Denúncia do colonialismo e da escravatura
pelo poeta constanciense Tomaz Vieira da Cruz
Capa da obra «Poesia angolana de Tomaz Vieira da Cruz», Edição da Casa dos Estudantes do império, 1º edição, 1961.
Tomaz Vieira da Cruz, poeta da vila de Constância, destacou-se por ter sido o primeiro poeta a abordar os temas da escravatura, da mestiçagem e da «raça» negra. Foi também pioneiro no tratamento de temas sobre a descaracterização da tradicional paisagem urbana de Angola. Um conterrâneo a figurar num futuro mural dos poetas de Constância, com obra reconhecida nacional e internacionalmente.
Quando se fala do poeta constanciense e da lusofonia, Tomaz Vieira da Cruz, incide-se muito sobre a questão da literatura colonial. Com a presente crónica pretendo despoletar a atenção dos críticos para o nacionalismo integro do nosso poeta, a despeito de algumas ideias feitas que lhe têm sido coladas por alguns, sem qualquer justificação, a meu ver.
Para Francisco Soares é urgente que compreendamos o processo literário perseguido e construído pelo «príncipe dos poetas coloniais» para assim o situarmos com exactidão na cronologia literária do território que então o recebeu, Angola, hoje, país da lusofonia de pleno direito.
Sabemos que escritores nacionalistas como Agostinho Neto e Viriato da Cruz, glosaram motivos e temas que Tomaz manejara com mestria.
A memória literária que Angola gravou de Tomaz durante décadas parece contrastar com uma maioria de escritores do segmento colonial e autóctones, de «incipiente preguiça».
Primeiro mural dos poetas (da Câmara Municipal de Constância), exclui de novo o poeta constanciense, Tomaz Vieira da Cruz, contemplando Camões, Alexandre O’Neill (de Lisboa) e Lima Couto (do Porto).
Em 1966 o jornal ABC dedicou ao ilustre filho da vila de Constância um suplemento (1) on de se pode ler, por exemplo: «Da estada na capital do Império ficou-lhe a convivência com o meio literário e artístico lisboeta, muito em especial com António Botto». Este poeta elogiou-lhe a poesia e entre a lírica de ambos encontrou Mário António várias afinidades, como descreve o dito suplemento: uma coloquialidade «entre popular e requintada», «a notação de tempo como factor de um ritmo mentalizado dos poemas» […] uma visão plástica em que o poeta se compraz […] o requinte de certas imagens […} o descritivo vivo de certos poemas […] uma certa tendência para o aforismo».
Francisco Soares, prefaciando o livro «Quissanje» de Tomaz, fonte privilegiada da presente crónica, dá-nos uma visão crítica, informada, e quase completa da evolução literária do poeta.
O leque de influências do poeta Tomaz é, porém, muito mais alargado do que se poderia antever à partida, numa análise, sumária, passando pelo saudosismo, integralismo e decantismo, antes de mais. O modernismo de Orfeu tê-lo-á influenciado menos. Nos seus primeiros poemas iniciais a referência africana é escassa. Segue geralmente estruturas tradicionais portuguesas. O versilibrismo terá sido influenciado por Pascoaes e António Botto.
Novo mural dos poetas (da Câmara Municipal de Constância), exclui de novo o poeta constanciense, Tomaz Vieira da Cruz, voltando a contemplar Alexandre O’Neill (de Lisboa) e Lima Couto (do Porto).
No dizer informado de Francisco Gomes «quando alguém que se diga nacionalista promove a destruição de outras nações torna-se imperialista e colonialista». Tomaz Vieira da Cruz, pelo contrário, «denunciando as injustiças, a escravatura, a imoralidade de certos colonos e de certas situações coloniais, tal como irmanando-se com os Bailundos e outros povos colonizados, demonstra ter sido um nacionalista íntegro mais do que integralista». (2)
O poema inédito que o poeta Tomás Jorge, filho de Tomaz Vieira da Cruz deu à luz através das publicações Imbondeiro (3), intitulado «África», segundo o citado autor do proémio de «Quissanje», «tira de vez aos mais cépticos qualquer dúvida sobre este homem visceralmente português e humanamente africanizado:
Quando os homens compreenderem na voz do mar
a trágica sinfonia
das ondas pedindo ao Céu
justiça do seu perdão,
então podeis olhar de Deus o olhar clemente
que nos está olhando em cada estrela
e nos está julgando eternamente!
