Segunda-feira, 08.11.10

Continuamos a publicarpelo seu relevante interesse jurídico, político, moral, empresarial e local esta sentença do Venerando Supremo Tribunal Administrativo publicada no Diário  da República de 18 de Novembro de 2003.

 

APÊNDICE

SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

Decisões proferidas pela 1.a Secção(Contencioso Administrativo)Decisões em subsecçãodurante o 1.o trimestre de 2002

VOLUME II

 

Se, no momento da reclamação a acção já estava proposta e estava  pendente, o interesse protegido pela norma fica satisfeito se, de tal,for enviada certidão, no prazo de 15 dias ao serviço liquidatário.É este, em nosso entender, o sentido que decorre da tarefa de interpretação declarativa, com vista a captar o sentido decisivo do texto legal, ou seja a vontade do legislador entendido, não tanto como entidade histórica, mas como o emitente abstracto, convencional da legislação - um legislador razoável, quer na recolha da substância legal, quer na sua formação técnica (2).De acordo com o elemento sistemático e teleológico das normas em exame, não vemos que outro sentido possa ser legitimamente extraído do texto legal:Na verdade, se, na ocasião da reclamação contestada, a acção já pendia no tribunal da comarca, seria absurdo obrigar-se o credora desistir de tal acção para propor outra, depois no intervalo do prazo p. no art. 202o/3..Este normativo terá, assim, que ser interpretado no sentido da cominação de prazo peremptório, atentos os interesses de celeridade de clarificação do processo de liquidação, para a propositura de necessária acção . . .se esta ainda não estiver proposta.Sobre este ponto, em que, repete-se, a razão está claramente do lado da ora recorrente, não iremos tecer mais considerações, desnecessárias,no contexto do que se irá referir infra.Também não assiste razão ao EMMP quando invoca a violação do litisconsórcio necessário na acção que, no seu entender deveria ter sido dirigida, também contra a entidade bancária caucionante da empreiteira, uma vez que reclamação foi feita, na perspectiva de pagamento pela retenção de créditos remanescentes da empreiteira sobre o dono da obra, que não por força da caução, prestada por fiança bancária, única situação em que seria de equacionar a intervenção(e respectivo tipo) da entidade bancária.Mas com isto, não fica a “questão arrumada”, no sentido do que.,aliás pretende a recorrente recorrida tem outros fundamentos que,no nosso entender, merecerão apreciação atenta.É que, a improcedência do pedido foi, ainda determinada pela consideração da seguinte matéria de facto:

 

- A ora A. reclamou, no inquérito administrativo, o pagamento de um seu crédito, no valor de 13.628.741$00, valor que, posteriormente,veio também reclamar no processo de recuperação de empresas413-B/95, sendo-lhe, aí, reconhecido o seu crédito (pontos 6o e 7o da matéria de facto).- Na acção 7/95 intentada em 5-1-95, a ora A. pediu o pagamento de um outro seu crédito, este no montante de 7.650.071$00, pedido que veio a proceder, pela sentença de 18-10-97. (pontos 4o e 5o da matéria de facto).- A certidão comprovativa da propositura de acção remetida ao serviço liquidatário, alegadamente, para os efeitos do art. 202o/3, in fine respeitava à acção 7/95, ou seja, a um outro crédito da A. sobre à empreiteira, que não referente ao crédito reclamado no inquérito e que, posteriormente veio a ser reclamado em outro processo.Neste quadro fáctico, conclusão retirada na sentença de que nenhum dos processo judiciais referidos tem, pertinência com o regime do inquérito administrativo, no contrato de empreitada e sobretudo, não foi posta em crise, neste recurso.- O crédito cujo reconhecimento foi pedido na acção 7/95, não foi o que foi reclamado no inquérito administrativo.Em relação ao crédito reclamado no inquérito, depois reclamado no processo 413-B/95 e aí reconhecido, a A. não satisfez o ónus a que se refere o art. 202o/3.

 

Desta forma, a sentença, na parte em que se refere “Pela mesma razão não releva o reconhecimento da dívida que depois veio a ser feito no processo de falência.Mas aqui o prazo concedido pelo réu (e que resulta da lei) já há muito havia expirado.Isto é: a autora foi notificada para os efeitos do n. o3 do art. 202o do DL 235/86 de 18-8, que tinha havido contestação à reclamação,pelo que deveria intentar acção respectiva no prazo de 30 dias, devendo fazer prova da instauração dessa acção nos 15 dias seguintes à propositura.A verdade é que a autora não cumpriu esta norma.Não pode pois, parece-me, imputar responsabilidade ao réu e vir,agora, reclamar deste pagamento que foi feito, independentemente das datas em que o foram, porque há muito decorreu o prazo estabelecido no n. o3 do art. 202o, já citado ”.

 

Ora este segmento da sentença não foi impugnado nas alegações respectivas conclusões do recurso, sendo que tal fundamento, ou argumento, por si só, justifica a conclusão:Se a ora recorrente, reclama, no inquérito, a quantia de13.167.795$00, é evidente que com a propositura de acção em que pede o pagamento de outro seu crédito, este restrito a 7.650.071$00,não satisfaz o ónus de propositura da acção relativo à quantia reclamada no inquérito administrativo.Se, em relação à quantia reclamada a mesma vem mui posteriormente a ser reclamada no processo de recuperação de empresas e falência, não foi cumprido o prazo imposto pelo art. 202o/3.Como própria recorrente afirma, na conclusão G) da sua minuta,“para assegurar a certeza quanto à existência do crédito, o legislador exige que o reclamante interponha uma acção judicial. Mas não se trata de uma acção qualquer. Tem de ser uma acção que tenha por objecto os créditos reclamados.Isso mesmo, na parte não impugnada da sentença, também acaba por ser dito.Com a ressalva do entendimento, como referido supra de a acção a que se reporta a norma citada poder, relevantemente ser proposta antes do início do prazo aí cominado, a conclusão contida na sentença acaba por ser correcta, porque apoiada em fundamento que, por si só, a justifica, fundamento que, como referimos não foi impugnado,pelo que a decisão será de confirmar, se bem que com mais restrita fundamentação.Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.Custas pela A. com procuradoria de metade da taxa de justiça.Lisboa, 7 de Fevereiro de 2002. —João Cordeiro — Santos Botelho— Rui Botelho.

 

 

O leitor tirará as suas conclusões. Nós já tirámos as nossas. Curiosamente como noutras aventuras do célebre Júlio houve quem ficasse a ''arder'' com esta sentença. Designadamente a recorrente que é uma empresa com crédito na praça de Abrantes.

 

Aquilo que nós não entendemos é porque é que o STA não respeita a intimidade das pessoas colectivas (ou singulares, porque basta procurar pelas publicações que estão on-line, em especial no Diário da República)  para encontrar referências pessoais, às vezes gravosas sobre determinados intervenientes nos processos.

 

Nós podíamos retirar o nome dos intervenientes. Mas estando de alguma forma algum deles relacionado com a petição e tendo em conta que somos alérgicos à censura e que a sentença se encontra revestida pelo manto da autoridade que emana do STA, deixamos pois intacta a palavra dos Senhores Conselheiros.

 

De qualquer forma aqui fica resgatada uma página (negra) da história atribulada do Centro Coordenador de Transportes, onde nos dizem que por acção e omissão o famoso Júlio esteve presente.

 

Publicada por Miguel Abrantes




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Acórdão de 7 de Fevereiro de 2002.Assunto:Reforma de acórdão. Nulidade de acórdão.Doutrina que dimana da decisão

:1 — O meio processual previsto no art. 669o/1 do CPC nãopode ser usado para impugnar a decisão judicial, para provocar o seu reexame, só podendo quando for, de todo,evidente que o tribunal, manifestamente, não considerou um elemento essencial ao julgamento correcto, capaz,por si só, de impor alteração total do sentido da decisão.

2 — O conhecimento pelo tribunal “ad quem” de questão colocada nas conclusões das alegação de um recurso, nunca pode representar a prática de uma nulidade de acórdão por excesso de pronúncia, mesmo que tal questão não houvesse sido tratada no corpo das alegações.

3 — A atendibilidade dos factos supervenientes não só não constitui qualquer nulidade de decisão, como e até representao cumprimento de obrigação legal imposta pelo . 663o do CPC.Recurso n.o 47.780.

