O Zé Luz dá-nos a conhecer outra página da história da velha Punhete, de que é o grande cronista:
Na Vila de Constância existe um Cruzeiro associado ao antigo «Passo» da Via Sacra, a carecer urgentemente de obras de restauro. Defronte, ergue-se a Capela de Santa Ana, que vai servindo de «Casa Mortuária» pois a sede do concelho não tem sequer esse serviço social. É sobre este conjunto patrimonial «Capela-Cruzeiro» que versa a presente crónica.
Até aos anos 70 havia a tradição das grávidas na vila de Constância acenderem uma candeia a Santa Ana, «por um bom parto». A festa de Santa Ana remonta a épocas passadas havendo registo da festa anual a Senhora Santa Ana em Junho, como se pode observar num título de autorização do administrador geral interino do distrito, datado de 10 de Outubro de 1837, há portanto 184 anos. O documento reporta-se ao orçamento da despesa da «Confraria de Santa Anna». Para além da festa, faz-se referência a “oito missas annuais a cento e vinte reis “, a ” cêra”, destinando-se uma verba “para ultimação de camarim ou tribuna”. Tudo orçado em mais de 32 mil reis. No dia de Santa Ana sempre houve memória da realização da Santa Missa na Capela de Santana. Assina o título em 1837, nomeadamente, Manoel Nunes Freire da Rocha. A capela é-me muito familiar porquanto passei a minha infância e adolescência por ali, paredes meias. Ouvia por vezes dizer que fulana veio acender uma candeia a Santa Ana. Mas quem se recorda bem dessa tradição é a vizinha Mª Helena, filha do Zé Fona.
Na capela sempre se celebrou o tremendo e Sacrossanto Sacrifício no dia 26 de Julho, dia de Santa Ana. Havia na nave da antiga ermida dois ou três bancos antigos para os parcos fiéis que vinham assistir, verdade seja dita. Eram poucas as ocasiões em que se abria o templo. Uma delas era por ocasião da Festa de Nossa Senhora da Boa Viagem em que se preparavam e vestiam os anjinhos na sacristia, os quais rumavam depois em procissão à igreja matriz. Mais recentemente e antes do «Covid 19», partia daqui a procissão dos Ramos (a tradição existente, contudo, é a da realização desta procissão à volta da matriz!).
Havia na capela relíquias de santos embutidas no centro de pedras de altar. Bem lá as vi nas gavetas da velhinha sacristia e isso ouvi da zeladora Maria José Cardoso Fonseca que de tudo cuidava com carinho.
A Capela de Santa Ana serviu de sede da Irmandade dos Clérigos Pobres (S. Pedro Advincula). Em 1798 a Irmandade foi transferida da Igreja paroquial de São Julião
onde estava instalada desde 1672, para esta ermida. Esta informação consta do livro da respectiva Irmandade – obra rara e riquíssima em iluminuras – segundo os apontamentos manuais do cronista Joaquim Coimbra a que acedi na minha juventude, por privilégio.
É sabido que em 1625 já havia referência à «Senhora de Santa Ana de Punhete», segundo o testamento do padre Manuel Carvalho Barreto, documento constante do espólio da Misericórdia, o qual está depositado no arquivo distrital. A Capela aparece por vezes referida como «ermida» o que se percebe. O vila desenvolveu-se perto dos rios. Mais acima da Capela e numa rua contígua existia a «Casa da Roda» onde morava antigamente a família do meu pai, casa histórica mandada demolir pela CMC nos anos 90. Era do reinado de Dom Duarte segundo ouvia a minha bisavó dizer a pessoas eruditas e mo contou o meu pai. O local ermo justifica a «ermida»? Creio.
Aquando da Implantação da República foram destruídos os «Passos» da Vila, da Via Sacra. O cronista Joaquim Coimbra situa um dos Passos, precisamente, em Santana. Será que o vetusto Cruzeiro ainda existente mesmo defronte da Capela (mal tratado pelo tempo e pelos homens) integrava essa «Via Crucis»? Construído no caminho da então Real Igreja de Nossa Senhora dos Mártires (igreja da Confraria da dita invocação que só em 1822 passou a paroquial), este padrão público (?) poderá ser mais do que um símbolo da jurisdição paroquial ou termo de propriedade e prova de domínio (a capela aparece em textos antigos como ligada à paróquia). Não é incomum haver Cruzeiros no caminho do Calvário (Constância lembra um presépio vivo).Deixemos a análise arquitectónica para os entendidos. O que é certo – segundo o historiador local – é que ali havia um dos «Passos» da Via Sacra. O Cruzeiro não pode ser excluído desta realidade. Não há como o fazer.
