Coroa de pedra-túmulo do último morgado
No centro do velhinho cemitério de Constância existe um túmulo histórico, o do último morgado da «família dos Cabraes» da vila de Constância. Meio escondido entre fetos e roseiras, de pedras cinzentas carcomidas pelo andar dos tempos, cujas letras se vão dissipando aos nossos olhos, jaz debaixo do olhar não menos cinzento e negligente da edil administração.
Sabemos que a família dos «Cabraes» estará ligada a Punhete (actual Constância), pelo menos, desde Gonçalo Velho Cabral, o Descobridor, freire da Ordem Militar de Cristo, Comendador de Almourol. Maria Clara Costa, antiga conservadora do ANTT (Torre do Tombo), referindo-se à nossa vila, conta-nos ainda que «muitos dos desta família por ali viveram durante séculos» (1)
Antigo Palacete da D.Eulália Cabral de Moncada
Em 1575 fazia parte do capítulo do Convento de São Domingos de Lisboa, um Frei João de Camões «talvez o mesmo que no dito convento é juiz em 1602», opina aquela investigadora. Ora, em 1515, adianta ainda Mª Clara Costa que é referido como morador da Casa Real, «um Pero de Camões, sobrinho de Jorge Dias Cabral». Não sendo versado em genealogias, só posso limitar-me a fazer citações que carecem de investigação e que terão interesse para a história dos «Cabraes de Constância» (?) e suas hipotéticas ligações camonianas (?)… «Que Camões»? (sic Mª Clara Costa, no artigo abaixo citado). No concernente às ligações do nosso poeta aos dominicanos, estamos sobejamente conversados: há dados históricos.
A tradição local da vila de Constância (com o passamento dos locais também morre a tradição…) fala-nos de Dona Eulália de Moncada Falcão, descendente do artista-nato, Herculano de Moncada. Teve a honra especial durante as invasões francesas, de ter à porta de sua casa uma sentinela do exército francês, para que a sua casa fosse respeitada. Uma honra que lhe foi concedida por falar francês, o que era invulgar na época na educação de uma senhora. Esta informação que recolhi dos velhos da vila durante a minha adolescência, é também corroborada pelo Médico Dr José Eugénio de Campos Godinho nas suas «Notas Complementares» editadas em 1947 em apêndice à obra do Padre Veríssimo. Dá-se o caso de eu ter na minha posse um livro de história em francês do século XVIII, assinado pela Dona Eulália Falcão o qual me foi oferecido por uma amiga da D. Teresa Moncada (descendente da D. Eulália), no caso, Maria José Cardoso Fonseca. O suposto conector histórico aqui em relevo é o facto de D. Eulália Falcão (haverá mais do que uma D. Eulália?), ser da família dos «Cabraes» (seria descendente de um dos doze de Inglaterra de acordo com um antigo painel de azulejos existente no palacete onde morava e que foi residência de Ministro Passos Manoel).
Quanto ao mítico episódio dos Doze de Inglaterra, o mesmo encontra-se imortalizado por Camões no Canto VI.
Em Constância temos ainda notícia, por exemplo, do Conselheiro Francisco Cabral de Moncada que foi Governador da Província de Angola e Procurador Geral da Corôa. O seu filho, Luís Cabral de Moncada, era professor de direito da Universidade da Coimbra.
Passo a reproduzir a legenda do histórico e abandonado túmulo do último morgado dos «Cabraes de Constância», de cuja existência fui informado na minha adolescência por uma personagem saída das brumas da história. Estava eu a conversar sobre a Torre de Punhete e eis que passou na minha rua um vulto, alto, de sobretudo escuro, chapéu. Disse-me para ir ao cemitério e indicou-me a localização da tumba do último morgado. E, desapareceu dos nossos olhares, esguio, misterioso…
Legenda do túmulo do último Morgado dos «Cabraes de Constância»:
«Em memória de
Nossos filhos
Eulália
e
Jacintho Cabral
Falcão
Em 1884
Aqui jaz
Manoel Joaquim da Costa Cabral
último morgado da família
Cabraes de Constância
Nascido em 30 de Maio de 1820
E falecido em 11 de Maio de 1878
Em memória do seu muito querido
Irmão aqui fez colocar este túmulo
Família Cabral Falcão»
Túmulo do último morgado dos Cabrais de Constância
(1)«Alguns Camões pouco conhecidos»
Maria Clara Pereira da Costa in «Olisipo», números 142 e 143, anos 1979-1980.