 

Recorrente: Gracinda de Jesus Silva e Filhos,Lda.

Recorrido: Município de Abrantes.

Relator: o Exmo Cons. Dr. João Cordeiro.Acordam, em conferência, na 1.a Secção do Supremo Tribunal Administrativo:No TACC, GRACINDA DE JESUS & FILHOS, Lda. intentou a presente acção de condenação contra o Município de Abrantes,alegando que o réu adjudicou à firma Apolinário Marçal Lda. a execução da empreitada do Centro de Coordenação de Transportes de Abrantes.Para realização das obras a autora forneceu a esta empresa material eléctrico e prestou-lhe serviços de electricista. e em consequência ficou com um crédito sobre a Apolinário Marçal Lda. de13.167.795$00.Esta quantia foi reconhecida judicialmente no processo que correu pelo Tribunal de Abrantes com o n.o 7/95, mas nunca foi paga.No decurso do inquérito administrativo levado a cabo no âmbito da empreitada acima referida a autora reclamou o pagamento daquela quantia à Câmara Municipal.Não obstante, a câmara procedeu ao pagamento das quantias devidas à Apolinário Marçal Lda. sem ter procedido a desconto nos montantes correspondentes às reclamações havidas.Termina pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantiareferida - 13.167.795$00 - acrescida dos juros vencidos - 9.758.462$00- e vincendos até pagamento.O Município de Abrantes contesta, excepcionando a prescrição do pedido e impugnando os invocados fundamentos, terminando por pedir a sua absolvição.O processo correu os seus regulares e ulteriores termos, vindo,no saneador-sentença de 9-2-01 ( fls. 106-113) a ser julgada improcedente a acção, sendo o município réu absolvido do pedido.Apelou a autora, formulando, no termo das respectivas alegações,as seguintes conclusões:

 

A) Na opinião da recorrente, a decisão proferida pelo Tribunal”a quo “padece de erro na apreciação da prova, está insuficientemente fundamentada e faz uma errada aplicação do direito.A ERRADA APLICAÇÃO DO DIREITO.

 

B) O tribunal “a quo” entendeu que no caso dos autos a agora recorrente não poderia responsabilizar o Município do Abrantes pelopagamento da dívida da empreiteira, uma vez que a acção que a A. intentara contra a Apolinário Marçal Lda, a saber a que sob o n.o7/95 correra termos no Tribunal de Abrantes, tinha sido interposta antes de iniciado o prazo de trinta dias mencionado no art.o202/3do D.L 235/86.

 

C) Esta interpretação que o tribunal faz da oportunidade do interposição da acção prevista no art. 202/3, revela uma errada aplicaçãodo direito.

 

D) Para a interpretação do mecanismo do art.o202/3 há que terem conta não só a oportunidade/tempo de interposição, mas também ao serviço liquidatário do contrato de empreitada.

 

E) De entre esses poderes, cabe dar especial relevo aos que lhe são atribuídos no âmbito do art.o207/1, pelo qual a entidade liquidatária pode do montante a pagar ao empreiteiro retirar as quantias reclamadas

 

F) Ora faz sentido que o exercício desse poder esteja por um lado,condicionado a uma quase certeza quanto à existência do créditoreclamado e por outro lado, limitado quanto ao momento em que pode ser exercido.

 

G) Para assegurar a “certeza” quanto à existência do crédito o legislador exige que o reclamante interponha uma acção judicial. Masnão se trata de uma acção qualquer. Tem de ser uma acção que tenha por objecto os créditos reclamados.

 

H) Para que as situações não se protelem indefinidamente, o legisladorestabeleceu um prazo de caducidade, o fim do prazo da trintadias previsto no art.o202/3, e partir do qual o reclamante não podeassegurar/acautelar a via administrativa a satisfação do seu crédito.

 

I) No caso em apreço a acção com o objecto referido foi interposta em 5 de Janeiro de 1995, já depois de aberto o inquérito administrativo,mas antes de esgotado o prazo de trinta dias referido.

 

J) Pelo que tem de se concluir que a recorrente cumpriu no decurso do inquérito administrativo, escrupulosa e tempestivamente todas asdiligências de que estava incumbida legalmente.

 

K) Mais e, relativamente ao tempo de interposição da acção que a decisão do Tribunal “a quo” censura, sempre se dirá atendendo à já invocada excepção dilatória da litispendência e também às já referidas desistência da instância e do pedido que a recorrente não podia ter procedido de modo diferente.ERRO na APRECIAÇÃO DA PROVA

 

L) Também quando foi notificada em 28 de Março de 1995, para os efeitos do art.o 202/3, a recorrente entregou a 18 de Abril de1995, portanto tempestivamente, no serviço liquidatário da empreitada controvertida, certidão comprovativa da acção que desde 5 de Janeirode 1995 corria termos sob o n.o7/95 no Tribunal de Abrantes.

 

M) Diligência que a decisão “a quo” não relevou, mas que deve ser levada em conta não só porque está peticionada, confessada e confirmada por documento autêntica, mas também porque a sua efectivação é requisito essencial previsto no art.o202/3 para que a recorrente pudesse prevalecer-se do mecanismo previsto no art.o207/1do D.L 235/86.FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

 

N) A fórmula vaga e interrogativa utilizada pelo Tribunal parafundamentar a sua opção interpretativa pelo tempo de interposiçãoda acção previsto no art.o 202/3 equivale a falta de fundamentação.

 

O) De facto, dizer que a acção interposta pelo recorrente em Janeiro de 1995 e a acção prevista no art.o202/3 são coisas diferentes emsubstância, é o mesmo que dizer nada.

 

P) Também utilizar a expressão interrogativa “. . . não terá também que ser intentada contra os dois?”; não esclarece quanto às razõesque levaram o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, a concluir que a acção que correu sob o n.o7/95 não era idónea.O Município recorrido pugnou pela confirmação do julgado.Neste STA, o EMMP emitiu parecer no sentido da confirmação do julgado, mas com outra fundamentação, defendendo que a recorrente deveria ter demandado, também o banco responsável pela prestação das garantias bancárias.A recorrente, notificada quanto a este parecer, veio reiterar as conclusões da sua minuta.O processo correu os vistos legais, cumprindo-nos, agora, a decisão.Com interesse para a decisão, a 1a instância fixou a seguinte matéria de facto:

 

1o - em 1992/09/18 foi celebrada escritura pública nos termos da qual a Câmara Municipal de Abrantes adjudicou à firma Apolinário Marçal Lda. a empreitada da construção do Centro de Coordenação de Transportes da Abrantes;

 

2o - em 1994/12/23 nos serviços da ré foi elaborado o edital 57/94,cujo conteúdo é o seguinte: “. . .faz saber, nos termos dos art. 201oe seguintes do Decreto-Lei n.o 235/86, de 18/8, que se procede, pela Secretaria desta Câmara Municipal a inquérito administrativo relativoà empreitada da obra do centro de coordenação de transportes deAbrantes. . . de que foi empreiteiro Apolinário Marçal, S.A.. . . pelo que durante os vinte dias que decorrem desde a data da afixação destes éditos e mais 10 poderão os interessados apresentar na Secretariadesta Câmara Municipal. . . quaisquer reclamações por falta de pagamento de ordenados, salários e materiais, ou indemnizaçõesa que se julguem com direito, e bem assim do preço de quaisquer trabalhos que o empreiteiro haja mandado executar por terceiros. . .”;

 

3o - em 1994/12/27 foi afixado o edital 57/94 no lugar do costume na Câmara Municipal;

 

4o - em 1995/01/05 deu entrada no Tribunal de Abrantes acção de condenação, que correu termos com o n.o 7/95, intentada pela aqui autora contra a firma Apolinário Marçal, Lda., em que se pedia a condenação desta no pagamento da quantia de 7.650.071$00, resultantedo fornecimento de material eléctrico e prestação de serviços de electricista nos anos de 1993 e 1994;

 

5o - por sentença proferida em 1997/10/18 Apolinário Marçal foi condenada a pagar à aqui autora a quantia de 7.650.071$00, acrescida de juros de mora a contar da citação e até integral pagamento;

 

