O 25 de Novembro e a instauração da Liberdade e da Democracia
pelo Cor. Manuel Amaro Bernardo com a devida vénia
No tempo que me foi disponibilizado, pretendo fazer uma breve abordagem sobre o contragolpe de 25 de Novembro de 1975 e dos seus antecedentes.
Tenho muito prazer em estar aqui entre quadros e militantes deste Partido, a fim de tentar divulgar aspectos menos conhecidos do 25 de Novembro, acontecimento que foi da maior importância para a implantação da Democracia em Portugal. Também apresentarei alguns elementos sobre os acontecimentos mais relevantes que o antecederam.
- Como podem ver na nota biográfica distribuída, tive o privilégio de estar, então no posto de major, no Regimento de Comandos, na altura do 25 de Novembro e ter feito parte do Posto de Comando ali montado no próprio dia, sob a direcção do então Ten-Coronel Ramalho Eanes, para dar resposta à situação golpista dos pára-quedistas de Tancos.
Durante essa madrugada eles tinham ocupado quase todas as bases aéreas. Outras unidades militares do Exército, como o RALIS, a EPAM, o Forte de Almada e a Polícia Militar, no Regimento de Lanceiros de Lisboa, também se movimentaram em seu apoio.
- Mas, antes disso, estive igualmente colocado num outro estabelecimento militar por onde passaram alguns dos principais intervenientes da contestação ao regime de Marcello Caetano: a Academia Militar, em Gomes Freire. Estavam lá colocados o Major Otelo Saraiva de Carvalho e o Ten-Coronel Correia de Campos, esforçado combatente na Guiné e que viria comandar, no Terreiro do Paço, as tropas sublevadas na manhã de 25 de Abril de 1974. Tal foi executado em ligação com o Posto de Comando instalado no Quartel de Engenharia 1, na Pontinha, sob a coordenação de Otelo.
Lembro-me que, desde Janeiro de 1974, nesse estabelecimento de ensino militar (Academia Militar) onde tinha sido colocado, depois de regressar de Moçambique, já integrado na contestação em curso, passaram igualmente militares como Manuel Monge e Casanova Ferreira.
Como se devem recordar, em 16 de Março de 1974 tinha ocorrido uma sublevação militar, despoletada pela demissão dos Generais Costa Gomes e António de Spínola, por Marcello Caetano, dois dias antes, que acabou por se resumir à saída de uma coluna militar das Caldas da Rainha, em direcção a Lisboa. Mas, inicialmente, os responsáveis pelo seu desencadeamento (Casanova Ferreira, Otelo e Manuel Monge) reunidos em casa deste último, em Miraflores, estavam convencidos contar com outras unidades militares: Lamego, Viseu, Santarém, Mafra, e ainda o Reg. Cav.ª 7 em Lisboa, além do Reg. de Inf.ª 5 das Caldas da Raínha. Por razões de vária ordem, a sua adesão não ocorreu. Recordo que já nesta altura, o que é desconhecido de muita gente, Jaime Neves andava nestas movimentações. Tal aconteceu, por exemplo, quando juntamente com o Manuel Monge, foi à Calçada da Ajuda tentar convencer o Comandante do Reg. Cav 7, Cor Romeiras, a aderir à sublevação.
Mas quem se apresentava mais voluntarioso nesta situação era Casanova Ferreira, que desembarcara de regresso da Guiné, nos primeiros dias desse mês de Março. Os seus desabafos, numa entrevista que me deu, em 9-4-1992, para um trabalho que fiz na UCP, num Curso Complementar lá realizado e, depois, publicado em livro, eram deste tipo:
“Lá vontade de partir aquela Assembleia Nacional, tinha. (…)
“Toda a política do Ultramar e de guerra já estava na fase de “enchidos para canhão”. Portanto, o que interessava era arranjar capitães de qualquer maneira e a qualquer preço para preencher os quadros. Os nossos estavam saturados e a deserção aumentava…Veja-se o caso dos nossos queridos dirigentes actuais: os que fizeram a guerra foi na Marinha, atrás de uma secretária. O que é certo era que ninguém queria ir para lá. De forma que fugiam para a Argélia ou para outros lados.”