Creio ser de absoluta e inadiável necessidade proceder-se ao restauro e conservação deste túmulo histórico do último morgado dos «Cabraes de Constância».
Da memória local dos «Cabraes» temos aí a rua Cabral Moncada e, agora, o «Largo Cabral Moncada». A história da estranha posse deste largo por parte da edilidade é matéria para outro artigo, se for o caso.
Ruínas de um forno de cerâmica do século XVII, no sítio do solar Cabral, ruínas escondidas pelo actual edil. (1)
José Luz (Constância)
Centro de estudos histórico-arqueológicos da
Casa-Memória de Camões em Constância?
E o património?
Edifício do Núcleo de Arqueologia segundo está projectado desde 1999.
Atenta aos problemas do património de Constância, a Associação da Casa-Memória de Camões, procurou levantar em meados dos anos 90, um projecto de espaço museológico.
O espaço museológico aparecia, pois, como pilar de todo um projecto de resposta aos problemas com que a região se debatia. José Luís Neto, arqueólogo, no seu texto editado em 1999 (1) explicava os objectivos: «através da criação de um espaço museológico de arqueologia, tentar-se-á sensibilizar e formar a população para as questões do património e, também, defendê-lo contras as pilhagens e destruição».
Na altura o arqueólogo revelava que apesar de disporem de um primeiro levantamento arqueológico que permitia conhecer o património do concelho, não dispunham de mecanismos que pudessem evitar a sua destruição. Os investigadores não vivem na Vila, donde, escrevia José Neto, «não têm conhecimento de determinadas situações que teriam de ser transmitidas às autoridades competentes» ou, acrescentava, «quando tomam conhecimento destas, é já tarde para evitar essa destruição».
Planta da área afecta à Associação. No edifício B ficaria então o edifício do futuro Núcleo Museológico.
A criação do Núcleo de Arqueologia estava mais do que justificada: «a necessidade de uma estrutura que divulgue a arqueologia junto das pessoas e à qual se possam dirigir facilmente, permitirá o aviso às autoridades competentes e permitirá, esperemos, que as pessoas, em pouco tempo, o façam por si». Todavia, o núcleo debatia-se com outro problema, não menos actual: o facto da informação publicada sobre Constância se encontrar muito dispersa. A necessidade de centralizar as informações tornava-se, pois, urgente. «Há enorme quantidade de trabalhos não publicados, mas por vezes tão ou mais importantes que os publicados», reconhecia José Luís, aludindo ainda «a estudos -a grande maioria dos trabalhos - que não chegaram a ser realizados».
oi neste contexto e atendendo a estas múltiplas realidades, que surgiu o Núcleo de Arqueologia da Casa de Camões, leia-se, «enquanto estrutura que visava permitir um rápido acesso a toda a informação, facilitando não só o trabalho do investigador, mas também o do simples interessado».
E a Associação da Casa-Memória de Camões decidiu mesmo criar um Espaço de Arqueologia. Este espaço constituiria, no fundo, uma tentativa de alterar as realidades atrás apontadas. A direcção deste espaço caberia ao Núcleo de Arqueologia.
Tal como relata José Neto, o núcleo foi criado em meados dos anos 90, contudo só foi oficializado no final daquela década. Contava à data com um presidente, mas a orgânica interna, previa-se, seria discutida após as novas entradas/incursões. Contudo, dentro da Associação, o núcleo gozava de grande independência, à luz dos estatutos, excepto na vertente financeira a qual estava centralizada na tesouraria.