Na vila (sede de concelho), lamentavelmente, não existe sequer casa mortuária e desde há vários anos que a Capela de Santa Ana faz essas vezes. O Cruzeiro assume assim renovado significado, de santificação do local daqueles que em vida acreditaram na Ressurreição, sem ver, A cruz, no cimo da coluna, ergue-se a lembrar aos vivos, a esperança desse milagre maior.
Não se conhecem dados ou legenda sobre esta edificação do Cruzeiro. Em pequeno eu e outras crianças bem tentávamos encontrar alguma legenda na base pois estávamos habituados a ver legendas nalgumas pedras do adro mais acima. A memória do povo de Constância não deixa de estar reflectida neste conjunto patrimonial Capela-Cruzeiro. A Junta de Freguesia através do anterior presidente João Baião da Silva ainda procedeu a alguma conservação do monumento. O município, actualmente, não estará sensibilizado para as questões de defesa deste tipo de património, de carácter misto, isto é, político-social e religioso: o Cruzeiro, «pelourinho» e cruz visível dos homens-caminhantes (?).
Nos anos 70 acompanhei o meu irmão na elaboração de uma monografia dos templos da vila, trabalho de curso da Escola Superior de Belas Artes e a pedido da CMC, era então presidente da edilidade Fernando Morgado. Fiquei desde logo sensibilizado para a importância e valor dos nossos monumentos locais.
No dia 25 de Abril de 2013 dei conhecimento por escrito e pessoalmente à Câmara Municipal de Constância da existência do espólio documental que então se encontrava na parte traseira do altar-mor da capela (ver foto), no sentido da sua eventual preservação e recuperação. A empresa que na altura estava a proceder à recuperação da capela levou dali o retábulo, desmontado, no interior do qual estavam os documentos então fotografados. Nunca mais vi os documentos e a paróquia deles não tem paradeiro (houve mudança de pároco nesse ano). Na altura reparei que os documentos estavam muito secos e o seu manuseamento exigia uma técnica especial sob pena de se destruírem facilmente.
Em 1985 o grupo de teatro da paróquia cuja comissão integrei (da mesma faziam parte, Maria José Falcão Themudo de Castro, Gina e Arminda Tavares e o pintor Fernando Santos) organizou um sarau cultural em benefício da Capela de Santa Ana.
O espectáculo rendeu algumas centenas de contos. Deu para pagar a porta nova da Capela. Nessa ocasião conseguimos ainda algumas carpetes e sofás. Os cenários do sarau teatral foram graciosamente pintados pelo pintor Alexandrino Santos. Os textos eram da minha autoria. Um dos actores da pequena revista encenada era o pintor Fernando Santos que fazia de padre e que já tinha sido agraciado pelo Papa João Paulo II. Eu vi o documento da Santa Sé relativo ao sr Fernando por causa dos restauros executados na matriz durante o mandato de Dom Agostinho.
Naquela altura também ensaiava no cine-teatro o grupo teatral do CEV o qual eu também integrava. Não foi fácil fazer perceber a certas mentes que se tratava de iniciativas bem distintas e legítimas. A quermesse dentro do próprio teatro foi um modelo em que apostámos e que deu certo. O padre João Vermelho nem se importou com as cenas que criei dentro da própria “missa” afinal o bolo final ia para a paróquia…Uns anos mais tarde, em 15 de Abril de 1990 ou 1991 (?) realizou-se na Capela de Santa Ana um concerto pelo Coral «La Passion» dirigido por mim. A Capela ficou bem recomposta de participantes.
Nas fotos que acompanham este texto podem observar-se a pia de água benta e a pia/lavatório da sacristia.
Existiam na Capela três retábulos oferecidos para esta ermida pelo Comendador José de Sousa Falcão que ali permaneceram até 1978 altura em que alguém os levou para a igreja matriz: Baptismo de Jesus, Coroação da Virgem e Morte de São Joaquim. O Comendador dizia-os de origem espanhola (´seculo XVI-XVII).
A Capela de Santa Ana e o Cruzeiro são monumentos de linhas simples que se atravessam no caminho dos homens e que conferem ao local um enquadramento fantástico.
José Luz
(Constância)
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