E sobre as suas movimentações naquela altura acrescentaria:
“No 16 de Março, fui a Santarém, mas eles inventaram desculpas com a inspecção do material. À EPI, em Mafra, pertencia ir o Otelo, mas não foi. Traduziu-se tudo num falhanço…”
“Mas interessava safar o Jaiminho daquilo (referia-se ao Jaime Neves), porque então não tínhamos nenhum dos nossos do lado de fora. Já estávamos a ver que íamos todos parar à prisão.
“E pela primeira vez, o teu amigo tem a sensação que, sem cobertura política, não há nenhum movimento militar que vingue. E é por isso que fui contra o 11 de Março de 1975. Quando me disseram dessa vez, pensei eu: Lá vai toda a gente para a prisão.(…)” (fim de citação)
Convém lembrar que Casanova Ferreira e Manuel Monge foram presos, quer no 16 de Março de 1974 (até ao 25 de Abril), por ordem do governo de Marcello Caetano, quer no 11 de Março de 1975, dada a sua ligação ao General António de Spínola, que vinha dos tempos da Guiné. No entanto, Jaime Neves, apesar de se ter envolvido nas mesmas movimentações, nunca foi detido, mantendo assim a sua capacidade de manobra para entrar no 25 de Abril e, atravessando todo o PREC (onde foi figura normalmente na ribalta), fazer o contragolpe do 25 de Novembro de 1975.
A finalizar estas referências aos antecedentes da revolução recordo que estando na Academia Militar (Gomes Freire), no 16 de Março, dei apoio a Otelo enviando dois oficiais ter com ele à rotunda de Encarnação.
Estas diligências viriam a ser descritas por Otelo no seu livro “Alvorada de Abril”, em 1977, quando já andava pela extrema-esquerda, pela mão da Isabel do Carmo, do PRP/BR. E teve o cuidado de, nesse livro, pôr o meu nome completo, e de referir que eu era do seu curso de Infantaria, para não se confundir com outros dois majores com o mesmo apelido: um de Cavalaria, de Santarém e outro, de Artilharia, o Lencastre Bernardo, há dias falado aquando das fraudes do BPN.
Curiosamente as actividades de Otelo viriam de novo a cruzar-se comigo, quando mentor e dirigente das Forças Populares 25 de Abril, organização terrorista que praticou uma grande variedade de crimes violentos, desde assaltos a bancos a vários assassinatos, de 1980 a 1985. Este período coincidiu com a minha estadia no Bat. 2 da GNR (1979/85), em funções de EM e de comando, nos distritos de Lisboa, Santarém, Setúbal e Leiria. Assim, num sábado, em 3-10-1981, quando me encontrava de serviço na unidade, acabei por ir tratar do levantamento dos corpos muito maltratados dos soldados da GNR, do posto de Mafra, que morreram na sequência da activação do único carro armadilhado deflagrado em Portugal, desde sempre. Nessa altura, a PJ garantiu-me que tinham sido encontrados cheques assinados por Otelo nos dois terroristas das FP 25 mortos pela GNR da Malveira, num assalto a um banco local, em 6 de Outubro do ano anterior. (1980)
Assim fico muito pasmado quando militares meus amigos põem em dúvida a condenação e a participação de Otelo nestes crimes, que resultaram na sua condenação no STJ em 17 anos de prisão, em 17-12-1990. No entanto, depois de uma incrível e triste batalha jurídica de mais de uma década, e por incúria de um magistrado do Ministério Público, o processo contra Otelo ficaria prescrito, em Julho de 2003.
- Sobre o 25 de Abril apenas quero referir um aspecto que tem sido omitido por bastantes autores, levando muita gente a desconhecer da importante participação do então Major Jaime Neves. Isto apesar de não estar aqui na qualidade de seu advogado de defesa ou de promotor da sua imagem.
A actuação de Jaime Neves na Avenida da Ribeira das Naus, em Lisboa, está bem documentada numa série fotográfica de Eduardo Gageiro, que já esteve exposta em algumas comemorações daquela efeméride.