Então podeis ouvir todo o Sertão
Gritando por seus filhos naufragados
nos temporais de cada escravidão,
ou exilados, longe, como réus
da civilização…
Então podeis ouvir a voz da África
No coração de Deus!»
A convivência artística na metrópole permitiu a Tomaz ficar informado sobre os grandes actores de teatro e, depois, do cinema, dessa época. O poeta inclui-se agora no grupo dos que mais entusiasmadamente pugnaram pela vinda de grandes companhias e de actores conhecidos a Angola. Francisco Gomes refere mesmo um belo poema que Tomaz dedicou a Alves da Costa, aquando da sua passagem por Luanda. É com esta formação cultural que Tomaz Vieira da Cruz avança para Angola, instalando-se em Novo Redondo (hoje Sumbe), em 1924.
Já no «exílio amoroso», as aspirações literárias e culturais levam-no a promover recitais e peças de teatro. Criou o jornal «Mocidade», publicação mensal literária, artística e de notícias.
A integração de Tomaz no meio rural de Novo Redondo, terá tido influências decisivas sobre o poeta, levando a uma «reviravolta» o seu nacionalismo. Para Francisco Soares, o nosso conterrâneo tornou-se «um caso raro de crioulização e de entrega ao outro, com paralelo na cultura portuguesa só em Wenceslau de Morais».
A sua integração na pequena vila, hoje, Sumbe, deu-lhe de África uma vivência muito mais completa e peculiar do que a que teria em Luanda, defende. Daí a africanidade dos seus versos, remata.
Monumento ao poeta da vila de Constância, junto ao Liceu salvador Correia, Luanda, antes do 25 de Abril.
Em «Bailundos» Tomaz retrata, com superioridade, o drama da «gente negra». Neste e noutros poemas, o poeta faz a denuncia das mulheres enganadas e trocadas de «importação», bem como das sequelas da escravatura.
Amou e respeitou o «selvagem» chamando-se a si «primitivo». Para Francisco Soares o soneto mais vibrante escrito por Tomaz define-o de tal forma que a partir dele, explica, «se deve compreender a sua poesia e a sua personalidade». Chama-se «A última batalha». O amor aí define-se quer como o «trópico» mas também como a «autobiografia».
Mas o amor em Tomaz é também, sensual e concupiscente. É também, «a entrega absoluta e traída, ou desesperada, das mulheres aos colonos que depois as abandonaram, aos homens que o mar levou na escravatura do Brasil e das Américas, etc». É, ainda, uma soma anímica. Esta componente permite perceber passagens como aquela em que se diz que as duas «raças» se encontraram «no mato, em nostalgia, / num exílio carinhoso» (no poema «Mulata»).
A palavra «saudade» atravessa e perpassa muitas das páginas dos seus livros, emergindo desde logo no subtítulo do primeiro, «Saudade negra». A palavra «saudade» em Tomaz não se reduz ao saudosismo, aliás, aliado ao sebastianismo. Parece haver no soneto «Pátria minha» uma saudade própria, individual, criativa, conquanto dolente, do império de sonho e de maravilha da verde mocidade… ao mesmo tempo, uma saudade do país dos negros. Comos se houvesse, duas saudades…
Saudade, pois, da «Neta de escravos»: «Na praia de Quicombo olhando o mar,/ como quem espera alguém que anda perdido», / a triste e linda Ébo, a olhar, a olhar, / tem lágrimas no rosto humedecido»… e até hoje «ainda espera quem não volta mais».