O corpo visível do Núcleo de Arqueologia (figura 1), seria o Espaço de Arqueologia. Este espaço que não tinha nome definid,o seria no centro da Vila, no edifício B, com dois pisos, (figura 2) de frente para a Rua Grande, tendo por trás o jardim-Horto. No piso térreo situar-se-ia a parte pública que consistiria numa exposição de arqueologia. Prossegue o arqueólogo: «Esta seria constituída, no início, por materiais arqueológicos de colecções particulares de pessoas da zona que abraçaram este projecto. Contará também com um guia que será formado para responder às questões colocadas. Pela heterogeneidade dos materiais e por se tratar de um espaço pequeno contamos fazer mudanças anuais de exposição».
Contava-se, então, com dois tipos de público distinto:
«-Os alunos das escolas secundárias de todo o país que vêm a Constância visitar o Jardim-Horto e a Casa-Memória de Camões, cerca de 6.000 alunos – ano.
-Os habitantes do Concelho e da região que visitam Constância».
Em 26 de Maio de 2001, já o «Centro de estudos histórico-arqueológicos da Associação da Casa-Memória de Camões em Constância» realizava o «I Encontro de Arqueologia do Médio Tejo», o qual decorreu no auditório Sam Levy. A iniciativa contou com o patrocínio da Sociedade de Geografia de Lisboa, entre outros. Estive presente.
Recordamos aqui dois dos temas em debate no fórum: «A presença humana no Concelho de Constância: do paleolítico ao período tardo-romano visigótico» e «A praça Alexandre Herculano – material arqueológico, proveniente das obras de repavimentação».
Em 1999, por ocasião da realização do VII Fórum Camoniano, sob os Altos patrocínios da Secretaria de Estado do Ensino Superior e da Fundação Calouste Gulbenkian, Manuela de Azevedo, anfitriã, falava ao jornal Gazeta do Tejo do recém criado Núcleo de Arqueologia (3). Estive presente.
Dois anos após o arqueólogo José Luís Neto ter estudado os materiais arqueológicos da Casa-Memória de Camões em Constância o mesmo teve a oportunidade de observar as restantes peças desta colecção, as quais se encontravam depositadas no Jardim-Horto de Camões, sito nesta Vila.
«Enquanto que, no primeiro estudo, tínhamos maioritariamente loiças de mesa (pratos e taças),as peças que agora apresentamos são de preparação de alimentos», escrevia então (2).
No que se refere a esta parte da colecção, no caso, de cerâmica quotidiana (guardada então no Jardim-Horto), o arqueólogo considerava «tratar-se de um grupo mais pobre, mas não menos interessante», de cerâmica cujos contornos estavam por definir, «o que já não acontecia então com outro tipo de cerâmicas, como a porcelana».
As peças foram exumadas no ano de 1977, no levantamento realizado pelo arquitecto Jorge Segurado, reconhecendo-se então a não existência à data de qualquer registo estratigráfico.
«Estão muito fragmentadas, daí não as apresentarmos todas. Na sua maioria, são peças de bordos e fundos muito irregulares e por isso não pudemos calcular todos os diâmetros ou, por vezes, não conseguimos mais do que aproximações. Devido a estas duas condicionantes, não podemos retirar muita informação útil acerca das ocupações que o edifício teve», escrevia José Neto.
Os materiais em causa foram atribuídos ao século XVIII, lê-se, «com base em núcleos semelhantes como o dos materiais da rua Luís de Camões – nº5 (Constância), e com os materiais dos níveis do Terramoto de 1755, exumados em Lisboa».
Desenhos arqueológicos de autoria de José Paulo Braz Nobre.
Os desenhos arqueológicos são de autoria de José Paulo Braz Nobre.