Tal pode resumir-se no seguinte. Quando os carros de combate do Reg. de Cav.ª 7, vindos do lado do Cais do Sodré, comandados pelo Major Pato Anselmo, se encontravam em frente das tropas de Salgueiro Maia, Jaime Neves entregou a sua Espingarda G3 a um militar e avançou desarmado pelo meio da estrada em direcção àquele oficial.
Então interpelou-o: “Vamos conversar. Então já estamos todos do mesmo lado e só vocês ainda não aderiram… !?” E, na sequência desta atitude, Pato Anselmo acabou por dar ordem de rendição ao seu pessoal.
Depois, com os incidentes resolvidos na baixa lisboeta, pelas 11H00, Jaime Neves e Salgueiro Maia apresentaram-se, no Terreiro do Paço ao Ten-Coronel Correia de Campos que, de acordo com as instruções recebidas do Posto de Comando da Pontinha, lhes definiu as missões seguintes:
Uma coluna com as forças aderentes do RI 1, Reg. Lanç. e R.Cav. 7, sob o comando de Jaime Neves, iria deslocar-se em direcção à Penha de França (actual Cmd Geral da PSP) para conseguir a rendição da Legião Portuguesa, o que se verificou sem grandes problemas.
Quanto à actuação da outra coluna da EPC, comandada por Salgueiro Maia, tem sido bastante divulgada e até já se fez a sua reconstituição num filme de Maria de Medeiros. No entanto, a actuação do Esquadrão de Cavalaria de Estremoz, com os capitães Andrade Moura e Alberto Ferreira, que cercou as forças da GNR, que se encontravam cercando as de Salgueiro Maia e que foram decisivas para a rendição, não tem sido devidamente destacado. Foi também esta unidade a fazer o cerco à sede da PIDE/DGS e a receber a sua rendição, depois do incidente com tiros vindos do edifício, em que faleceram vários elementos da população.
Sobre este acontecimento, que tem sido bastante exaltado pela esquerda portuguesa, em comparação com o 25 de Novembro, muito mais se poderia falar, mas o tempo atribuído não me permite fazer.
- Em relação ao designado PREC - Processo Revolucionário (então) Em Curso -. precedente ao 25 de Novembro, no livro “Memórias da Revolução; Portugal, 1974-1975” lançado em 2004 e que é uma edição actualizada de um livro anterior, publicado em 1999, eu tento explicar a razão da divisão deste período em três partes:
A 1.ª, que coincide com a Presidência do General António de Spínola, decorreu do 25 de Abril até ao 28 de Setembro; a 2.ª, desde esta data até à primeira semana de Agosto de 1975; e a 3ª, até ao 25 de Novembro.
E acrescento:
“O pano de fundo foi a descolonização e a movimentação das forças militares e políticas no decurso do processo. Apesar disso, na minha opinião, a actuação do PCP, com a máquina montada do antecedente (o PS apenas passaria a afirmar-se a partir do seu Congresso, de Dezembro de 1974), foi quem determinou as várias fases indicadas. Em 28 de Setembro tornou-se visível no panorama nacional, com a aplicação da sua praxis estalinista de movimentação de massas populares, e do desencadear de prisões arbitrárias, de barricadas populares nas estradas e lançamento de uma onda de terror.
“Este tipo de actuação agravou-se com o 11 de Março de 1975, tendo havido uma aceleração do processo revolucionário, com as nacionalizações, reforma agrária e saneamentos.
“Mas, depois, a partir de finais de Julho de 1975 o PCP entrou em desequilíbrio, nomeadamente receoso pela onda de anti-comunismo desencadeada a partir do Norte do País, com base na actuação da Igreja Católica e de outros movimentos subsidiários, além das tomadas de posição idênticas de Mário Soares, que viria a ser catapultado a líder da contra-revolução.
“Assim, (e apesar de eu não estar filiado na Maçonaria), através do realçar de outros factores, acabo por acompanhar a tese de António Reis que, contrariando as de Medeiros Ferreira e do espanhol Sanchez Cervelló (onde é dada uma importância exagerada à componente militar), delimita as três fases de modo idêntico.”