6o - no Tribunal de Abrantes correu termos um processo de recuperaçãode empresa da Apolinário Marçal, L.da, com o n.o 413-B/95;

 

7o - neste processo foi declarada a falência da empresa e foi reconhecido o seguinte crédito: “G. J. Silva & Filhos, L.da . . . a quantia de 13.628.747$00, referente a conta corrente e letras”;

 

8o - em 1995/01/18 deu entrada na Câmara Municipal de Abrantes um requerimento da autora, cujo conteúdo é o seguinte: ”Gracinda de Jesus Silva & Filhos, Lda., . . . com vista ao inquérito administrativo relativo à empreitada da obra do Centro de Coordenação de Transportesde Abrantes . . . reclama por falta de pagamento de trabalhos por si executados naquela obra para o empreiteiro referido a importânciade 7.805.296$00 . . . acresce . . . a quantia de 5.362.500$00 respeitantes a letras aceites . . . fixando-se o crédito da reclamanteno montante de 13.167.795$00”;

 

9o - por carta de 1995/02/22 o Presidente da Câmara Municipal de Abrantes comunicou à empresa Apolinário Marçal, Lda., que no âmbito do inquérito administrativo respeitante à empreitada da obra de construção do centro de coordenação de transportes haviam sido apresentadas duas reclamações, sendo uma da empresa Gracinda de Jesus Silva & Filhos, Lda., por falta de pagamento de trabalhos e letras aceites;-

 

10o - em 1995/03/13 deu entrada na Câmara Municipal de Abrantes a contestação de Apolinário Marçal L.da à reclamação deduzida pela autora;

 

11o - com data de 1995/03/28 o Presidente da Câmara Municipal de Abrantes comunicou à autora que na sequência do inquérito administrativo respeitante à empreitada de construção do Centro de Coordenação de Transportes foi comunicada à empresa Apolinário Marçal a reclamação por aquela deduzida contra esta, dizendo-se,ainda, que a quantia reclamada só seria retida caso, no prazo de30 dias, fosse proposta acção para exigir aquela quantia, remetendo-se a respectiva certidão nos 15 dias seguintes;

 

12o - a Câmara Municipal de Abrantes emitiu ordens de pagamentos à Apolinário Marçal, L.da, nas seguintes datas e montantes, tendo procedido ao efectivo pagamento das mesmas:1995/01/25 -1.779.304$001995/02/20 - 3.000.000$001995/03/29 - 830.162$001995/05/23 - 2.987.469$001995/07/25 - 221.642$001995/08/21 - 19.637$001995/10/17 -16.702$00. Esta matéria de facto não é impugnada, apenas o EMMP sugerindo,pertinentemente lhe seja aditado que, na sequência da notificação que lhe foi feita, a ora autora juntou aos autos certidão da propositurada acção referida no ponto 4o.Com este aditamento fixa-se a matéria de facto pertinente à decisão.Entrando, desde já, na análise dos fundamentos do recurso começaremos por apreciar da alegada nulidade de sentença, p. na al. b)do n.o1 do art. 668o do CPC, e a que se reportam as conclusões N) a P):Densifica esta conclusão, a recorrente, ao criticar a forma vaga e interrogativa usada pelo tribunal para fundamentar a sua opção interpretativa da lei, ao mencionar afirmações sem suporte lógico e racional, designadamente ao concluir pela inidoneidade da acção que correu sob o n. 7/95.Sem embargo do mais que se referirá na análise do fundo do recurso,diremos que não assiste razão à recorrente:Conforme tem sido o entendimento pacífico da jurisprudência de todos os tribunais superiores, a nulidade de sentença p. na al. b) do n.o1 do art. 668o do CPC, por um lado, só é operante quando seja total a omissão dos fundamentos de facto e de direito em que a decisão assentar; por outro lado, pacífico, também é o entendimento de que só a absoluta falta de motivação e não a fundamentação errada,deficiente, ou incompleta produzem a referida nulidade, sendo certo que a mencionada norma apenas abrange a falta de motivação da decisão e não a falta de justificação dos respectivos fundamentos.Ora, é a nível de deficiência da justificação de fundamentos quea nulidade da sentença é invocada, pelo que teremos de concluir pela improcedência da arguição da mencionada nulidade.No mais e já no que toca à decisão sobre o fundo da causa, vemos que a senhora Juíza, no TACC, descrevendo o regime normativo dos arts. 200o e ss. do DL 235/86 de 18-8, diploma legal a que se reportarão as disposições legais a citar sem outra especial menção de origem, aplicável à situação dos autos, concluiu que a A., no âmbito do inquérito administrativo, reclamou um crédito contra a sociedade empreiteira que, por esta foi impugnado, pelo que e na respectiva sequência, em cumprimento do art. 200/3 foi a ora A. notificada para,no prazo ali previsto, propor acção contra a empreiteira e da propositurada acção fazer a respectiva prova.Nesta sequência, a ora A., dentro do prazo p. no mencionado normativo,demonstrou ter proposto, em 5-1-95, uma acção contra aempreiteira, para dela haver pagamento de seus créditos.A acção foi, no entanto, julgada improcedente na consideraçãode que ” decorre do art. 202o que a acção a intentar, no âmbitodo processo de reclamação respeita intrinsecamente a este processode reclamação e, portanto, a outra acção que, na altura da notificaçãopara os termos do n.o3 do art. 202o, já estava instaurada, nãoreleva . . ..”Este ponto, esta interpretação da lei foi vivamente contrariada pelarecorrente e, digamos de passagem, com razão, no plano da interpretaçãoda norma.E sobre tal questão, há-de reger o preceituado no art. 9o do CCivil,pelo que, na interpretação de tal norma, não pode, agora, este tribunal,cingir-se à letra da lei, mas, a partir do texto, reconstituir o pensamento do legislador.Nos termos do n.o 2 de tal normativo, não poderá, porém, serconsiderado pelo intérprete, o pensamento normativo que não tenha no texto um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.Como ensinava B. Machado (1), o texto ou letra da lei é o ponto de partida da interpretação e como tal, cabe-lhe, desde logo, uma função negativa, a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquerapoio, ou pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei.Desta forma, a letra do preceito legal em exame, que o espíritodo legislador foi determinado por uma preocupação de celeridade,inerente ao termo do contrato de empreitada, mas e também, o deacautelar, devidamente, os legítimos interesses de todos aqueles que,por força ou em ligação estreita ao contrato, tenham obtido créditossobre o empreiteiro.Passando em claro outros meios legalmente previstos para defesa de tais legítimos interesses de terceiros e apreciando apenas o institutodo inquérito administrativo, vemos que, após a recepção provisória da obra, é aberto um processo de reclamações por créditos não pagos pelo empreiteiro, por falta de pagamento de salários e materiais, ou de indemnizações devidas.As reclamações aceites pelo empreiteiro são logo aceites; em relação que forem contestadas, o reclamante, no termos da norma do n.o3do art. 202o que temos vindo a interpretar, é notificado, para, no prazo de 30 dias propor acção, em tribunal, para reconhecimento do seu invocado crédito.Ora, no espírito de celeridade sobre que o instituto do inquérito administrativo no contrato de empreitada assenta, o intuito do legislador,foi o de, na situação referida, não deixar ao arbítrio do credor o momento da propositura da acção.E tal objectivo legal é plenamente conseguido se for fixado um prazo peremptório e, apenas, final, para a propositura da necessária acção, face à contestação do empreiteiro. (continua)

 

posto por a. abrantes



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posto por a.abrantes



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Encontro uma advogada local bastante boa nos seus tempos de esplendor e comenta-me: há uma conspiração comunista. Estão infiltrados em todo o lado.

Como assim?

Na vossa petição e na justiça!

Na petição?

Vi lá poucos, mas há alguns. Agora na justiça?

Sim, especialmente no MP. Nos juízes não, o Laborinho não deixava entrar nenhum. Como é da Nazaré e aí os comunas não são tolerados. Não te lembras do que fizeram ao pobre presidente há muitos anos?

-O gajo era senão, corrupto, tonto.

-Só fez meras irregularidades administrativas que são necessárias para administrar uma edilidade. Se se seguem todas as regras os presidentes estão feitos ao bife. E o MP, que era comuna, acusou-o de um crime. E aliás nessa época o chefe do sindicato do MP  era um bolchevista que está no Tribunal de Contas.