Passamos a transcrever as legendas dos desenhos, trabalho inédito:
Peça 1 – Fragmento de bordo de alguidar. Bordo de perfil sub-triangular, extrovertido, formando uma peça aba. Paredes oblíquas. Vidrado verde, distribuído interna e externamente (neste último pela linha do bordo), muito fino e pouco homogéneo. Pasta beige, micácia, quartzítica, porosa, de grão médio. Diâmetro aproximado do bordo 720mm. (desenho 1)
Peça 2 – Fragmento de bordo de alguidar. Bordo de perfil sub-triangular, extrovertido, formando uma peça aba. Paredes oblíquas. Vidrado verde, distribuído interna e externamente (neste último pela linha do bordo), muito fino e pouco homogéneo. Pasta beige, micácia, quartzítica, porosa, de grão médio. Diâmetro aproximado do bordo 500 mm. (desenho 2)
Peça 3 – Fragmento de bordo de alguidar. Bordo de perfil sub-circular, extrovertido, foramando uma pequena aba. Paredes oblíquas. Vidrado verde, distribuído interna e externamente (neste último pela linha do bordo), muito fino e pouco homogéneo.
Pasta beige, micácia, quartzítica, porosa, de grão médio. Diâmetro do bordo indeterminado. (desenho 3)
Peça 4 – Fragmento de fundo de alguidar. Paredes oblíquas, com um pequeno rebordo externo antecedendo o fundo raso. Vidrado verde, distribuído internamente, espesso mas pouco homogéneo. Pasta laranja-avermelhada, micácia, quartzítica, porosa, de grão médio. Diâmetro do aproximado fundo 234 mm. (desenho 4)
Peça 5 – Fragmento de bordo de alguidar. Bordo de perfil sub-circular, extrovertido, formando uma pequena aba. Paredes oblíquas. Vidrado melado, distribuído interna e externamente (neste último a meio do bordo), muito fino, pouco homogéneo, com impurezas. Existência de três linhas horizontais, incisas, por baixo da aba, no início do corpo, no exterior. Pasta beige, micácia, quartzítica, porosa, de grão mais fino, com presença de desengordurantes. Diâmetro do bordo 225 mm. (desenho 5)
Peça 6 – Fragmento de fundo de taça. Paredes oblíquas. Fundo de pé reentrante. Vidrado melado, distribuído internamente, fino e pouco homogéneo. Decoração interna no funfo de uma linha incisa circular. Pasta beige, micácia, quartzítica, porosa, grão médio a fino. Diâmetro do fundo 62 mm. (desenho 6)
Peça 7 -Fragmento de fundo de pote. Pé baixo em anel. Vidrado melado, distribuído interna e externamente, espesso e homogéneo. Pasta beige, micácia, quartzítica, compacta, de grão fino. Diâmetro do fundo 65 mm. (desenho 7)
Peça 8 – Fragmento de bordo de taça. Bordo de perfil sub-rectangular. Vidrado melado, distribuído interna e externamente (neste último até à decoração), espesso e homogéneo. Decoração exterior, incisa, que consiste num ondulado seguido por duas bandas horizontais, no início do corpo. Pasta laranja-avermelhada, micácia, quartzítica, porosa, de grão médio, mal depurada. Diâmetro do bordo 165 mm. (desenho 8)
Peça 9 – Fragmento de bordo de garrafa. Bordo de perfil sub-circular, colo longo e bojo pronunciado. Decoração exterior de duas bandas incisas sobre o bojo. Vestígios de englobe. Pasta laranja-avermelhada, micácia, quartzítica, porosa de grão médio. Diâmetro do bordo 22 mm. (desenho 9)
Peça 10 – Fragmento de bordo de testo. Bordo de perfil sub-triângular, extrovertido. Pasta laranja-avermelhada, micácia, quartzítica, porosa, grão médio, com presença de desengordurantes e partículas negras (feldspatos). Diâmetro 207 mm. (desenho 10)
Peça 11 – Fragmento de fundo de almofariz em mármore branco. Corpo oblíquo, com quatro barras equidistantes e verticais. Fundo raso. Vestígios de forte percussão na base interna. Diâmetro do fundo 150 mm. (desenho 11)
Separata de «O Arqueólogo Português» (fundado por José Leite de Vasconcelos), José Luís Neto, Arqueologia em Constância – uma experiência museológica, Lisboa, 1999.