- Em relação às movimentações ligadas com o 25 de Novembro de 1975, lembro a actuação do meu amigo Coronel José Pais (já falecido) e que julgo ter passado pelo CDS-PP, em Vila Nova de Foscôa. Também me concedeu uma entrevista para aquele livro. Destaco este breve depoimento:
(…) “Quando o General Soares Carneiro saiu de Caxias (onde estivera preso no seguimento do 11 de Março), assumiu o controlo e a coordenação. (CDL/Comités de Defesa da Liberdade).
“Apesar de não o conhecer de lado nenhum, reconheci, de imediato, as suas qualidades. Inteligente, competente, enfim, um tipo fora de série. E fomos continuando com as reuniões.
“Do grupo inicial, sobrava eu, o Vítor Ribeiro e o General. Mais tarde entrou o Capitão Sousa Gonçalves... Esses encontros eram feitos em minha casa, numa residência de um amigo em Oeiras e no escritório do meu advogado...
“O General veio logo com uma ideia, idêntica à utilizada pelo PCP, dos tempos da clandestinidade. Cada um de nós tinha um grupo de cinco, que se subdividia em cinco grupos de cinco, e por aí fora, mas não se conhecendo uns aos outros... Tivemos contactos com o MDLP. Atravessei a fronteira a salto, umas quatro ou cinco vezes, para falar com o Morais Jorge (MDLP)...
“Também fizemos contactos com o Grupo dos Nove. Vieram ter connosco, para saber o que se passava.
“Entretanto, tinham-se recrutado seis companhias de Comandos. A equipa do Vítor Ribeiro andou por esse País fora, pagando do bolso dele e fazendo os mais diversos contactos. Falaram individualmente com cada um dos ex-Comandos, de modo a saberem como pensavam politicamente...
“Não digo que essas companhias estivessem levantadas a 100%, mas a 80% encontravam-se com certeza. Todos tinham ligações uns com os outros, de tal modo que, através do telefone, em meia dúzia de horas, os grupos apareciam em locais previamente determinados.
“Para concretizar o nosso objectivo, fiz um trabalho de sapa, junto do então Primeiro-Ministro, Almirante Pinheiro de Azevedo, para que assinasse um Decreto-Lei, a permitir a constituição dessas seis companhias, no Regimento de Comandos. Acabaram por entrar apenas duas, ficando as restantes em reserva.
“Também constituímos a Associação de Comandos... Foi o Vítor Ribeiro e eu, que tivemos a ideia de a montar. (fim de citação)
- Sobre o 25 de Novembro, face ao que foi dito por vários intervenientes em sessões de anos anteriores e ao conteúdo de livros que têm vindo a ser publicados, como este meu que aqui tenho, publicado em co-autoria com outros dois militares, e que irei oferecer à Biblioteca do vosso Partido, apenas salientarei alguns pontos que, na minha opinião, devem ser destacados:
I – Tem havido afirmações desgarradas e utópicas sobre a guerra civil aquando do 25 de Novembro e a maneira como ela foi evitada, como dizem, pelo General Costa Gomes (referido, entre outros, por Pires Veloso e Freitas do Amaral em livros publicados). Sobre isso quero esclarecer que, de facto, este General tentou atenuar as grandes crispações existentes e o confronto que parecia ser inevitável. Daí os seus contactos telefónicos com dirigentes da Intersindical e Álvaro Cunhal, antes e depois da acção dos páras na madrugada do dia 25, assim como o envio de emissários junto dos fuzileiros (Judas, Martins Guerreiro e Rosa Coutinho) para ver se eles se mantinham calmos e dentro da cadeia hierárquica.
Estas últimas diligências resultaram. Assim os elementos do “Posto de Comando da Amadora”, onde eu me encontrava e que era liderado por Ramalho Eanes (convém sempre salientar) deixaram de recear a necessidade de nos confrontarmos com as presumíveis dez companhias de fuzileiros. Tal acabou por trazer alguma tranquilidade ao pessoal.