Em Tomaz o sentimento saudoso também aparece ligado ao fatalismo. No «Drama em Kaungula», expressão superior da dignidade da mulher enganada e trocada pela «branca», a personagem central é definida como «aquela que morria de saudades». A saudade é aí o veio de ligação entre o amor e a morte.
Obrigado Francisco Soares.
José Luz (Constância)
PS – não uso o dito AOLP. Tomaz Vieira da Cruz, poeta português nascido em 22 de Abril de 1900, na vila de Constância, falecido em 7 de Junho de 1960, em Lisboa. Em 1924, partiu para Angola e aí continuou quase até ao final da sua vida. Foi o fundador e director do jornal literário Mocidade. Publicou Vitória de Espanha (1939), Cinco Poesias de África (1950), Quissange - Saudade Negra (1932), Tatuagem (1941) e Cazumbi (1950). Segundo a Infopédia, «salientou-se por ter sido o primeiro poeta a abordar os temas da escravatura, a mestiçagem e a raça negra, assim como a descaracterização da tradicional paisagem urbana de Angola». Não foi incluído pelo município da sua terra natal nos dois murais dos poetas.
(1) Notas biobibliográficas» do supl. «Artes e Letras», Jornal ABC – Diário de Angola, 10 de Junho de 1966.
(2) Quissange, Tomaz Vieira da Cruz, Imprensa Nacional da moeda, 2004. Com prefácio notável de Francisco Soares, que sigo de bem perto no presente artigo, indispensável para o estudo da obra do poeta.
(3) Antologia Poética Angolana, I, Sá da Bandeira, col. Imbondeiro, 1963.
O Zé Luz dá-nos a conhecer outra página da história da velha Punhete, de que é o grande cronista:
Na Vila de Constância existe um Cruzeiro associado ao antigo «Passo» da Via Sacra, a carecer urgentemente de obras de restauro. Defronte, ergue-se a Capela de Santa Ana, que vai servindo de «Casa Mortuária» pois a sede do concelho não tem sequer esse serviço social. É sobre este conjunto patrimonial «Capela-Cruzeiro» que versa a presente crónica.
Até aos anos 70 havia a tradição das grávidas na vila de Constância acenderem uma candeia a Santa Ana, «por um bom parto». A festa de Santa Ana remonta a épocas passadas havendo registo da festa anual a Senhora Santa Ana em Junho, como se pode observar num título de autorização do administrador geral interino do distrito, datado de 10 de Outubro de 1837, há portanto 184 anos. O documento reporta-se ao orçamento da despesa da «Confraria de Santa Anna». Para além da festa, faz-se referência a “oito missas annuais a cento e vinte reis “, a ” cêra”, destinando-se uma verba “para ultimação de camarim ou tribuna”. Tudo orçado em mais de 32 mil reis. No dia de Santa Ana sempre houve memória da realização da Santa Missa na Capela de Santana. Assina o título em 1837, nomeadamente, Manoel Nunes Freire da Rocha. A capela é-me muito familiar porquanto passei a minha infância e adolescência por ali, paredes meias. Ouvia por vezes dizer que fulana veio acender uma candeia a Santa Ana. Mas quem se recorda bem dessa tradição é a vizinha Mª Helena, filha do Zé Fona.
Na capela sempre se celebrou o tremendo e Sacrossanto Sacrifício no dia 26 de Julho, dia de Santa Ana. Havia na nave da antiga ermida dois ou três bancos antigos para os parcos fiéis que vinham assistir, verdade seja dita. Eram poucas as ocasiões em que se abria o templo. Uma delas era por ocasião da Festa de Nossa Senhora da Boa Viagem em que se preparavam e vestiam os anjinhos na sacristia, os quais rumavam depois em procissão à igreja matriz. Mais recentemente e antes do «Covid 19», partia daqui a procissão dos Ramos (a tradição existente, contudo, é a da realização desta procissão à volta da matriz!).
Havia na capela relíquias de santos embutidas no centro de pedras de altar. Bem lá as vi nas gavetas da velhinha sacristia e isso ouvi da zeladora Maria José Cardoso Fonseca que de tudo cuidava com carinho.