-Tenho lido as posições do tal Procurador e é um moderado.

-Foi o gajo que nos tramou no caso das fotocópias.

(Apontei mentalmente para ir ao site do T.Contas ver o que era isso do caso das fotocópias). E pensei com os meus botões que os anos começavam a fazer estragos na digna jurista, ao mesmo tempo que tornavam a barriga do marido proeminente. Devia ser a linha da prosperidade.

-Mas o governo tem o Procurador-Geral na mão.

-Mas ele diz que é a Rainha de Inglaterra e não tem mão nos subordinados. Desatam a fazer escutas por tudo e por nada.

( Meu Deus, esqueci-me que era ateu por um momento e benzi-me mentalmente não fossem as minhas conversas com certa brasileira estarem nos registos dalgum tribunal).

-Já ouviste falar das escutas ao Júlio??? Foste tu que o defendeste??? E já agora também defendeste o empregado do Barão?

-Sempre defendi as vítimas do comunismo.

-Tens de me contar isso.

-Aqui não, que as paredes têm ouvidos.

Combinámos ir tomar um copo para me contar a história.

Uma noite destas vão dar pela minha falta no Trombinhas.....

 

Miguel Abrantes



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Sábado, 06.11.10

Diz-nos o nosso amigo Sr. Lalanda sobre o nosso post sobre o imortal

 

Júlio ......Iglesias

 

Mas que coincidência !
Há um contrato de concessão que foi assinado
em Agôsto de 2007, entrou em vigor em Janeiro de 2008, foi precedido (terá sido ?) de
concurso público, começou a ser implementado em 2006 (antes de ser assinado) também subscrito por um Júlio !
Será o mesmo ?
E as obras previstas deviam estar concluidas em 31 de Dezembro de 2009 e nesta altura ainda não estão !
O serviço público atribuido aos jornais (todos)
está condicionado pela... falta de espaço...

 

 

Caro Sr.Lalanda tem toda a razão. Os jornais estão todos ocupados a contar as aventuras do Chico Cigano e do resto do clan. A Nova Aliança que é o último jornal dirigido por uma pessoa da boa sociedade já nem sequer tem coluna social. É inadmíssível.

 

Naturalmente depois não se podem queixar de irem à falência.....

 

Quanto à misteriosa identidade do cher Júlio, perdão do caro Júlio a coisa é fácil de resolver. Basta ir ao Tribunal de Abrantes e pedir para consultar o processo identificado no nosso post e inclusivamente há o pormenor picante de poderem ouvir as gravações das conversas do Júlio com os amigos.

Se eu fosse director de um jornal local transcrevia-as e fazia uma edição especial de 5.000 exemplares a 5 euros.

 

25.000 euros para prendas de natal

 

já dava para eu comprar um vison à minha brasileira preferida.....

Miguel Abrantes

 

in blog animalista : o desenho do visón

 

 



publicado por porabrantes às 20:18 | link do post | comentar

Sexta-feira, 05.11.10

Cumpre apreciar e decidir.
Em conformidade com o que dispõe o n.º 1 do art.º 286º do CPP, a instrução tem como finalidade a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter, ou não, a causa a julgamento.
Para tal, é necessário apreciar, de modo crítico, a prova já produzida na anterior fase processual e a resultante dos actos instrutórios levados a cabo (quando realizados), de molde a aferir-se da suficiência, ou não, de indícios conducentes à pretensão do requerente de abertura de instrução – art.º 308º, 1 CPP.
Em sede instrutória importa apreciar os indícios suficientes de que possa resultar a possibilidade razoável de vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança – art.º 283º, 2 CPP. Importa, para tanto, apreciar a prova recolhida, vista num carácter global, ao nível dos indícios.
Indícios suficientes vêm sendo entendidos, de forma mais ou menos pacífica na jurisprudência, como aqueles elementos de facto trazidos ao processo, que, livremente, analisados e apreciados, criam a convicção no sentido de, a manterem-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelo crime que lhe é atribuído.
Assim, os indícios devem ser reputados de suficientes quando, das diligências efectuadas durante o inquérito e instrução, resultarem suspeitas, presunções, sinais, indicações suficientes e bastantes para convencer que há crime e que é o arguido o seu agente.
Em conformidade, os factos indiciários devem ser suficientes e bastantes por forma a que, logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que lhe é imputado.

