de Carvalho, Mário Guilherme de Sousa ("Mário Serrão"), Zulmira de Sousa, o professor Basso, Meira Burguete, em particular. Nos anos 70 e 80, surgiram vários grupos sob a batuta de Joaquim Santos, um discípulo de Carlos Silvares de Carvalho já referido. Foram os casos do grupo cénico Estrela Verde e de "Os Diabólicos".
Tive o privilégio de participar em dezenas de produções nesta última época e, finalmente, na homenagem póstuma que promovemos a Joaquim Santos, nos anos 90. Após o 25 de Abril, o próprio Joaquim Santos havia promovido, com o seu grupo cénico, mormente, uma homenagem ao seu mestre de teatro amador.
Deste autor, Carlos Amadeu Saraiva Silvares de Carvalho, existem na Torre do Tombo, por exemplo:
"Constância vista por dentro".
Revista em um acto e quatro quadros da autoria de Carlos Amadeu Saraiva Silvares de Carvalho, aprovada com um corte para ser representada em Constânciclui uma fotografia panorâmica de Constância. Data de produção: 1952
Secretariado Nacional de Informação, Direcção Geral dos Serviços de Espectáculos proc. 4373
"Amores de aldeia".
Opereta em um acto da autoria de Carlos Amadeu Saraiva Silvares de Carvalho para ser representada em Constância
Data de produção: 1952.
Secretariado Nacional de Informação, Direcção Geral dos Serviços de Espectáculos proc. 4374
"Amores de um fidalgo"
Opereta em um acto com letra e música de Carlos Amadeu Saraiva Silvares de Carvalho, a representar em Constância. Data de produção: 1960.
Outras obras do mesmo autor :
"A filha do Barqueiro",
Opereta musicada por Carlos Amadeu Saraiva Silvares de Carvalho, com texto de José Paulo Fernandes Júnior. A acção passa-se nos arrabaldes de Coimbra. Produção: 1945.
Comédia "" Do antigo ao moderno". De Carlos Amadeu Saraiva Silvares de Carvalho.
Censurada pela Comissão de Censura. Tenho o original com o carimbo e censura. Após o eclodir da Revolução foi levada à cena pelo grupo cénico do C.E.V.
Drama "A marquesa do Vale Escuro'. De Carlos Amadeu Saraiva Silvares de Carvalho. Inédito na posse da viúva do meu saudoso padrinho do crisma.
Pequenos subsídios para a história da colectividade e da vila
Estrela Verde de Constância
o Clube saído da Revolução
No 45º aniversário do C.E.V. - Clube Estrela Verde de Constância, recordemos os movimentos populares que estão na sua origem, em tempos revolucionários. Tempo ainda que trazer a lume a polémica do auto de fé em torno do espólio da Legião Portuguesa...
No período que medeia entre a Revolução de Abril de 74 e os idos de Março de 75, surgiram dois movimentos populares na vila de Constância de carácter associativo e que estarão na génese da criação do Clube Estrela Verde de Constância. Um era constituído por Acácio Horta da Luz, Pedro Nogueira e José Augusto Pinheiro, pelo menos. No antigo café do bairro alinhavaram um projecto inicial de estatutos. Concomitantemente surgia um outro movimento, desta feita constituído por Cesaltina Jofre e Rui Jofre ao que julgo saber e me é familiar. A ponte entre os dois movimentos e fusão de facto num só ocorreu e, aí está o Clube, o nosso Clube.
A entrega das chaves de acesso ao edifício da actual sede aconteceu pela mão do então Engenheiro Pinheiro, responsável pela Comissão Liquidatária da então Legião Portuguesa instalada desde os anos 50 pelo menos, no 1º andar, divisões que se destinavam por testamento a moradia das professoras da Aula Falconina (e aqui recordo de memória registos vários entre os quais a nota do testamento que o padre Drake nos dá e informações do Ministério das Finanças que obtive do antigo presidente José Ramoa Ferreira). Com efeito, Jacinto da Silva Falcão terá feito testamento para usufruto do edifício para o ensino feminino. Sobre o cumprimento ou incumprimento do testamento e reversão dos bens (edifício) para os herdeiros da referia família teríamos matéria sem fim, do ponto de vista jurídico. A legislação revolucionária tudo diluiu e a ocupação do edifício aconteceu de facto. Durante o PREC – Processo Revolucionário em Curso. Para mim foi uma ocupação, ainda que sem o arrombo de portas e sem o uso de violência. E não estou a emitir juízos de valor. É um facto. A gestão do 2º andar não seria algo alheia à Delegação Escolar. Sabemos, por exemplo, que em 1966/67 ali funcionava uma turma masculina. Em 1973/74 havia ali uma turma a funcionar.
A posse administrativa do edifício por parte do Estado e a sua ocupação por parte do C.E.V. parece caso decidido pois o tempo tudo cura e até o mesmo já foi adquirido/comprado… ao Estado…
Estas coisas geram sempre interpretações, quiçá diversas. O importante não é ter a razão toda…mas apresentar o pensamento e os factos que lhe subjazem.
E foi assim que por impulso popular em tempo do PREC, se criou o CEV. No dia da inauguração lá estava sentado numa carteira antiga da escola primária a personagem do Tenente Soares, antigo edil, com o seu sobretudo característico. À sua frente, uma das mesas baixas com pernas de cortiça que ao tempo se engendraram. Entre o registo da colectividade em 25 de Março de 75 e a abertura à população, procedeu-se a um melhoramento geral do edifício, com pinturas, arranjo de portas, etc.