A Capela de Santa Ana serviu de sede da Irmandade dos Clérigos Pobres (S. Pedro Advincula). Em 1798 a Irmandade foi transferida da Igreja paroquial de São Julião
onde estava instalada desde 1672, para esta ermida. Esta informação consta do livro da respectiva Irmandade – obra rara e riquíssima em iluminuras – segundo os apontamentos manuais do cronista Joaquim Coimbra a que acedi na minha juventude, por privilégio.
É sabido que em 1625 já havia referência à «Senhora de Santa Ana de Punhete», segundo o testamento do padre Manuel Carvalho Barreto, documento constante do espólio da Misericórdia, o qual está depositado no arquivo distrital. A Capela aparece por vezes referida como «ermida» o que se percebe. O vila desenvolveu-se perto dos rios. Mais acima da Capela e numa rua contígua existia a «Casa da Roda» onde morava antigamente a família do meu pai, casa histórica mandada demolir pela CMC nos anos 90. Era do reinado de Dom Duarte segundo ouvia a minha bisavó dizer a pessoas eruditas e mo contou o meu pai. O local ermo justifica a «ermida»? Creio.
Aquando da Implantação da República foram destruídos os «Passos» da Vila, da Via Sacra. O cronista Joaquim Coimbra situa um dos Passos, precisamente, em Santana. Será que o vetusto Cruzeiro ainda existente mesmo defronte da Capela (mal tratado pelo tempo e pelos homens) integrava essa «Via Crucis»? Construído no caminho da então Real Igreja de Nossa Senhora dos Mártires (igreja da Confraria da dita invocação que só em 1822 passou a paroquial), este padrão público (?) poderá ser mais do que um símbolo da jurisdição paroquial ou termo de propriedade e prova de domínio (a capela aparece em textos antigos como ligada à paróquia). Não é incomum haver Cruzeiros no caminho do Calvário (Constância lembra um presépio vivo).Deixemos a análise arquitectónica para os entendidos. O que é certo – segundo o historiador local – é que ali havia um dos «Passos» da Via Sacra. O Cruzeiro não pode ser excluído desta realidade. Não há como o fazer.
Na vila (sede de concelho), lamentavelmente, não existe sequer casa mortuária e desde há vários anos que a Capela de Santa Ana faz essas vezes. O Cruzeiro assume assim renovado significado, de santificação do local daqueles que em vida acreditaram na Ressurreição, sem ver, A cruz, no cimo da coluna, ergue-se a lembrar aos vivos, a esperança desse milagre maior.
Não se conhecem dados ou legenda sobre esta edificação do Cruzeiro. Em pequeno eu e outras crianças bem tentávamos encontrar alguma legenda na base pois estávamos habituados a ver legendas nalgumas pedras do adro mais acima. A memória do povo de Constância não deixa de estar reflectida neste conjunto patrimonial Capela-Cruzeiro. A Junta de Freguesia através do anterior presidente João Baião da Silva ainda procedeu a alguma conservação do monumento. O município, actualmente, não estará sensibilizado para as questões de defesa deste tipo de património, de carácter misto, isto é, político-social e religioso: o Cruzeiro, «pelourinho» e cruz visível dos homens-caminhantes (?).
Nos anos 70 acompanhei o meu irmão na elaboração de uma monografia dos templos da vila, trabalho de curso da Escola Superior de Belas Artes e a pedido da CMC, era então presidente da edilidade Fernando Morgado. Fiquei desde logo sensibilizado para a importância e valor dos nossos monumentos locais.
No dia 25 de Abril de 2013 dei conhecimento por escrito e pessoalmente à Câmara Municipal de Constância da existência do espólio documental que então se encontrava na parte traseira do altar-mor da capela (ver foto), no sentido da sua eventual preservação e recuperação. A empresa que na altura estava a proceder à recuperação da capela levou dali o retábulo, desmontado, no interior do qual estavam os documentos então fotografados. Nunca mais vi os documentos e a paróquia deles não tem paradeiro (houve mudança de pároco nesse ano). Na altura reparei que os documentos estavam muito secos e o seu manuseamento exigia uma técnica especial sob pena de se destruírem facilmente.