José Luz
Presidente do Conselho Fiscal da Associação da Casa-Memória de Camões em Constância
Antes de mais quero esclarecer que marcaram a última assembleia sem articular o dia com o Conselho Fiscal, para dias em que os seus membros estavam ocupados. Omitindo a este órgão de fiscalização o orçamento e o projecto estatutário de alteração do regime financeiro da associação. Quem não se sente, não é filho de boa gente!
Desde a minha juventude que colaboro com a associação. Sempre tive uma excelente relação com a sua fundadora, até à sua morte em proveta idade. Foram várias décadas de trabalho colaborativo. Na imprensa, na música, no Centro internacional de Estudos Camonianos, na investigação, na defesa pública da Casa-Memória quando a queriam embargar. Como foi difícil esse combate. E tantas outras iniciativas.
Foi pela sua mão que entrei para o Conselho Fiscal e quero honrar sempre a sua memória. Manuela de Azevedo morreu desgostosa com as pessoas que ficaram na gestão da associação. Está tudo publicado!
Nesta fase terrível para a vida da nossa associação em que nos roubaram a nossa autonomia através de deliberações municipais, a pretexto da pandemia, não nos hão-de roubar por certo a liberdade de expressão.
Mas é sobre esta «história» do poder dominante do presidente da câmara sobre a nossa associação que quero falar, em particular. Dadas as notícias que acabo de ler.
Não conheço norma alguma da lei das finanças locais que faça depender a atribuição de um subsídio municipal a uma associação privada, nomeadamente, do controlo dos seus órgãos ou da existência de qualquer influência dominante camarária. Esta nova narrativa, ainda mais mentirosa, é quase pornográfica.
Não conheço documento algum da Inspecção-Geral de Finanças que alguma vez se tenha fundamentado na lei das finanças locais para impor à Casa de Camões o controlo dos seus órgãos por parte do município.
Não conheço o texto da alteração estatutária a que se refere a imprensa regional agora, porquanto o mesmo não foi disponibilizado ao Conselho Fiscal nem submetido ao seu parecer prévio como se impõe no artigo sétimo dos estatutos em vigor, registados e publicados pelo Ministério da Justiça (de acordo com a certidão permanente em meu poder).
Nunca tinha visto uma convocatória duma assembleia geral ser assinada em nome da Câmara Municipal de Constância, sendo de destacar que a pessoa que a assinou não só não fez prova das deliberações municipais que supostamente lhe conferiram poderes para o(s) acto(s), como não fez prova da deliberação que supostamente admitiu o município (se for o caso) na associação.
Os estatutos em vigor da associação fazem depender a admissão de sócios enquanto pessoas colectivas, a saber, da existência de um regulamento interno (artigo terceiro), não existindo sequer esse regulamento. Por outro lado, em parte alguma dos estatutos se prescrevem normas transitórias. E, assim, a deliberação sobre se o município (e não a câmara, pois só aquele tem personalidade jurídica e número de contribuinte) seria associado, sempre haveria de recair na competência subsidiária da assembleia (artigo 172º, nº 1 do Código Civil). A direcção é composta pelo sócio que também desempenha as funções de presidente da assembleia municipal e por uma vereadora. E, ainda, por um anterior funcionário/avençado do município que manterá com o mesmo uma relação jurídica, nunca desmentida. Parece evidente o conflito de interesses, aparente. Ao virem perdoar ao município quotas antigas que ele nunca pagou, estão a decidir algo sobre uma pessoa colectiva a qual integram ou integraram.
