Em meados dos anos 60 concentram-se, no Hotel Turismo de Abrantes, um punhado de estranhos clientes. Homens, de várias nacionalidades, alguns deles tatuados, de aspecto marcial, que esperam ordens.
Maria de Lourdes Brandão de Mello
A impaciência vai-se acumulando, entre estes operacionais, entre os quais encontramos ex-oficiais de vários exércitos, todos eles com vasta experiência em campanhas anti-subversivas, em várias partes do mundo.
A Indochina, o Iémene, a Argélia, a Malásia dos anos 50, tinham-nos visto em acção.
A vida provinciana duma pequena urbe enerva estes homens que esperam jogar a vida na próxima batalha.
Eram quase todos belgas e falavam flamengo, mas havia franceses, como um certo Jacques Cook, nascido no Laos (1).
E veio a ordem, partiram para uma nova aventura zairense, defendendo de novo Tshombé.
A estadia e a descrição de alguns dos ''soldados perdidos'' (como diria Jean Lartéguy) é feita pela escritora Maria de Lourdes Brandão de Mello no seu livro de memórias ''A Casa da Barca'', indispensável e magnificamente escrito para evocar mais de meio século de vida abrantina..
Objectivamente, como é conhecido, o Portugal salazarista foi um interlocutor privilegiado de certos interesses, nestas aventuras africanas. Especialmente da França gaullista.
mn
(1) obra citada
O blogue Paz do sr. Humberto Pinho da Silva recorda a escritora abrantina Tereza de Melo.
Obrigado!
mn
A artilharia lusa foi famosa e as inovações técnicas introduzidas pelos seus artilheiros garantiram o domínio português no Índico durante uns 200 anos. Abrantes foi uma praça militar com um Castelo ocupado por artilheiros. Mas não restam canhões na cidade para lembrar esse passado e arrasa-se ignaramente o que resta da nossa memória artilheira no Castelo, como se verá.
Entretanto foi à praça, num leilão de Lisboa, o último canhão abrantino, que estava numa colecção privada, a do sr. dr. João Castro e Solla Soares Mendes.
Pediam 60.000 euros por ele, não sei que destino teve.
Na 1ª Guerra Mundial a artilharia abrantina, com homens como Abel Hipólito marcou sonora presença
Entretanto encomendam planos caros de turismo militar e o último canhão abrantino foi à praça.
Encostada a este canhão assinou Tereza de Mello uma petição para salvar S.Domingos dum atentado pimba. Vai para ela o post.
O que escreveu sobre o cubo de Carrilho da Graça foi a última salva deste canhão.
E deixou em escombros a plebeia arquitectura municipalizada.
ma
A minha querida Tereza de Mello foi com o marido, João de Castro e Solla Soares
Mendes a um bar.
Chamava-se Botequim e reinava, divina e promíscua, a Natália.
Era a Natália Correia e nesse dia não estava lá a Maria de Lourdes a dar de beber à dor de o povo a ter mandado à merda, nas presidenciais.
Já não me lembro do nome da pianista que ao mesmo tempo cantava:
voava, voava
Entre uísques e gins, Natália dirigia o coro:
a filha da puta nunca mais se cansava........
A Ermelinda Duarte escreveu:
Uma gaivota voava, voava,
asas de vento,
coração de mar.
Como ela, somos livres,
somos livres de voar.
mas Cunhal também disse a 26 de Novembro de 1975
o filho da puta do galo de Barcelos nunca mais se cansava.....de voar
mn
sobre a vida nocturna da Virgem Consagrada da Rua da Sardinha transcreverei aqui a crónica que o prova e o que lhe disse a Natália, que não a mandou dedicar-se ao truca-truca
Truca-Truca
Já que o coito – diz Morgado –
tem como fim cristalino,
preciso e imaculado
fazer menina ou menino;
e cada vez que o varão
sexual petisco manduca,
temos na procriação
prova de que houve truca-truca.
Sendo pai só de um rebento,
lógica é a conclusão
de que o viril instrumento
só usou – parca ração! -
uma vez. E se a função
faz o orgão – diz o ditado –
consumada essa excepção,
ficou capado o Morgado.
Sabiam que havia um albergue para peregrinos que iam a Santiago de Compostela em Abrantes?