Assim, importa discorrer sobre os elementos probatórios recolhidos durante a fase de inquérito e de instrução, de molde a aferir se os mesmos têm a virtualidade de contrariar a decisão tomada pelo Digno Magistrado do Ministério Público aquando do despacho de encerramento de inquérito.
Para tal, cumpre antes de mais analisar os elementos integradores do tipo legal de crime pelo qual os arguidos estão acusados.
Dispõe assim o art.º 335º do C. Penal:
“1 – Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para abusar da sua influência, real ou suposta, junto de qualquer entidade pública, é punido:
a) Com pena de prisão de 6 meses a 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal, se o fim for o de obter uma qualquer decisão ilícita favorável;
b) Com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal, se o fim for o de obter uma qualquer decisão lícita favorável.
2 – Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial às pessoas referidas no número anterior para os fins previstos na alínea a) é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
Segundo a acusação, o arguido J abusou da sua influência junto da C. M. Abrantes, fruto dos vários anos que ali prestou serviço como vereador, para procurar beneficiar o arguido V no âmbito do concurso público, lançado por aquela entidade, em que aquele participou, tendo o concorrente aceite tal favor, sendo que, com a descrita actuação, J sabia que solicitava e aceitava, para si e junto de V, vantagens com expressão pecuniária e a sua promessa e este último tinha consciência de que dava e prometia a J vantagens com expressão pecuniária, para que o mesmo utilizasse em seu benefício a referida influência.
Apreciando a matéria dos autos, deve dizer-se, desde logo, que são evidentes as fragilidades da acusação.
Na verdade, no que tange ao cerne da questão – actividade concertada entre os arguidos no intuito de V obter vencimento no concurso público em que participou e, daí, ambos os arguidos beneficiarem patrimonialmente -, o libelo acusatório queda-se por considerandos vagos e conclusivos, sem suporte factual que os concretize convenientemente e que permitisse ao tribunal aferir das reais motivações dos arguidos para terem agido da forma que a acusação lhes imputa.
Com efeito, refere a acusação pública (art.º 17º) que “os arguidos (…) perceberam que a apresentação de uma proposta por parte da “L.da” ao concurso (…) facilitaria os termos do negócio da venda de casa e a troca de favores entre ambos para futuro, todos beneficiando de vantagens, imediatas ou vindouras”.
Facilitaria os termos do negócio de compra e venda? Porquê?
A acusação não diz, mas tentemos perceber.
Mostra-se documentado nos autos que os arguidos celebraram a escritura de compra e venda da moradia pertencente a J em 17 de Agosto de 2007, momento em que este recebeu por inteiro o preço da venda de € 140.000, mediante empréstimo bancário contraído por V do BPI (cfr. documento de fls. 1362 e ss.).
Ora, o concurso público foi lançado em 6 de Julho de 2007 (fls. 1463 – 1464 e 1568), como data limite de inscrição de 4 de Setembro seguinte (fls. 1568), a “L.da” apresentou a sua proposta no último dia (fls. 1478) e a decisão do concurso ocorreu em 25 do mesmo mês. Assim sendo, se a negociação da compra e venda da moradia já estava avançada (tanto que se concretizou em 17 de Agosto), se ainda faltavam algumas semanas para o terminus do prazo de candidatura, sem qualquer garantia de que a proposta daquele arguido sairia vencedora (podendo muitos outros interessados entrar no concurso), e se o preço da moradia seria (como foi) integralmente pago em data anterior à decisão do concurso, não se percebe a que título pode concluir-se que a apresentação de uma proposta por parte da firma do arguido V facilitaria os termos do aludido negócio de compra e venda.
Da leitura das transcrições das intercepções telefónicas (fls. 1219 a 1233) e do teor de todos os depoimentos prestados no inquérito e na instrução também não se pode concluir – bem pelo contrário – que houvesse alguma vantagem para a conclusão do referido negócio com a apresentação da dita candidatura, sendo que ambos os arguidos rejeitam qualquer ligação de uma coisa com a outra.
Diz igualmente a acusação pública que a candidatura da “Lda” facilitaria a troca de favores entre os arguidos, ambos beneficiando de vantagens, imediatas ou vindouras.
Quais favores ou vantagens? O Ministério Público não diz.
E não será fácil perceber.
No imediato, já se viu que nenhuma vantagem haveria para a conclusão do negócio de compra e venda, pois a decisão do júri do concurso seria necessariamente muito posterior à celebração da escritura pública (considerando o prazo limite de apresentação de candidaturas).
E para o futuro também não se vislumbra que os arguidos obtivessem vantagens da participação do concurso, pois J integra a administração de uma sociedade (“SA”) cujo objecto é a gestão e exploração de infra – estruturas ao nível do ambiente e saneamento básico (cfr. texto do acto societário de fls. 48) e V é professor integrado na actividade da “Lda”, dedicada à formação de línguas e informática (cfr. escritura de constituição de sociedade de fls. 1313 a 1315), não se antevendo, por isso, relações profissionais entre áreas de actividade tão díspares, tanto mais que as pessoas em causa não se conheciam até ao momento em que começaram a negociar a compra e venda da sobredita moradia (como explicado pela testemunha D, que apresentou os arguidos).
Consequentemente, também não se lobriga, nem a acusação esclarece, quais as “vantagens com expressão pecuniária” que o arguido V dava e prometia ao arguido J (art.º 35º da acusação), pois a única pessoa que podia beneficiar financeiramente com a apresentação da candidatura era o próprio candidato, mas só e apenas na hipótese de a mesma sair vencedora.
A peça acusatória expõe de igual forma (mesmo art.º 35º) que o arguido V tinha consciência de que as sobreditas “vantagens com expressão pecuniária” tinham por objectivo que o arguido J utilizasse a sua influência junto da vereadora com o pelouro da Educação, levando-a a orientar a decisão a proferir no âmbito do concurso. Ora, a vereadora em causa, I, esclareceu que não conhecia sequer aquele arguido (fls. 1291 a 1294), decorrendo do depoimento deste na fase de inquérito (ainda como testemunha – fls. 1295 a 1297) e das suas declarações em instrução que não conhecia qualquer pessoa da C. M. Abrantes, pelo que não será plausível fazer a sobredita imputação ao arguido V.
No que tange à conduta do arguido J em utilizar os seus conhecimentos como ex – vereador para influenciar a decisão da vereadora I, é de salientar que aquele, efectivamente, abordou a sobredita dirigente autárquica, solicitando-lhe que visse “se podia fazer alguma coisa em relação à firma de um amigo seu”, “pelo menos aí o inglês” (um dos itens do concurso era o ensino da língua inglesa), “poderia ser vocês a adjudicar uma coisa a uns, outra a outros” (cfr. depoimento de fls. 1291 a 1294 e transcrição de intercepções telefónicas de fls. 1229 a 1232 – em que J relata a V a aludida conversa). Porém, I não tinha qualquer influência na decisão do concurso (como a mesma explicou no depoimento de fls. 1291 a 1294), pelo que não colhe a asserção a que chegou a acusação pública de que os arguidos procuraram levar aquela vereadora “a orientar, de forma contrária aos seus deveres e à lei, a decisão a proferir pela Câmara”.
Importa destacar, neste passo, que o bem jurídico protegido com a incriminação do tráfico de influência é a autonomia intencional do Estado, procurando-se evitar que o agente, “contra a entrega ou promessa de uma vantagem, abuse da sua influência junto de um decisor público, de forma a obter dele uma decisão ilegal, criando assim o perigo de que a influência abusiva venha a ser exercida e, consequentemente, de que o decisor venha a colocar os seus poderes funcionais ao serviço de interesses diversos do interesse público”, como explica Pedro Caeiro.
Assim, atendendo-se à densidade específica do perigo prevenido pelo tipo legal de crime em apreço, impõe-se que o constrangimento provocado pelo agente (in casu, o arguido J) tenha um nexo com a situação profissional do decisor, sendo de excluir, por tipicamente irrelevantes, quaisquer pressões exercidas sobre alguém de quem não depende a prática do acto que se pretende influenciar.
Ora, a vereadora I, responsável pelo pelouro da Educação, não tinha qualquer intervenção directa na deliberação sobre as várias propostas a concurso, pelo que a abordagem que lhe foi feita pelo arguido J não pode considerar-se como sendo de molde a pôr em causa o interesse público, por não interceder entre o agente e o seu interlocutor (que não era decisor) o nexo de causalidade exigido pelo tipo legal de crime de tráfico de influência.
Quanto aos membros do júri, foram arroladas como testemunhas nestes autos a presidente M e a vogal P (jurista da C.M. Abrantes), ambas asseverando que não sofreram qualquer tentativa de “aliciamento” ou de condicionamento da decisão final por parte de algum dos arguidos, sendo que M foi clara em referir que o único contacto que teve com o arguido J foi por via telefónica e que aquele pretendia apenas inteirar-se dos trâmites do concurso público, ao que a mesma acedeu, nada lhe tendo sido pedido no sentido de condicionar a sua decisão.
E, relativamente a demais membros da edilidade abrantina, deve dizer-se que as testemunhas A, MC, MR (todos ouvidos na fase de inquérito – fls. 1275 a 1280 e 1288 a 1290) e AN (inquirida em instrução) foram unânimes em esclarecer que nenhuma pressão sentiram por parte do arguido J para condicionar a decisão do concurso.
Temos, assim, que, dos elementos integradores do tipo legal de crime pelo qual os arguidos vêm acusados, não existem indícios suficientes (ou sequer factos suficientes na acusação) no que tange aos requisitos da vantagem patrimonial para o arguido que alegadamente abusou da sua influência, da qualidade da pessoa a quem tal influência foi dirigida e da vantagem patrimonial prometida ou concedida pelo agente interessado no acto (in casu, o arguido V) ao agente influente na decisão (na situação em apreço, o arguido J).
Por outro lado, a acusação não concretiza em que medida seria ilícita a hipotética actuação da vereadora I, pois, como a firma “Lda” era efectivamente parte do concurso em causa, as “diligências” que aquela efectuasse só seriam ilícitas se daí decorresse uma violação da legalidade, v. g. a não observância das normas que regem aqueles concretos procedimentos decisórios, de molde a privilegiar a proposta do arguido V. Ora, da leitura da acusação, não se percebe se uma eventual vitória da “Lda” no concurso público seria ou não uma decisão ilícita do júri.
Daqui resulta uma consequência relevante, qual seja a de que a concessão de vantagem ou a sua promessa para a prática de acto lícito não é punível (em relação à pessoa que dá ou promete a vantagem), como decorre claramente da interpretação a contrario sensu do art.º 335º, 2 C. Penal, conjugada com o princípio da legalidade estatuído no art.º 1º do mesmo diploma, o que sempre implicaria a não incriminação do arguido V.
Do que antecede, impõe-se concluir que não se mostram perfectibilizados, em termos de indícios probatórios consistentes, os elementos típicos do crime de tráfico de influência em qualquer das variantes imputadas aos arguidos, pelo que os mesmos terão de ser não pronunciados pelo ilícito em apreço.
Em todo o caso, cumpre referir que, caso houvesse dúvidas ponderosas acerca da prática, pelos arguidos, do crime que lhes foi imputado na acusação, sempre tais dúvidas teriam de resolver-se favoravelmente aos visados, aos quais não cumpre comprovar, com certeza certa, na fase da instrução, a falta de veracidade da factualidade vertida no libelo acusatório, contrariamente ao defendido pelo Digno Magistrado do Ministério Público no debate instrutório, aquando da formulação das suas conclusões.
Com efeito, o despacho de pronúncia, além de determinar os precisos termos da acusação, com interesse para fixar o âmbito da sentença e determinar o objecto do processo, delimitando, consequentemente, os poderes cognitivos e decisórios do tribunal (cfr. art.ºs 309º, 1 e 379º, b), ambos do CPP), é uma garantia para o próprio arguido de não ser julgado, em processo penal, senão quando haja motivo sério para tal, como dispõe o art.º 308º, 1 CPP.
Deste princípio resulta que ninguém deve ser submetido a julgamento, evitando ser-se sujeito a inquietações e despesas inúteis, sempre que não se verifique a necessária mobilização probatória, ainda que em termos indiciários, susceptível de convencer o tribunal da efectiva verificação dos factos imputados ao arguido, sendo que quaisquer dúvidas que possam suscitar-se quanto ao real decurso dos acontecimentos não podem agravar a posição daquele, assim pondo em prática o princípio in dubio pro reo, que deve estar presente não só na fase do julgamento, mas também já na fase de instrução.
É que a simples sujeição de alguém a julgamento, mesmo que a decisão final se salde pela absolvição, não é um acto neutro, quer do ponto de vista das suas consequências morais, quer jurídicas. Submeter alguém a julgamento é sempre um incómodo, se não for mesmo, em certos casos, um vexame.
Por isso, no juízo de quem pronuncia, deverá estar sempre presente a necessidade de defesa da dignidade da pessoa humana, nomeadamente a necessidade de protecção contra intromissões abusivas na sua esfera de direitos, mormente os que entre nós se revestem de dignidade constitucional, como é o caso da liberdade – cfr. art.º 27º CRP.
A doutrina e a jurisprudência vêm entendendo que a “possibilidade razoável” de condenação a que a lei alude – art.º 283º, 2, ex vi art.º 308º, 2 ambos do CPP – é uma possibilidade mais positiva que negativa; “o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido” ou os indícios são suficientes quando haja “uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição”.
Diante do indicado critério decorrente do art.º 283º, 2 do CPP, respeitando os princípios supra apontados, o juiz, no final da instrução, tem de efectuar um juízo de prognose em torno da repetição da prova em sede de julgamento, colocando-se a seguinte questão: caso a prova constante dos autos seja repetida em julgamento existirá uma possibilidade razoável de condenação?
No caso em análise, como decorre de tudo quanto já se expendeu, tem-se por certo que a resposta a esse juízo de prognose é, necessária e imediatamente, negativa.
Tanto basta para que se imponha a prolação de despacho de não pronúncia.