Em 1985 o grupo de teatro da paróquia cuja comissão integrei (da mesma faziam parte, Maria José Falcão Themudo de Castro, Gina e Arminda Tavares e o pintor Fernando Santos) organizou um sarau cultural em benefício da Capela de Santa Ana.
O espectáculo rendeu algumas centenas de contos. Deu para pagar a porta nova da Capela. Nessa ocasião conseguimos ainda algumas carpetes e sofás. Os cenários do sarau teatral foram graciosamente pintados pelo pintor Alexandrino Santos. Os textos eram da minha autoria. Um dos actores da pequena revista encenada era o pintor Fernando Santos que fazia de padre e que já tinha sido agraciado pelo Papa João Paulo II. Eu vi o documento da Santa Sé relativo ao sr Fernando por causa dos restauros executados na matriz durante o mandato de Dom Agostinho.
Naquela altura também ensaiava no cine-teatro o grupo teatral do CEV o qual eu também integrava. Não foi fácil fazer perceber a certas mentes que se tratava de iniciativas bem distintas e legítimas. A quermesse dentro do próprio teatro foi um modelo em que apostámos e que deu certo. O padre João Vermelho nem se importou com as cenas que criei dentro da própria “missa” afinal o bolo final ia para a paróquia…Uns anos mais tarde, em 15 de Abril de 1990 ou 1991 (?) realizou-se na Capela de Santa Ana um concerto pelo Coral «La Passion» dirigido por mim. A Capela ficou bem recomposta de participantes.
Nas fotos que acompanham este texto podem observar-se a pia de água benta e a pia/lavatório da sacristia.
Existiam na Capela três retábulos oferecidos para esta ermida pelo Comendador José de Sousa Falcão que ali permaneceram até 1978 altura em que alguém os levou para a igreja matriz: Baptismo de Jesus, Coroação da Virgem e Morte de São Joaquim. O Comendador dizia-os de origem espanhola (´seculo XVI-XVII).
A Capela de Santa Ana e o Cruzeiro são monumentos de linhas simples que se atravessam no caminho dos homens e que conferem ao local um enquadramento fantástico.
José Luz
(Constância)
PS – não uso o dito AOLP
O nosso amigo José Luz dá-nos outra saborosa crónica sobre as memórias de Constância. Imperdível...
Memórias dos piqueniques de antigamente em Constância
Na vila de Constância a tradição de fazer piqueniques vem de longe. Debaixo dos salgueiros do Tejo, no Pinhal D’ El Rey (entretanto destruído pelo município), nas margens do “rio” (Zêzere) passando pelas fontes Férrea e Velha, ou mesmo pela Charneca, vários eram os locais eleitos quer pelas famílias mais aburguesadas quer pelas famílias comuns, para confraternizarem
Piqueniques dos anos 20 a 40 do século passado, em Constância: Pinhal D’El Rey, margem do Tejo e Charneca/campo.
A foto em cima à direita, do conjunto com quatro fotos, retrata um piquenique por volta de 1920, na margem do Tejo, junto à Quinta da Légua, antiga propriedade da família Corte-Real. À esquerda, em baixo, sentada, está Guilhernina Guia, de apelido “Pirra” a qual serviu de modelo para o anjo das tranças da alegoria de José Malhoa da Assunção de Nossa Senhora, quadro do tecto da Matriz da nossa vila.
A espreitar, na árvore, está uma criança, Augusto Alves Soares nascido em 1911, sobrinho do médico e grande agricultor, Dr Francisco Augusto da Costa Falcão (este médico era mecenas de Columbano e patrocinador da obra de Malhoa).
Augusto Soares, um saudoso amigo que me facultou cópia da referida foto e que me transmitiu informação privilegiada sobre factos e tradições locais. Logo à sua frente está o médico Dr José Eugénio de Campos Godinho, antigo delegado de saúde e fundador da Legião Portuguesa na vila, filho do indefectível republicano, José Eugénio de Nunes Godinho (este trazia a Constância para o seu palacete, António José de Almeida e outros nomes do republicanismo).