Nenhum dos guias da cidade o indica.
Está na foto, se bem me lembro foi comprado no Alto Minho por João de Castro e Solla Soares Mendes e pela sua mulher Tereza de Mello (a escritora que mandou a D.Céu construir cubos noutro lado que não S.Domingos), desmontado e reconstruído aqui.
Não está classificado e é desconhecido pelas autoridades.
O dr. Soares Mendes não deixava qualquer indígena visitar-lhe a Quinta.
Deixou-nos um exemplo de grandeza e amor ao Património.
Foto com a devida vénia da página do Sr.Bernardo Brandão de Mello e da sua unidade turística.
ma
O historiador que se encontrou em 4º lugar no ranking da gloriosa escola histórica do Souto definiu certa vez o dr. João Castro e Solla Soares Mendes como ''fascista'' e ''latifundiário''.
O homem é dado ao políticamente correcto.
Não disse ''fascista'' disse ligado ao antigo regime.
Não disse ''latifundiário'' mas disse qualquer coisa como grande proprietário rural.
Numa versão recente, revista e corrigida, da revista da seita, aproveitou as nossas lições à borla e lá disse que João Soares Mendes era um industrial.
Mas continuou a considerá-lo um ''fascista''.
Não conseguiu o homem mostrar uma só prova da admiração ou ligação de João Soares Mendes à Ditadura.
O dr. João Castro e Solla Soares Mendes de que falamos foi um aristocrata pelo sangue materno e paterno mas sobretudo foi um aristocrata do espírito.
A indústria deve certamente muito ao empresário que conseguiu manter a funcionar as Fundições do Rocio de Abrantes em pleno Prec, enquanto as falências se multiplicavam graças à crise económica e ao Prec.
Quem tem boa memória lembra-se do que sucedeu aos Investimentos ousados da fábrica de reboques Bioucas, já no concelho de Constância, onde está hoje a Tuperware.
E não é preciso ter grande memória para sabe o que sucedeu à MDF. Ou ao Jota Pimenta......
Pois bem, João e Amadeu Soares Mendes em plena recessão e em anarquia revolucionária mantiveram em funcionamento uma unidade de indústria pesada com mais de uma centena de trabalhadores.
Se isso não é ser bom empresário e merecer a gratidão dos abrantinos, estamos todos certamente a nadar num mar de ingratidão.
Mas, João Soares Mendes foi um homem dado ao mecenato, à preservação das memórias abrantinas e chegou a ser (como hobbie) antiquário, com estabelecimento aberto ali para a bandas da Rua de São Pedro.
Amador de coisas belas foi um grande coleccionador de arte e se a sua colecção não chegou a um Museu Abrantino, podem agradecer a humilhações e favoritismos municipais, que magoaram a sua viúva, a escritora e apoiante da petição, Tereza de Mello, que aliás protestou nas páginas dum jornal local contra esses favorecimentos mesquinhos.
Como exemplo do mecenato do Dr .João Soares Mendes e da sua Família recordamos este altar da Igreja de São João, por ele doado, embora lá figure una lápide com o nome dos seus Pais.
Aspecto parcial do altar referido foto da D.G.M.N.
Parte da colecção de arte do Dr. João Castro Solla Soares Mendes vai agora do dia 15 a 18 a Leilão na prestigiado Palácio do Correio-Mór e é possível através da Net ter acesso ao catálogo das peças.
Dizem-nos que o dinheiro obtido será destinado a obras benéficas por vontade da Escritora Tereza de Mello e naturalmente pelo respeito a essa vontade manifestado pelos seus Herdeiros.