Nestes termos, e ao abrigo do disposto no art.º 308º, 1 CPP, decide-se:
a) não pronunciar os arguidos J e V pelo crime de tráfico de influência de que vinham acusados;
b) determinar o oportuno arquivamento dos autos.


3. Apreciando

Da nulidade da decisão instrutória/despacho de não pronúncia

A fundamentar o referido vício invoca o recorrente, no essencial, que “o despacho de pronúncia ou de não pronúncia deve conter, ainda que de forma sintética, todos os factos que possibilitam chegar à conclusão da suficiência ou da insuficiência da prova indiciária recolhida, o que no caso dos autos manifestamente não se verifica”; “A fundamentação dos actos para além de dever ser expressa, clara e coerente deverá ser suficiente, pois é a partir dela que é possível a sindicância da legalidade do acto, bem como o convencimento dos interessados e dos cidadãos em geral, da sua correcção e justiça (…)” para concluir “Ao negligenciar este dever o Mmº Juiz “a quo” não cumpriu o ónus de fundamentação a que estava adstrito (…)”, o que redundaria na nulidade do despacho de não pronúncia, por ausência de fundamentação de facto nos termos do art.º 308º, nº 2 do CPP com referência ao art. 283.º, n.º 3 al. b) do mesmo diploma legal, passível de ser arguida ou conhecida em recurso [artigo 379.º, n.º 2 do CPP].

Vejamos, então, as normas jurídicas pertinentes à questão colocada, para de seguida nos debruçarmos sobre a decisão recorrida com vista a apurar da sua adequação à lei.

Dispõe o artigo 308.º do CPP:

“1 – Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia.
2 – É correspondentemente aplicável ao despacho referido no número anterior o disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 283.º, sem prejuízo do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo anterior.
3 – (…)”.

E, nos termos do n.º 3, al. b) do artigo 283.º do mesmo diploma legal “A acusação contém, sob pena de nulidade: A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo, e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;”.

Uma das características das decisões judiciais com dignidade constitucional consiste, precisamente, na necessária fundamentação – [cf. artigo 205.º da CRP].
A propósito de tal dever escrevem Jorge de Miranda e Rui de Medeiros “A fundamentação cumpre, simultaneamente, uma função de carácter objectivo – pacificação social, legitimidade e auto – autocontrolo das decisões – e uma função de carácter subjectivo – garantia do direito ao recurso, controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários.
(…)
O conteúdo essencial do dever de fundamentação analisa-se na comunicação das razões que justificam a decisão. Todavia, como já foi afirmado pelo Tribunal Constitucional, as exigências de fundamentação não são iguais relativamente a todo o tipo de decisões judiciais (Acórdão n.º 680/98). Desde logo, o conteúdo da fundamentação é condicionado pelo objecto de cada tipo de decisão. Assim, por exemplo, a fundamentação de um despacho de pronúncia não requer a exposição de motivos relevantes para a condenação, mas tão só a exposição dos indícios bastantes para a realização do julgamento.
(…) pode dizer-se que a fundamentação das decisões judiciais deve ser expressa, clara e coerente e suficiente.
a) Antes de mais, a fundamentação há-de ser expressa (…)
b) A fundamentação deve, além disso, ser clara e coerente. Os motivos apresentados pelo órgão decisor não podem ser obscuros ou de difícil compreensão, nem padecer de vícios lógicos que tornam o raciocínio que lhes está subjacente em algo imprestável para a inteligibilidade da decisão (…)
c) Por fim a fundamentação há-de ser suficiente (…), dela devem constar os motivos, de facto e de direito, que justificam o sentido da decisão, de modo a que o seu destinatário a possa compreender e, sobretudo, apreciá-la criticamente.” – [cf. Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, pág. 71 e ss.].
Também Germano Marques da Silva, reportando-se à imposição da fundamentação dos actos, escreve “permite a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autodisciplina.” – [cf. Curso de Processo Penal, III, pág. 294].

O dever genérico de fundamentação dos actos decisórios expresso no artigo 97.º, n.º 5 do CPP, encontra particular explicitação e desenvolvimento no artigo 374.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, o que se compreende dada a natureza da peça processual a que se reporta.
Retomando o caso dos autos, o que se impõe indagar é se a decisão recorrida – despacho de não pronúncia - cumpriu o dever de fundamentação legalmente imposto.
No que concerne ao grau de fundamentação exigível para o despacho de não pronúncia, não obstante as divergências que tem surgido na jurisprudência, perfilhamos a posição de que devendo, naturalmente, respeitar o dever geral de fundamentação “comum a todos os actos judiciais que não sejam de mero expediente – art. 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa – não tem de ser na sua estrutura uma espécie de sósia ou clone da sentença (…)” – [cf. acórdão do STJ, de 20.02.2002, proc. n.º 4250/01].
Tal como defendido no acórdão do TRC de 14.06.2006, proferido no proc. n.º 823/06, “pensamos não ser configurável ou ser estabelecido um paralelo entre o dever de fundamentação exigível para uma sentença e para um despacho de não pronúncia. Enquanto que com a primeira das decisões o tribunal realiza o acto jurisdicional de maior relevância processual endoprocessual, no despacho de não pronúncia o tribunal limita-se a confirmar a falta de indícios ou a carência dos pressupostos de punibilidade de um caso cuja averiguação não alçou à condição de facto ilícito – típico ou para o qual não logrou o estatuto de caso criminalmente relevante”.
Consideramos, pois, que no despacho de não pronúncia têm de resultar esclarecidos [designadamente, por referência à acusação] os factos que não estão suficientemente indiciados, bem como as razões de facto e de direito [enunciadas de forma expressa, clara, coerente e suficiente] que conduziram ao entendimento de não se encontrarem reunidos “indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança” – [cf. artigo 308.º, n.º 1 do CPP], assim, se dando cabal cumprimento [com as necessárias adaptações] ao disposto no artigo 283.º, n.º 3 do CPP para cuja disciplina remete o n.º 2 do artigo 308.º do mesmo diploma, garantindo, em última análise, a segurança jurídica do arguido.
Ora, uma leitura atenta do despacho recorrido permite, sem margem para qualquer dúvida razoável, identificar quais os factos que o tribunal a quo não teve por suficientemente indiciados e, bem assim, os fundamentos que suportaram tal juízo.
Sem pretendermos reproduzir [de novo] o que ali ficou consignado, transcrevemos a seguinte passagem que, no quadro de análise [de facto e de direito] em que surge inserida [cf. o teor do despacho recorrido, supra transcrito], é elucidativa do que vimos de afirmar “Temos, assim, que, dos elementos integradores do tipo legal de crime pelo qual os arguidos vêm acusados, não existem indícios suficientes (ou sequer factos suficientes na acusação) no que tange aos requisitos da vantagem patrimonial para o arguido que alegadamente abusou da influência, da qualidade da pessoa a quem tal influência foi dirigida e da vantagem patrimonial prometida ou concedida pelo agente interessado no acto (in casu, o arguido V) ao agente influente na decisão (na situação em apreço, o arguido J)”.
É certo que formalmente talvez se possa questionar a metodologia seguida, na medida em que o despacho recorrido vai entrelaçando considerandos de facto com questões de direito, resultando, naturalmente, mais claro o procedimento que trata tais questões em separado. Contudo, podendo não reflectir a melhor prática judiciária, crê-se que ninguém, com fundamento, pode perante o teor do mesmo ficar na dúvida [razoável] sobre o que não foi tido por suficientemente indiciado e porquê.
Concluímos, assim, por da leitura integral do despacho de não pronúncia resultarem perceptíveis e, logo identificáveis quais os factos considerados não suficientemente indiciados, bem como, os fundamentos de facto e de direito que determinaram tal juízo, razão pela qual se entende que o despacho recorrido cumpre o dever de fundamentação, constitucionalmente exigido para as decisões judiciais, sendo certo que a posição que defende a aplicação de idêntico grau de fundamentação, exigível na sentença, para o despacho de não pronúncia, com todo o respeito, não nos parece a mais acertada, desde logo em função da diferente natureza das decisões em causa.
Não se mostram, pois, violados os artigos 309.º, n.º 2, 283.º, n.º 3, al. b), 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 2, al. a) todos do CPP, improcedendo, em consequência, a invocada nulidade.