No entanto, o que fez com que o PCP saísse do golpe foi acção vitoriosa e rápida em Monsanto, com as duas companhias de pessoal “convocado” dos Capitães Milicianos Sousa Gonçalves e Sampaio de Faria, sob o comando directo de Jaime Neves e que voluntariamente se tinham apresentado na Amadora, para fortalecer o Regimento de Comandos.
Foi na sequência desta actuação que ocorreu o cessar das emissões clandestinas da Emissora Nacional, do Rádio Club Português e da RTP (lembro o Capitão Clemente a ser substituído pelo Danny Kay, às 21H15) e a difusão da imposição do estado de emergência na Região Militar de Lisboa, proclamada pelo Presidente da República, General Costa Gomes, em comunicado feito na Rádio e TV.
Ainda no passado dia 14 de Novembro, assisti aos comentários adiantados pelo Dr. Mário Soares, na sua Fundação, a propósito do lançamento do livro do jornalista Nuno Simas – “Portugal Classificado” resultante da colocação à disposição dos investigadores, da documentação americana de 1974-75. Afirmou ter ido para o Porto acompanhado por outros dirigentes do PS, onde chegaram cerca da meia-noite. Assim, pelas 02H00, estando ele no Quartel-General, Posto de Comando no Norte, testemunhou um telefonema de Costa Gomes para Pires Veloso, em que este ficou a saber que o PCP já se encontrava de fora no apoio às forças sublevadas. Mas ao falar nisto, estava a “embarcar” nas versões de que Costa Gomes tinha conseguido evitar a guerra civil ao convencer Álvaro Cunhal. Como referi antes, o que estava em causa é que Costa Gomes sabia, naquela altura, haver indícios no terreno de que tal tinha acontecido na sequência da actuação vitoriosa dos Comandos em Monsanto.
II - Quanto à acção dos “Comandos” da Amadora na Calçada da Ajuda, de novo sob o comando directo do Cor. Jaime Neves, com as outras restantes duas companhias de comandos operacionais (não “convocados”) dos então Capitães Manuel Apolinário e António Lourenço, não houve qualquer ataque contra o Regimento de Lanceiros da Polícia Militar. Apenas ocorreu a resposta aos tiros de metralhadora, vindos do quartel da frente, o Reg. Cav.ª 7, que mataram um furriel dos comandos na coluna de Jaime Neves, antes dela chegar à porta de armas, e um cerco àquele quartel da PM.
Para quem conhece este quartel, cercado de muros altos, pode depreender que praticamente nenhum tiro podia chegar ao pessoal no seu interior. No entanto, morreu um Aspirante miliciano Ascenso Bagagem, não pertencente à Unidade, que era de infantaria e estava na situação de ausente sem licença, depois de cumprir uma punição de dois dias de prisão, dada pelo Comandante da Serra da Carregueira. Pode depreender-se que esta morte tenha resultado de estilhaços deflagrados por uma granada de mão defensiva lançada para dentro do quartel, pelo então Capitão Ribeiro da Fonseca, aquando da resposta aos tiros referidos. Na autópsia consta que a causa da morte foi “a laceração e contusão do encéfalo, com múltiplas fracturas do crâneo”.
A maneira de actuar deste oficial, condecorado com a mais alta condecoração militar (A Torre e Espada) por feitos em combate no Ultramar, que saltou o muro com outro oficial e entrou pela Direcção da Arma de Cavalaria sobranceira ao quartel, é bem elucidativa da preocupação em evitar baixas no adversário.
III – Recordo que a Força Aérea teve um papel muito importante e significativo no contragolpe do 25 de Novembro.
A nível do planeamento o CEMFA, General Graduado Morais da Silva e
o Vice-CEMFA, General Pinho Freire, responsável operacional, conduziram os preparativos tendo em conta a instabilidade vivida nalgumas bases aéreas e nomeadamente na Base dos Páras, em Tancos. Nas reuniões efectuadas ficou assente que seria a Base de Ovar (também conhecida por Cortegaça) a ser utilizada para recolher os aviões idos das outras bases.