“Cantinho florido” na Fonte Velha. Grupo de senhoras e meninas das famílias Rocha, Meira e Burguete. 1924. Imagem de Mendes Lopes.
Na foto encontram-se membros da família Burguete (pertenciam a esta família o padre João Alves Meira que contratou Malhoa, bem como António Alves Meira, simpatizante da Carbonária…).
Nestes convívios na margem dos rios, com direito à música e fotografia, discutia-se sobre a actualidade. E com etiqueta.
Não sei se Malhoa teria escolhido o seu “anjo” por ocasião de algum destes piqueniques. Na vila falava-se ainda que o rosto de Nossa Senhora foi pintado tendo como modelo a mulher de um engenheiro da família Sommer que para aqui veio aquando da construção da ponte sobre o Zêzere. O tempo passa, os velhos vão desaparecendo, mas fica o testemunho que nos legaram.
Na primeira foto do mesmo conjunto temos um piquenique no Pinhal D’El Rey, anos 40(?) em que ao centro surge o maestro da Filarmónica “Primeiro de Dezembro”, Carlos Amadeu Saraiva Silvares de Carvalho, militar e fundador do rancho “Flores de Constância”. Segundo a minha mãe, era comum o meu avô promover esses piqueniques no Pinhal, antigo pulmão da vila. Ao longo percebe-se a curva do Tejo onde se quebra a mansa veia, no dizer do poeta… Esta foto foi-me oferecida pela viúva de um dos “confrades” no caso em grande plano, o Talhadas. Mais uma vez lá estava o fotógrafo.
Ainda conheci o Pinhal D’El Rey,. Pouco resta desse ecossistema de espécies raras. Vieram os planos directores municipais, foram-se os velhinhos planos de urbanização. Veio o betão e a descaracterização da paisagem e veio a desertificação da zona histórica da vila. Já não há piqueniques que resistam a esta metamorfose…
Nas margens dos rios os areais há muito destruídos pela extracção desenfreada e gananciosa já não conservam a beleza e o encanto de outros tempos. Já não se vêem os barcos com as famílias em busca da sombra e da frescura e da brisa do rio.
Na terça-feira de Praia, logo a seguir à Segunda-Feira de Nossa Senhora da Boa Viagem, era costume os marítimos fazerem um piquenique com caldeirada, nos rios, em que se transmitia a bandeira para assinalar a passagem de testemunho aos novos festeiros.
Numa outra foto temos um pequeno aqueduto/ponte, das Águas Férreas, junto a Constância, mas na margem sul do “rio” (Zêzere). Diz-se nas Limeiras que antigamente as senhorinhas de Constância vinham para aqui buscar água e algumas aproveitavam para namorar. O sítio é escondido e fica acima do Lagar do Rio. Ouvi o testemunho duma antiga cozinheira da Gulbenkian, Fernanda Josefa, filha do padeiro Joaquim Alves, a qual me contou que antigamente iam para a Fonte férrea fazer piqueniques. Já explorei o local e bebi daquela água corrente, num local mais abaixo, e senti-me muito bem. Tenho cópia duma publicação sobre a Notícia destas águas, de 1799. É assunto para um desenvolvimento autónomo, pois existe um historial de alegadas curas com base nestas águas, ao longo dos tempos e até mais recentemente.
passeio de barco duma família local, rumo a um piquenique.
Quando eu andava na catequese nos anos 70, a paróquia também organizou um piquenique perto da Quinta de Santa Bárbara. O sr. Álvaro, chauffeur da Casa Agrícola, Themudo, levava jarros de sumo/refresco que transportava na carrinha a mando da Dona Maria José Falcão. Havia sandes com fartura. E a apanha obrigatória dos pinhões. O caminho até ao local, sinuoso, com florestação por vezes densa e agressiva, era para nós uma pequena aventura. A meio caminho havia paragem obrigatória na Ti Rita do sr. António Marques, para refrescar a boca com tragos numa concha corticeira. E havia sempre tremoços. Que gente tão bondosa.