No 1º ano da instalação terá havido duas administrações. Por lá passaram inicialmente outros nomes para além dos já citados, casos de Joaquim e Fernando Santos, Gabriela Lemos, Armando Val Quaresma, António Mateus, Benjamim Val Quaresma, Fernando Filipe, José Augusto (filho do «salcheiro»), em particular.
Vem ao caso citar um episódio muito curioso o da tentativa de auto de fé do espólio da Legião Portuguesa. Aconteceu então uma tremenda discussão ideológica à volta da mesa do bilhar. De um lado estaria Liberdade da Pátria Livre (comunista), afilhada do republicano Bernardo Machado e, Joaquim Santos (simpatizante do PCP então), do outro, por exemplo, Acácio Horta da Luz. Apagadas as chamas e obtido consenso lá foi o arquivo para o sótão. Um auto de fé terá ocorrido muito mais tarde, mormente, com material de arquivo que se encontrava no sótão em que o historial do grupo cénico foi destruído.
Na época terão vindo máquinas da Engenharia e parte do Pinhal cedeu lugar ao campo de futebol acaso constituído por três parcelas, uma do antigo presidente da Câmara, Mendes Lopes, outra que veio a ser do sr Adriano e uma última de Santa Bárbara? Um berbicacho que levou tempo para ser resolvido (?).
Tempo para dizer ainda que logo no início se fizeram uns bailes e um teatro, aquando da fundação.
A história do C.E.V. terá de ser feita necessariamente do cruzamento das fontes escritas e orais. Com este artigo apenas pretendo contribuir para esse objectivo. Não vejo necessidade de citar fontes explícitas, porque sim…
PS – Por vezes fala-se do Sargento Porto, entusiasta da criação do C.E.V. Sei que Manuel Porto (outro «Porto») esse sim, já tinha pertencido ao antigo Sport Club Estrela Verde. Do meu primo (Sargento Porto), segundo as minhas fontes, afinal, não haverá memória nos corpos associativos da fundação. O que há, ao que sei, é uma colaboração mais tardia, salvo desconhecimento meu.
A CDU de Constância apresenta a sua declaração de voto, relativa ao assunto "Parque de Campismo e Bar do Zêzere - Carência de Rendas", analisado na reunião de câmara de 19 de julho. Pelas razões mencionadas no documento, a CDU votou contra. Reunião de Câmara De 19 de julho de 2018 Declaração de Voto
Assunto: Parque de Campismo e Bar do Zêzere – Carência de Rendas
Por decisão do Senhor Presidente da Câmara foi aberto concurso público misto de arrendamento e concessão de exploração do parque de campismo de Constância e Bar do Zêzere que culminou com a celebração do contrato com a empresa GreenRoc.pt no passado dia 3 de julho. Sob proposta do Senhor Presidente foi solicitado ao executivo municipal que aprove a carência de 9 meses de renda, (no montante de cerca de 5.400,00 euros), no seguimento do pedido formulado pela empresa justificando a mesma que irá dar inicio a obras/melhoramentos/alterações cujo custo estimado ascende a 56.500,00 euros, correspondentes a 4 Bungalows (22.000,00 euros), Obras no Bar do Zêzere (20.000,00 euros) e Melhorias no Parque de campismo (14.500,00 euros). Após análise da documentação de suporte à decisão, consideramos que a mesma é manifestamente insuficiente. De facto, para que possamos deliberar favoravelmente não basta o parecer jurídico de que o assunto poderá ser presente a deliberação do executivo municipal, o pedido da empresa e a proposta do Sr. Presidente da Câmara. Em nosso entendimento deveria instruir o processo: 1- Contrato de Concessão;
2- Proposta detalhada das obras, melhoramentos e alterações a realizar no parque de campismo e no bar do Zêzere;
3- Parecer da Divisão Municipal de serviços Técnicos sobre o enquadramento legal das obras a realizar no parque de Campismo e no Bar do Zêzere e se os licenciamentos estão garantidos designadamente quanto à colocação dos Bungalows por se encontrar em leito de cheia; e ainda quanto ao Bar a declaração de autorização do projetista, caso se justifique;
4- Proposta do Senhor Presidente com os fundamentos que justifiquem a carência de 9 meses de renda e qual o impacto turístico e económico na realização das obras e melhoramentos.
Em face do exposto, e não tendo sido acolhida a nossa proposta do assunto transitar para a próxima reunião de câmara a fim de ser devidamente instruído, vemo-nos impossibilitadas de votar favoravelmente a proposta pelo que o nosso sentido de voto é contra por falta de informação de suporte à decisão e ainda porque pode pôr em causa as expectativas do concessionário. Durante a discussão do assunto em análise apercebemo-nos que não foram acautelados os preços a praticar, a possibilidade da existência de descontos para as escolas do concelho e outros grupos que trazem dinâmica económica à vila e ao concelho bem como potenciam a dinâmica dos equipamentos culturais; não foi acautelado o apoio à utilização dos campos de vólei e de ténis; não há a certeza se à data os contratos de água e eletricidade e eventualmente gás já estão no nome da empresa. Por último não podemos concordar com o argumento de que a Câmara tinha prejuízo com a gestão do parque de campismo e que se arrende e concessione só porque os tempos são outros, não tendo sido acautelado nas cláusulas do concurso de arrendamento e concessão a defesa dos interesses da câmara e do desenvolvimento económico do concelho.
Constância, 19 de Julho de 2018 As vereadoras eleitas pela CDU- Coligação Democrática Unitária Júlia Amorim e Sónia Varino