Deste modo, apesar dos páras sublevados terem ocupado a maioria das Bases Aéreas e prendido o General Freire em Monsanto, no comando operacional, foi possível a Lemos Ferreira, n.º 3 da hierarquia, a fazer deslocar para o Norte os aviões de transporte sedeados na Portela/Lisboa, assim como, de acordo com as orientações previamente definidas, os aviões e helis do Montijo, Ota e Monte Real, que durante o dia 25 seguiram o mesmo destino: 7 Fiats G 91; 2 T 37, 2 Allouettes III e um DC 6.
O Centro de Operações do Porto, seria montado por Lemos Ferreira e Ribeiro Cardoso, junto do QG de Pires Veloso e donde desenvolveram importante actuação, quer a nível de sobrevoo dos objectivos no terreno (Monsanto, Montijo, Tancos, etc) quer das principais capitais do Norte e Centro do País, para demonstrar às populações que a FAP continuava com liberdade de actuação.
À semelhança do que vem sucedendo com o ostracismo da Comunicação Social em relação ao 25 de Novembro – durante anos seguidos não foi publicada qualquer notícia na passagem da efeméride – também Morais da Silva termina o seu depoimento para este livro, deste modo:
“(…) Para terminar, desejo relembrar que, em 25 de Novembro, a Força Aérea não ficou no chão, como alguns órgãos de Comunicação Social, sempre têm repetido, transmitindo apenas informações recolhidas, não se sabe onde, e sem nunca ter sequer ouvido os seus responsáveis daquela época.
“Chegou-se mesmo à situação caricata de um semanário ter publicado uma entrevista com o Coronel Jaime Neves, em que à pergunta “teve medo no 25 de Novembro?...”, aquele Oficial ter respondido: “(...) para além do que, neste processo todo, tinha uma grande ajuda, a Força Aérea.”
“Ora, tendo a Força Aérea por mim, não havia que ter medo de ninguém...”. Mas o pressuroso entrevistador logo terminou o trabalho, com esta frase lapidar:
“ E foi assim que tudo acabou, com a Força Aérea no chão e o Danny Kaye no ar”. (fim de citação)
Outro aspecto importante que quero realçar é actuação de Heitor Almendra e das tropas sob o seu comando que desembarcaram em Lisboa dois antes do 25 de Novembro. Recorde-se que, nessa época, os pára-quedistas pertenciam à Força Aérea. O então CEMFA, General Morais da Silva esclarece o sucedido no mesmo depoimento:
“Em 23 de Novembro chegava, de Angola, sob o comando do Tenente-Coronel Heitor de Almendra, um batalhão de pára-quedistas.
“Após ter sido informado sobre a situação, por uma carta escrita pelo CEMFA, o Tenente-Coronel Almendra desembarcou as suas tropas, dirigindo-se à Base da OTA e, daí, seguiu para Ovar, a fim de assumir o comando da recém criada Base dos Pára-quedistas, no Norte. É de realçar a acção deste oficial, que conseguiu impedir o contacto entre os homens sob o seu comando e os delegados dos revoltosos, que tentavam aliciar as tropas desembarcadas. Se tal tivesse obtido sucesso, as consequências seriam dramáticas.
“Falhada a tentativa de aliciamento do Batalhão chegado de Angola, continuou, em Tancos, a manipulação dos Pára-quedistas, agora sob o comando do Major Mascarenhas Pessoa. (…) (Fim de citação)
IV – Quem teve igualmente uma grande importância no apoio dado ao contragolpe do 25 de Novembro foi a Região Militar Norte e o seu Comandante, então Brigadeiro graduado Pires Veloso. Esse processo já vinha desde o designado Verão Quente e na disputa existente entre os sectores militares moderados e extremistas. De facto, Jaime Neves, no Regimento de Comandos, sempre sentiu a grande disponibilidade de Pires Veloso no apoio à sua luta na área de Lisboa. Assim, quando foi necessário reforçar as forças intervenientes, avançaram quatro companhias da Região Norte (Braga, Vila Real, Lamego e Porto), além de duas da Região Centro e do Esquadrão de Cavalaria de Estremoz que, desde a primeira hora, foi mandado controlar a região de Setúbal.