Aquando da eleição e tomada de posse dos actuais corpos gerentes em 2019 tive o cuidado de na assembleia geral referir que não constava das actas que o município era sócio ou tinha sido eleito. O que lá constava era a «câmara». Coisa muito diferente. Na altura, desvalorizaram a minha observação. Em tantos anos de membro dos corpos gerentes nunca vi ser exibido ou citado nas assembleias gerais qualquer documento do município a outorgar poderes a qualquer representante seu. A existência da mesa da assembleia deste tipo de associações nem sequer consta do Código Civil e todos sabemos que essa prática é tão só «direito constituído». A assembleia deve ser convocada pela «administração» (artigo 173º, nº1 do Código Civil). É neste quadro e contexto legal que a câmara aparece nas actas: de direito constituído, ou seja, estatutário (mas não previsto no Código Civil). A câmara não tem personalidade jurídica, sendo (?) uma espécie de sócio com direitos desiguais face aos restantes (uma espécie de menor). Diferente seria o caso de o município ter sido admitido ele próprio, como sócio, o que não se provou em tribunal. Ora, o município não pagava quotas. levei esta questão a tribunal e o presidente da câmara foi a correr pagar uma carrada de quotas, de forma extemporânea. E até foi perdoado pela direcção (cuja composição já referi atrás) de outras quotizações que se perdem na memória dos associados. Mas eu não tenho memória curta. Há uns anos atrás a assembleia geral deliberou expressamente sobre a manutenção de sócios que tivessem quotas em atraso, ainda antes da vigência dos actuais estatutos. E impôs um pagamento como condição sem a qual não se poderiam manter como sócios. Pois é! O município de Constância não se apresentou nesse ano de prescrição para «regularizar» a situação.
A situação «de facto» da câmara na associação – e não «de iure» - era tolerada porque ninguém ousou levantar a questão, por respeito à fundadora Dra Manuela de Azevedo. Em 1972, ainda na vigência da Constituição política de 1933, constituiu-se uma comissão por iniciativa do então presidente da Câmara de Constância. Depois, surgiu uma comissão executiva da Casa de Camões que apareceu representada numa Comissão Instaladora de iniciativa do Governo. Com a mudança de regime, e já na vigência da actual Constituição de 1976, passou a haver liberdade de associação e as pessoas colectivas tais deixaram de ser equiparadas a «menores». Rege a nossa lei fundamental que: «As associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas». Tudo conforme os diversos tratados de direito internacional.
O argumento de que segundo a lei 50/2012 a associação só pode receber subsídios do município/associado, se ele tiver influência dominante, é polémica a que não fujo.
Admitindo em tese que o município (e não o órgão da câmara) seja associado (e não está provado que o seja, de forma inequívoca), ainda assim, deveria ser considerado o seguinte:
- O regime da Lei 50/2012 constitui uma restrição à liberdade de associação que não está expressamente prevista na Constituição da República (com interesse o artigo 18º da CRP). Em parte alguma deste regime financeiro consta quais são os direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que justificam restringir a liberdade de associação;
- Até à lei do orçamento de Estado para 2017 não era possível aos municípios subsidiar associações privadas em que tivessem «participações locais». A partir daí (não é consensual na jurisprudência que uma lei de orçamento anual possa vigorar para lá da sua vigência anual) poderiam fazê-lo sob contratos-programa. Acontece que, está por provar que o município tenha tido ou tenha «participações locais» na Casa de Camões. A lei 50/2012 foi feita para outro tipo de pessoas colectivas, ou seja, sociedades regidas pela lei comercial. Há doutrina administrativa que entende que o facto de um município ser simplesmente sócio de uma associação, basta para o caso. Mas isso não consta da lei. E, uma restrição da liberdade de associação constitucional há-de constar de diploma legal, de forma expressa. Onde está?;
- A lei 50/2012, num capítulo especial para as associações privadas, donde, excepcional, prescreve: «Os municípios, as associações de municípios, independentemente da respetiva tipologia, e as áreas metropolitanas podem participar com pessoas jurídicas privadas em associações». Leram bem? Podem participar «com pessoas jurídicas privadas em associações». Isto é: O Município (e não apenas o órgão da câmara) haveria de participar com a nossa associação - «pessoa jurídica privada» - numa nova entidade terceira, leia-se, associação. Suscitada esta questão na doutrina administrativa, tem-se argumentado mais recentemente que a lei 50/2012 em causa embora contenha esse articulado restritivo ainda sim, pretendeu abranger toda e qualquer situação em que um município seja sócio de uma associação. Essa aplicação por analogia administrativa, no caso, às associações privadas de direito civil, parece contender com os preceitos quer da Constituição quer da lei 50/2012. Porque sendo tais restrições uma excepção não terão analogia! Haveriam de constar expressamente;
-Se, efectivamente, todo este processo de alteração dos estatutos da Casa de Camões fosse transparente, nunca deveria ter sido negociado à revelia do Conselho Fiscal e da assembleia (a esta levaram já tudo consumado e sob pressão de, se não anuíssem, iria exigir de volta o dinheiro do ordenado da jardineira ).Até as actas do município com esses «estatutos» só foram publicadas após a assembleia de Junho de 2020 da associação. Tudo pensado ao pormenor. Tinham 24 horas para me entregar as actas das assembleias de Junho de 2020 de acordo com a lei processual civil e levaram mais de três meses. Tudo com o fito de impedir a produção da prova em sede da providência cautelar cível.