Da suficiência de indícios

Foram os arguidos acusados pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de influência, p. e p. 335.º, n.º 1, al. a) do C. Penal [J] e p. e p. pelo artigo 335.º, n.º 2, com referência à al. a) do n.º 1 do mesmo diploma [V].
Realizada a instrução, requerida por ambos os arguidos, veio a ser proferido o despacho de não pronúncia supra transcrito, ali se concluindo por não se mostrarem verificados, em termos de indícios probatórios, consistentes, os elementos típicos do crime de tráfico de influência em qualquer das suas variantes.
Divergindo do sentido da decisão, defende o Ilustre recorrente existirem, no caso, indícios suficientes da prática por ambos os arguidos dos crimes que lhes foram imputados na acusação pública, pugnando, assim, pela revogação da decisão recorrida, a qual deveria ser substituída por outra que, pronunciando os arguidos, remetesse os autos para julgamento.

Sobre o crime em referência escreve Paulo Pinto de Albuquerque o “crime de tráfico de influência, em qualquer das suas modalidades, é um crime de perigo abstracto (quanto ao bem jurídico) e de mera actividade (quanto ao objecto da acção). A incriminação visa atingir os comportamentos prévios ao acto de corrupção, antecipando a tutela penal para o acto do negócio sobre o poder de influenciar o decisor.
(…)
“O tipo objectivo do crime previsto no n.º 1 consiste na solicitação ou aceitação, para o traficante de influência ou para terceiro, de uma vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para abusar da influência, real ou suposta, sobre uma entidade pública (…).
O tipo objectivo do crime previsto no n.º 2 consiste na dádiva ou promessa de dádiva de vantagem patrimonial ou não patrimonial, pelo comprador de influência ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação.
(…)
A influência do traficante sobre a entidade pública pode ser real ou suposta (…). Ela pode resultar de qualquer tipo de ascendente do traficante de influência sobre o decisor, seja de natureza familiar, profissional, creditícia, religiosa, afectiva ou de outra natureza (…).
O acordo sobre o tráfico de influência com vantagem patrimonial ou não patrimonial ou promessa de vantagem para o traficante de influência deve preceder a decisão da entidade pública. Portanto, ficam fora do âmbito do tipo as condutas de tráfico “desinteressado” de influência, isto é, tráfico de influência sem vantagem (patrimonial ou não patrimonial) nem promessa de vantagem para o traficante. Também ficam fora do âmbito típico as condutas de atribuição de uma vantagem ao traficante de influência depois da decisão tomada, se não tiver existido acordo prévio nesse sentido entre o traficante e o comprador da influência (…).
A “entidade pública” é qualquer pessoa física ou colectiva, que exerça funções estaduais (políticas, governativas, administrativas, empresariais ou jurisdicionais), incluindo as funções atribuídas por concessão (…).
O crime consuma-se com a solicitação ou aceitação da vantagem pelo traficante de influência, sendo irrelevante se o traficante de influência efectivamente vem a exercer a sua influência junto do decisor (…).
Do lado do comprador da influência, o crime consuma-se com a dádiva ou promessa de dádiva da vantagem patrimonial ou não patrimonial pelo comprador da influência.” – [cf. Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, págs. 810, 811].

Parece, pois, não restar qualquer dúvida de que o bem jurídico protegido pela incriminação é a autonomia intencional do Estado. Com efeito, “pode afirmar-se que, em certos casos (…), a disponibilidade do agente para, contra a entrega ou promessa de uma vantagem, abusar da sua influência junto de um decisor público, de forma a obter dele uma decisão ilegal [fala-se hoje em decisão ilícita favorável e em decisão ilícita desfavorável], cria um perigo abstracto de que a influência abusiva venha a ser exercida e, consequentemente, de que o decisor venha a colocar os seus poderes funcionais ao serviço de interesses diversos do interesse público” – [cf. Pedro Caeiro, Comentário Conimbricense, III, pág. 277].

E pode concluir-se que o tipo se preenche quando “o agente celebra o negócio, oferecendo em troca da vantagem recebida ou prometida a possibilidade de se aproveitar de circunstâncias que lhe proporcionam uma situação de superioridade sobre o decisor público e que são de molde a constranger este último a tomar a decisão ilegal [hoje também a legal, nos termos da alínea b) do n.º 1] pretendida” – [cf. Pedro Caeiro, ob. cit., pág. 280, 281].
A consumação do crime dá-se, assim, com o acordo entre traficante e comprador, sendo irrelevante que a influência não venha a ser exercida.
Concluindo, o que está em causa no n.º 1 é a circunstância de alguém solicitar ou aceitar vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa para abusar da sua influência, real ou suposta, junto de qualquer entidade pública, sendo que “é por este abuso (ou melhor: para a prática deste abuso) que o influente (traficante – vendedor) leva o seu preço (a pronto ou apenas prometido e à conta do interessado)”, mas como “só se vende porquanto alguém compra (…), através do n.º 2 (…) aquele que, “por si ou por interposta pessoa (…), der ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial às pessoas referidas no número anterior para os fins previstos na alínea a)…” encontra-se agora também sujeito às penas da lei” – [cf. Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, Código Penal Anotado e Comentado, Quid Juris Editora, pág. 824].

Perante os contornos do tipo legal em referência, nas modalidades previstas nos nºs 1 e 2, vejamos, então, a tese da acusação.
Como bem sintetiza a decisão recorrida “segundo a acusação pública, os arguidos negociaram a compra e venda de uma moradia pertencente a J e, no decurso das negociações, V deu conhecimento ao primeiro que estava interessado em concorrer a um concurso público lançado pela C.M. Abrantes, que tinha por objecto a prestação de serviços de enriquecimento curricular para o 1.º ciclo do ensino básico. O arguido J ofereceu-se então para ajudar a elaborar a proposta, com o argumento de que estava habituado a participar em concursos públicos como administrador da “SA”, tendo ambos percebido que a apresentação de uma proposta por parte da empresa a que V pertence (“L.da”) facilitaria os termos do negócio da venda da moradia e a troca de favores entre ambos para futuro, com vantagens imediatas ou vindouras para os dois.
Assim, em concretização de tal propósito, o arguido J aproveitou os seus conhecimentos como ex – vereador da C.M. Abrantes e contactou várias pessoas dos quadros municipais, entre as quais membros do júri de avaliação das propostas a concurso (em particular a presidente do júri, M), procurando influenciar a decisão final a favor do arguido V, o que este aceitou no intuito de obter vantagem patrimonial.
Sucedeu, porém, que, por razões alheias aos arguidos, a “L.da” não obteve vencimento em nenhum dos itens a concurso, pelo que aqueles não obtiveram as vantagens a que se propunham com o plano delineado”.