Sendo assim, e face ao grande apoio também dado à Força Aérea e referida anteriormente, poderá considerar-se desastrosa a maneira como Pires Veloso reagiu ao facto de ter sido preterido na candidatura à Presidência República em 1980, tendo os maiores partidos apoiado a candidatura de Soares Carneiro.
De qualquer modo, julgo que não devia haver razão para vir tomar posições contra Ramalho Eanes, como já fez no livro de Silva Tavares “O Norte e o 25 de Novembro”, em 2001 e, pelo que agora afirmou na imprensa, (por ex: CM de 20-11-2008 com o título “Ramalho Eanes não fez nada”) volta a repetir no livro que lançou hoje em várias localidades.
Assim, eu fiz publicar um artigo num semanário, em 11-9-2001, intitulado “Pires Veloso e a Tentativa de Manipulação da História”, que foi copiado para o livro “Os Militares, as Artes e as Letras; os 25 Anos do 25 de Novembro”, editado depois do colóquio realizado pela Câmara Municipal de Oeiras, em que fiz parte da comissão organizadora.
E na efeméride dos 30 anos, em que a Associação de Comandos editou o presente livro, entre os vários documentos foi igualmente incluído este texto. Procedi desta maneira apesar dele se ter prontificado a ser minha testemunha num processo disciplinar, que me foi movido por Vasco Lourenço, quando desempenhou a funções de Comandante da Região Militar de Lisboa, em 1979.
V – Sobre o 25 de Novembro, não posso deixar de salientar o papel decisivo de Ramalho Eanes, quer no decorrer do planeamento ao longo dos meses atribulados do PREC, quer no dia 25 de Novembro e nas duas semanas seguintes, em que esteve montado o Posto de Comando da Amadora.
E dentro da minha intenção de pôr os intervenientes a falar em directo, recordo o que afirmou Ramalho Eanes num comentário proferido no referido colóquio em Oeiras, em Novembro de 2000:
(…) “A situação era preocupante.
“Os conselheiros do chamado Grupo dos Nove reúnem-se com o Presidente da República, na manhã de 25. O Presidente, que dias antes reconhecera publicamente que o controlo da situação lhe escapara (…), acaba por aprovar o plano de resposta à acção militar que lhe é apresentado.
“Com esta aprovação conseguia-se o contexto que sempre se desejou: que fosse de rigorosa legitimidade e respeito pela cadeia de comando. Porquê? Porque nunca se quis conquistar o poder, apenas se quis que o poder pudesse fazer com que a sociedade civil seguisse o seu caminho, com liberdade, para a democracia constitucional pluralista.
“Às 16H30 é declarado o estado de emergência. A essa hora, já na Amadora, no Regimento de Comandos, instala-se o Posto de Comando. Com manifesta inferioridade militar em Lisboa, e com a RTP e a EN nas mãos do adversário, o factor tempo era crucial. A noite, que se aproximava, e a impossibilidade de usar meios aéreos potenciavam a nossa vulnerabilidade.
“Tentando aproveitar os factores tempo e surpresa, atacou-se o GDACI, em Monsanto, como já foi referido. O GDACI caiu sem sangue. Foi grande a eficácia dos comandos mas foi também notória a falta de determinação e de comando do adversário.
“Renascia a esperança de que seria evitável a guerra civil, pelo menos em grande escala. (…)” (fim de citação)
- Ainda sobre o 25 de Novembro desejo fazer mais três breves apontamentos.
I O primeiro sobre o facto de Jaime Neves ter ficado indisposto com Pires Veloso por, no livro de Silva Tavares, em 2001, ter denegrido a actuação de Ramalho Eanes e, como se pode verificar na revista Mama Sume, (Associação de Comandos) de Novembro de 2000, ter ficado magoado por o General Soares Carneiro, na altura CEMGFA, ter permitido a extinção do Regimento de Comandos. (Julgo que não mais voltou a falar com eles).