Mais tarde as crianças da minha rua e vizinhança fizeram um piquenique junto ao depósito da água. Há quem tenha as fotos .Os piqueniques eram uma oportunidade para o convívio social. E para a socialização. Deles terão saído namoricos, negócios, conspirações. Disseram-me que era costume fazerem piqueniques nos pequenos areais do “rio” (Zêzere) perto do Vale Escuro. As praias convidavam ao merendar.
Nas últimas décadas tentou-se construir na vila um açude no “rio”. A hidráulica tratou de criar obstáculos a esse projecto. Abrantes, mercê das influências do PS, passou-nos a perna… e conseguiu o açude. Um dia no Gavião, ainda confrontei José Sócrates com os problemas da aprovação do açude, última fase do chamado POMTEZE, ordenamento das margens dos rios. Na altura Sócrates creio que era ministro do ambiente . Deu-me uma resposta arrogante, tendo ficado incomodado. O assunto foi publicado na “Gazeta do Tejo’. Há dias li numa entrevista que o actual autarca de Constância quer levar por diante o projecto da praia do “rio”. A médio prazo. Os piqueniques voltarão? Ou é tudo uma miragem. Sonhar não faz mal a ninguém. Oxalá!…
José Luz
(Constância)
PS – não uso o dito AOLP.
Fresco inédito da NatividadeO fresco foi descoberto em Constância nos anos 90,por ocasião de um restauro.
Uma pintura com a estrela de Belém da natividade e os contornos de uma estalagem? Parece, A estrela de vergina como inspiração? Talvez.A descoberta ocorreu por ocasião da substituição de uma tela do altar da Senhora da Piedade Após ter sido fotografado o fresco terá sido objecto de intervenção por... trabalhos de trolha.Será que ainda vamos a tempo de alguma recuperação?É deveras singular a circunstância de ter existido em Constância uma estrela de vergina. Sabe-se que a sua utilização até aos anos 70 do século XX se resumia a elementos decorativos. Ora, este ícone religioso em Constância, aparenta ser mais do que isso. Um símbolo religioso? Da Virgem Maria? O Sol (Jesus)? O fresco será da Natividade? Há que estudar o assunto. E inserir este tema na história da nossa igreja. A cristianização de um símbolo da realeza macedónica?A estrela andara associada, no cristianismo, à Virgem María.A nossa fonte informou-nos existir reporte no Instituto José Figueiredo, nomeadamente, da descoberta e intervenção posterior.Sabe-se que até ao início do século XX existia na vila uma tradição directamente ligada à Natividade: a do Menino Jesus. Todos os anos o Menino era entregue a uma família onde eram confeccionadas vestes bordadas a ouro. E a imagem ia passando de casa em casa. A última festa foi em grande. Dela tive conhecimento pela filha do anfitrião, no caso a minha prima Maria do Céu Pirão. O seu pai, António Pirão, curiosamente, era ateu.
José Luz
José Luz, Presidente do C.Fiscal da Associação da Casa-Memória de Camões,
impugnou através de um processo cautelar a modificação de Estatutos desta Casa, proprietária do mais importante pólo cultural da Vila.
Como se recordarão (o assunto foi aqui amplamente tratado) a autarquia alterou os Estatutos da Associação, em reunião de Câmara e da Assembleia Municipal, sem ter competências para isso.
O processo andou em bolandas do Tribunal Comercial de Santarém, para o Tribunal Cível de Santarém e agora para o Tribunal Cível abrantino, onde houve o chamado julgamento de preceito. Isto é, a juíza de Abrantes anulou a convocação do julgamento em si, causando surpresa.
Convém explicar o que é um procedimento cautelar, é um processo especial, que passa à frente dos outros, por motivos de urgência e onde o Juiz pode decidir se, face a um perigo eminente, suspende determinadas actuações.