A primeira, mas decisiva, objecção aos termos da acusação reside na falta de concretização factual que, como muito bem realça a decisão recorrida, permita suportar a asserção de que “Os arguidos (…) perceberam que a apresentação de uma proposta por parte da “L.da” ao concurso n.º 61/2007 facilitaria os termos do negócio da venda da casa e a troca de favores entre ambos para futuro, todos beneficiando de vantagens, imediatas ou vindouras” – [cf. ponto 17.º].
Por um lado, não se percebe – e a acusação não esclarece – o motivo pelo qual o negócio da compra e venda da moradia sairia facilitado pela apresentação da dita proposta e, por outro, menos se entende – a não ser num quadro de pura conjectura, de presunção não consentida - a afirmação de que a mesma facilitaria a troca de favores entre ambos para futuro, bem como de que todos viriam a beneficiar de vantagens imediatas ou vindouras.
Com todo o respeito, estas últimas afirmações – sem o mínimo de concretização, designadamente por referência a elementos que permitissem descortinar factores reforçados de conexão, de ordem vária, entre os arguidos - traduzem-se num acto de fé, naturalmente não consentido, face aos princípios do acusatório, da vinculação temática e do direito de defesa dos arguidos.

E quanto ao negócio de compra e venda da moradia? Sairia facilitado porquê? Verificou-se alguma circunstância, por ex. de dificuldade de escoamento de mercado, ou vantajosa a nível de preço, que permita induzir tal facilidade? Ou a simples concretização de um negócio de compra e venda de um imóvel, por si só, já é susceptível de configurar a tal vantagem, patrimonial ou não patrimonial, indispensável à configuração do tipo de ilícito previsto no artigo 335.º do C. Penal?
Tem toda a pertinência e por isso se transcreve, o que a esse propósito refere a decisão recorrida “Mostra-se documentado nos autos que os arguidos celebraram a escritura de compra e venda da moradia pertencente a J em 17 de Agosto de 2007, momento em que este recebeu por inteiro o preço da venda de € 140.000, mediante empréstimo bancário contraído por V junto do BPI (cfr. documento de fls. 1362 e ss.).
Ora, o concurso público foi lançado em 6 de Julho de 2007 (fls. 1463 – 1464 e 1568), como data limite de inscrição de 4 de Setembro seguinte (fls. 1568), a “L.da” apresentou a sua proposta no último dia (fls. 1478) e a decisão do concurso ocorreu em 25 do mesmo mês. Assim sendo, se a negociação da compra e venda da moradia já estava avançada (tanto que se concretizou em 17 de Agosto), se ainda faltavam algumas semanas para o terminus do prazo de candidatura, sem qualquer garantia de que a proposta daquele arguido sairia vencedora (podendo muitos outros interessados entrar no concurso), e se o preço da moradia seria (como foi) integralmente pago em data anterior à decisão do concurso, não se percebe a que título pode concluir-se que a apresentação de uma proposta por parte da firma do arguido V facilitaria os termos do aludido negócio de compra e venda.
Da leitura das transcrições das intercepções telefónicas (fls. 1219 a 1233) e do teor de todos os depoimentos prestados no inquérito e na instrução também não se pode concluir – bem pelo contrário – que houvesse alguma vantagem para a conclusão do referido negócio com a apresentação da dita candidatura, sendo que ambos os arguidos rejeitam qualquer ligação de uma coisa com a outra.”
Convém, ainda, relembrar que nos termos da acusação o início da negociação, entre os arguidos, de compra e venda da moradia, remonta a Abril de 2007 [ponto 4.º].
E se não existem elementos [desde logo na acusação] que permitam afirmar, ainda que em termos indiciários, a verificação de tal vantagem patrimonial ou não patrimonial [o que não exclui que a mesma não tenha efectivamente ocorrido], menos existem no sentido de que o arguido J tenha solicitado ou aceitado vantagem de tal natureza, ou a sua promessa para abusar da sua influência junto da entidade pública em causa e, bem assim, que o arguido V tenha dado ou prometido vantagem patrimonial ou não patrimonial ao arguido J com tal finalidade.

Na verdade, o Ilustre recorrente nada de novo invoca que possa fazer inflectir este estado de coisas, nem seria espectável que o fizesse pois mal se compreenderia que, de posse de elementos probatórios que permitissem a concretização do que em termos conclusivos vem dito na acusação, não o tivesse feito no momento próprio, ou seja naquela peça processual.
O que se detecta na motivação do recurso é a afirmação, enfatizada, de que está em causa um crime de perigo abstracto, o que sendo correcto significa que o crime se consuma independentemente de o traficante de influência vir, efectivamente, a exercer a sua influência junto do decisor, mas não dispensa, naturalmente, que o acordo sobre o tráfico de influência seja precedido da solicitação ou aceitação de uma vantagem patrimonial ou não patrimonial ou da sua promessa [n.º 1] ou da dádiva ou promessa de uma vantagem de tal natureza [n.º2], como “preço” do abuso. Dito de outro modo, o que releva é o acordo sobre o tráfico de influência com vantagem patrimonial ou não patrimonial.
Ora, no caso em apreço não é possível extrair dos factos invocados na acusação, indícios suficientes que permitam afirmar, ainda que em termos indiciários [suficientemente indiciados], a existência de uma vantagem [patrimonial ou não patrimonial] e menos ainda que permitam estabelecer a relação, que o Ilustre recorrente pretende ver, entre “a apresentação de uma proposta por parte da “Lda” ao concurso n.º 61/2007” e os termos do negócio de compra e venda da moradia, alegadamente facilitados, por aquela, por um lado e, por outro, com “a troca de favores entre ambos para futuro, todos beneficiando de vantagens, imediatas ou vindouras”, sequer com as alegadas [e diga-se, em abono da verdade, fortemente indiciadas] diligências realizadas pelo primeiro arguido [J] junto das entidades públicas, designadamente da Vereadora com o pelouro da Educação, Cultura e Acção Social, com o objectivo de levá-la a orientar de forma contrária aos seus deveres e à Lei, a decisão a proferir pela C.M. de Abrantes no citado concurso público, em benefício da sociedade “Lda”.
É que existe uma diferença considerável entre o que se julga que possa ter acontecido e o que se deve ter por indícios suficientes para o efeito do disposto no artigo 308.º, n.º 1 do CPP.
Com efeito, os indícios apenas podem ser considerados suficientes quando dos mesmos resulte uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança. Possibilidade, essa, que exige ou pressupõe a formação de uma convicção de forte probabilidade de futura condenação, pois que da interpretação normativa do inciso indícios suficientes não se pode arredar a imposição constitucional decorrente do princípio da presunção de inocência que vigora transversalmente no processo penal, ou seja em todas as suas fases – [cf. artigo 32.º da CRP].

Posto isto, na falência de indícios suficientes de que o arguido J tenha solicitado ou aceitado vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa para abusar da sua influência junto da entidade pública em causa e/ou de que o arguido V tenha dado ou prometido vantagem de tal natureza ao arguido J para o sobredito fim, elemento essencial à configuração do tipo de crime em referência, torna-se despiciendo, por inútil, prosseguir quanto à avaliação sobre a indiciação dos demais factos descritos na acusação, considerados insuficientemente indiciados no despacho de não pronúncia.

III. Decisão

Nos termos expostos, acordam os Juízes na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão de não pronúncia dos arguidos J e V.

Sem tributação.

Évora, 27 de Abril de 2010 – Maria José Nogueira (relatora) - João Manuel Amaro (adjunto)

 

posto este e o post anterior por M. Abrantes




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