Também ficou irritado com o General Martins Barrento, na altura CEME, por ter vindo a tomar uma posição pública na revista Focus, contra a reactivação de uma unidade dos Comandos, em Setembro de 2000. Alguns anos depois, já com outro CEME, o General José Manuel Viegas, seria recuperada a instrução desta especialidade no Regimento de Infantaria N.º 1, na Serra da Carregueira, com a formação da 1.ª Companhia de Comandos do século XXI. No início deste ano de 2008, com o General “Cmd” Silva Ramalho, nas funções de CEME, seria instituído o designado Centro de Tropas Comando, na Serra da Carregueira, depois de uma passagem por Mafra, sendo o Regimento de Infantaria 1 transferido para Tavira.
II A segunda referência diz respeito à maneira como o Professor Freitas do Amaral aborda no 1.º volume das suas memórias, este acontecimento do 25 de Novembro. Num artigo que publiquei em sites da Internet, onde o semanário “Diabo” o foi buscar e que publicou na sua edição de 4 de Novembro passado, eu analiso a sua actuação. Acerta altura saliento o que ele afirma: “não se ter apercebido da verdadeira extensão e profundidade do golpe revolucionário e do grande perigo que representou para Portugal.” (fim de citação).
E lá embarcou para Roma nessa manhã, muito descansado da vida…
III Finalmente a situação que eu considero mais grave, até porque foi promovida pelo então CEME, General Valença Pinto. Redigi então um artigo que fiz publicar no “Diabo” de 6-12-2005.
Nele, resumidamente afirmava que no 30.º aniversário do 25 de Novembro de 2005, Valença Pinto, agora CEMGFA, resolveu levar a efeito uma comemoração da efeméride precisamente no Regimento de Lanceiros de Lisboa, unidade de grandes tradições, mas também sucessora do revolucionário Regimento de Polícia Militar de triste memória.
Para ela estranhamente não foi convidado nenhum dos generais que desempenharam o cargo de CEME ao longo dos últimos 30 anos, com excepção do General Ramalho Eanes.
O que sucedeu nesta cerimónia?
Foi feita uma evocação (tiveram o cuidado de não lhe chamar homenagem), em que o nome do Aspirante Mil.º Ascenso Bagagem (na situação de ausente sem licença, não pertencente ao Regimento de Polícia Militar, como já referido, e recentemente considerado na Imprensa como militante da UDP), aparece misturado (no meio) com os dois elementos dos “Comandos”, que morreram a cumprir o seu dever e obrigação militar, na sequência de ordens legítimas da Presidência da República. E a placa com os seus nomes lá está espetada na parede, na via pública, ao lado da porta de armas do Regimento de Lanceiros de Lisboa.
- A terminar esta exposição faria apenas dois apelos aos dirigentes do CDS-PP.
Em primeiro lugar sugeria que, na Assembleia da República, façam uma proposta de louvor ou condecoração dos militares que vieram da vida civil e se ofereceram para constituir as Companhias de Comandos 121 e 122, comandadas pelos Capitães Sousa Gonçalves e Sampaio de Faria. Sem eles muito dificilmente se poderia enfrentar a situação revolucionária e de sublevação dos páras criada no 25 de Novembro. Depois de todas as diligências feitas por mim, ao longo dos anos e constantes dos últimos três livros publicados, assim como das desenvolvidas pelos últimos Presidentes da Associação de Comandos, Comandante Vítor Ribeiro e Dr. Lobo do Amaral, chegou a altura de desistir. Isto porque ao fim de mais de um ano em que deixei um exemplar deste livro na Presidência da República, com um apelo idêntico ao Presidente, tive há dias a informação do seu Chefe da Casa Militar, que ele, General Reis o estava a ler e ainda lhe faltava 150 páginas. Até se percebe que tenha outros assuntos mais importantes para analisar…, mas para mim, um ano é demais.
O segundo apelo que vos deixo é que, face ao desconhecimento dos portugueses e nomeadamente dos mais jovens, continuem a esforçar-se para manter viva esta efeméride, que foi tão importante para a implantação da Liberdade e da Democracia em Portugal.
Muito Obrigado
Cor. Manuel Amaro Bernardo
Amadora, 25-11-2008
nota da redacção; Conheci o Lencastre Bernardo na Lontra, foi no dia em que sairam da sede do PRD. Lamentavelmente o Victor Alves estampou-se na pista. Esse já o conhecia....