Depois, regra geral, haverá outra acção em que se discute o fundamento da causa.
De novo se recorda, que a Direcção da Casa e a autarquia foram ‘’apanhadas’,’ numa acção de fiscalização, num ‘’negócio’’ ilegal de atribuição de subsídios, cujos contornos são desconhecidos, porque a autarquia não publicou o documento da Inspecção, nem abriu nenhum inquérito para responsabilizar os envolvidos no ‘’negócio’’.
A alteração dos ‘’Estatutos’’ visava legalizar o pagamento de subsídios ilegais por parte da Câmara (a associação nunca percepcionou essas transferências como contratos-programa).
A elaboração de contratos-programa entre a Câmara e a Direcção da Associação é coisa recente e nunca terá sido apresentada ao Conselho Fiscal e à Assembleia em termos claros e formais. Até porque o município sempre transferiu verbas através de protocolos. A qualidade de eventual associada da câmara não é matéria clara. Até porque vieram a correr pagar quotas de uma carrada de anos…
O tribunal cá da terra apesar de encontrar múltiplas irregularidades no funcionamento da Assembleia Geral, desestimou a providência cautelar , quanto a nós com um raciocínio errado.
Vejamos algumas das irregularidades apuradas:
Não houve convocação dos sócios regular nem o José Luz foi convocado ou recebeu os documentos da ordem de trabalhos. É o que está provado pelo tribunal.
‘’ E também se verifica que dois sócios incumbiram outro sócio de exercer o direito daqueles ao voto, sendo que o artigo 181.º, n.º 1, in fine, do Código de Processo Civil, não admite a votação por representação. Por outro lado, a Assembleia Geral Extraordinária deliberou acerca da alteração aos estatutos da requerida em primeira convocação, não estando presentes metade dos seus associados, uma vez que, das actas juntas, resulta claro que se encontravam presentes apenas 11 associados, sendo o total de associados 49 (cfr. artigo 175.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). ‘’
Para alteração dos estatutos duma Associação impõe, cauto, o Código Civil, que 4/5 dos sócios presentes na AG aprovem essa disposição, coisa que não verificou.
A qualquer observador salta à vista que o caracteriza um associação, é que ela é produto do mandato constitucional de liberdade de associação e que a municipalização duma associação independente termina por violar essa Liberdade, que a CRP defende.
E o que resulta, em termos políticos e práticos das tentativas desastradas da autarquia citada, é tentar controlar um património que não é seu, comandar uma associação, que passará a navegar ao sabor dos caprichos dos caciques e que isto será mais um passo para asfixiar a Liberdade em Constância.
E mais uma forma duma autarquia fugir à fiscalização das suas contas, arranjando uma associação como departamento fantasma da edilidade, para prosseguir as suas actividades.
O José Luz diz que está disposto a levar este assunto até ao fim, isto é pelo menos até ao Supremo.
Ao fazê-lo, presta-nos a nós e a Constância um serviço inestimável. Contribui, à sua custa ( as despesas forenses não são brincadeira) , para que a Democracia seja reforçada e vida local mais sã.
Por isso, agradecemos-lhe a coriácea resistência.
Precisamos de mais gente com a fibra do Zé e de menos afilhados do caciquismo, sempre prontos a obedecer ao patrão.
ma
Moradoras gentis e delicadas
Do claro e áureo Tejo, que metidas
Estais em em suas grutas escondidas....
(Camões, Sonetos VIII)
contemplai como o Tribunal de Abrantes dá razão a José Luz e mete em ridículo os caciques no processo da Casa de Luís Vaz, na sua Punhete,
Moral da história:
A fera, que é mais fera, e o leão
Sempre acha outro leão, sempre outra fera...
(Camões, Éclogas V)
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História
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montalvo e as ciência do nosso tempo
Instituto de História Social (Holanda)
associação de defesa do património santarém
Fontes de História Militar e Diplomática
Dicionário do Império Português
Fontes de História politica portuguesa
história Religiosa de Portugal
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Ilhas
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