Bastaria que o município «saísse» de associado (Ele é associado? Na recente sentença judicial provou-se que não constava da lista de quotizados, em dia ou em atraso), para que a associação não perdesse a sua dignidade, a sua autonomia e a sua liberdade de direito natural.
Para que um município exerça influência dominante numa associação, a lei 50/2012 (artigo 19º) prescreve a «verificação de um dos seguintes requisitos» e elenca:
a) «Detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto». Ora, isto não se aplica a uma associação sem fins lucrativos mas sim a sociedades.
b) «Direito de designar ou destituir a maioria dos membros do órgão de gestão, de administração ou de fiscalização»; Repararam na conjunção alternativa «ou»?
c) « Qualquer outra forma de controlo de gestão». Reparem no inciso: «outra forma».
Nada é cumulativo, como veio a acontecer nos «novos estatuto»s impostos pela câmara em Março de 2020 mas ainda não registados (objecto de procedimento em curso no Ministério Público!).
O texto que o município negociou com a direcção da associação às escondidas quer do Conselho Fiscal seja da assembleia geral da associação (essas deliberações administrativas do município teriam de ter sido impugnadas pela direcção da associação no tribunal administrativo) está muito para lá da lei 50/2012. Porque impõe a nomeação da maioria do Conselho Fiscal por parte do presidente da câmara, e impõe o voto favorável do presidente da câmara para designar e destituir os restantes corpos gerentes. Impõe direito de veto do presidente da câmara para instrumentos de gestão, aquisição, alienação de bens, mudança de sede, etc. Mais grave ainda: a primeira proposta do presidente da câmara que se veio a descobrir em sede da recente providência cautelar cível, incluía o direito de veto do presidente da câmara sobre… alterações de estatutos. Está assim explicado ao que vem.
Ora, para o município atribuir o parco subsídio com que a associação paga à jardineira, para quê e porquê este projecto de poder totalitário? Arranjaram um bode expiatório?
Melhor fora que tivessem acautelado a protecção do espólio da Biblioteca Victor Fontes e que tivessem inventariado e tratado arquivisticamente o espólio deixado pela Dra Manuuela de Azevedo e pelo escritor humanista Sam Levy e outros beneméritos.
Nunca irei perceber por que motivo o actual presidente da câmara denunciou a Casa de Camões em Julho de 2019, à Inspecção-geral de Finanças, sem informar o Conselho Fiscal e a assembleia geral a que na prática preside de que, tendo o município atribuído a verba do subsídio a foi denunciar depois. Onde fica a boa fé?
Deixe-se dessas coisas!
A lei das autarquias locais permite perfeitamente subsidiar as associações existentes no município, sem poderes dominantes.
José Luz
(Presidente do Conselho Fiscal da Associação da Casa-Memória de Camões em Constância)
PS – onde está o visto prévio do Tribunal de Contas para as tais «participações locais»?
Actual Rua de São Julião, longe do Centro histórico
O nosso colega ''Toponímia de Lisboa destaca o judeu e benfeitor Sam Levi, que foi dos corpos sociais da Casa de Camões em Constância, a quem deixou uma colecção arqueológica que os corpos sociais dessa casa nunca estudaram nem inventariaram. Nos últimos anos a dita direcção tem sido dominada pela partidocracia local (PCP/PS)
Uma vergonha!
Doação Sam Levi ao MNA. Outra ao Museu do Caramulo.
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