Lote | 0191 |
Descrição | Salva e gomil em prata portuguesa, trabalho da primeira metade do séc. XVIII. Gomil com corpo liso em forma de balaústre com bocal largo, terminando em bico, com asa em forma de 'S' estilizado. Salva lisa de bordo moldurado com centro circular alteado com encaixe para o gomil. Ambas as peças com marca de contraste de Lisboa (L-24), datável de c.1720 a c.1750, marca de ourives ourives F/M.R. (variante L-249), de Manuel Roque Ferrão, datável de c.1720 a c.1770. Sinais de uso e gomil com amolgadelas no bojo. (2) Peso aprox.: 1546 gr.; Diam. aprox.: 33,5 cm. Ewer and salver, Portuguese silver, first half of the 18th century. |
Notas | Salientamos a invulgar proporção deste gomil, que se inspira em modelos mais recuados, de desenho simples, obra do importante ourives de Lisboa, Manuel Roque Ferrão. O Museu Regional do Abade de Baçal, em Bragança, tem um gomil muito semelhante na sua colecção, embora de maiores proporções e com a gravação das armas episcopais de Frei João da Cruz. Na colecção da Sé de Angra do Heroísmo, Açores, existe um gomil semelhante, na forma e propoção. |
Proveniência | Antiga Colecção Dr. João Castro Sola Soares Mendes. |
Estimativa | € 8.000 / € 12.000 |
A peça que reproduzimos, com a devida vénia, do excelente Catálogo do leilão, demonstra a qualidade e os gostos da colecção do Dr. João Soares Mendes, um apaixonado pelos trabalhos da prata portuguesa do século XVIII.
O Por Abrantes apela aos coleccionadores abrantinos e às autoridades municipais que licitem no leilão, para impedir que estas obras saiam de Abrantes e ao mesmo tempo para que se enriqueça o MIIA.
Uma Câmara que pagou 5.600 € por uma medalha de oiro dos anos 60 mais umas papeladas do Dr. Agostinho Baptista, não tem desculpa para deixar fugir estas peças
Miguel Abrantes
Um dos últimos actos cívicos de Tereza de Mello foi a assinatura da petição contra o pedregulho do Carrilho.
Pouco depois uma morte súbita surpreendia a Escritora na sua casa da Quinta de São João em Abrantes.
Tivemos acesso a um dos seus últimos textos inéditos que não resistimos a publicar.
- A MINHA TIA LOURDES
TEREZA DE MELLO
Quando nasci chamara-me Maria de Lourdes e eu não reclamei. Era-me indiferente que me chamassem Maria de Lourdes como me seria indiferente que me chamassem Aurélia, Gertrudes ou até Raimunda
Quinze dias depois, dentro dum complicado vestido comprido e cheio de rendas, baptizaram-me, na igreja, definitivamente com esse nome. Ficou a fazer parte de mim, da minha alma, da minha vida, confundido comigo.
Mais tarde, deitada no berço, corada, cheia de febre, sempre a chorar, afligi muito os meus pais que não me largaram um instante. Porém, os remédios e os médicos acabaram por vencer aquela luta contra a morte que me ameaçava.
Fui crescendo e, como todas as crianças, fiz a primeira gracinha, tive o primeiro dente. Aprendi a andar, primeiro de gatas, depois de pé amparada aos moveis, e por fim dava grandes passeios pelas salas, partindo tudo.
Mas, quando cheguei ao uso da razão, detestei o nome e, indignada, quis saber o motivo daquela infeliz escolha. Se fosse em memória da Mãe de Deus, bastava que me chamassem Maria. Maria e mais nada. Mas não, lá vinha o embirrento Lourdes a seguir.
Então explicaram-me que tinha sido em memória de uma irmã de meu Pai que tinha morrido antes de eu nascer.
Amaldiçoei a tia e as pieguices sentimentais da família.
Mais tarde, quando estava para casar, deram-me vários objectos que lhe tinham pertencido: um sinete, colheres de chá e o seu retrato pintado a óleo. Arrumei tudo ao pé dos outros presentes e, entusiasmada com a vida que me esperava, nunca mais pensei neles.
Só depois passados tempos, já instalada na minha nova casa, me tornei a lembrar das coisas da tia Lourdes. Guardei as colheres e o sinete e fui buscar o quadro.
Andei com ele às voltas sem saber onde o colocar. Por fim escolhi a parede principal que dominava toda a sala. Pendurei-o por cima dum velho cravo há muito silencioso, defronte do meu sofá predilecto. Assim comodamente instalada, podia observar o seu vestido cor de rosa , os seus grandes olhos castanhos, a boca bem desenhada, semiaberto, num sorriso que mostrava os dentes muito brancos e certos.
O meu marido passava os dias fora a trabalhar como engenheiro na construção duma barragem. Só vinha a casa nos fins de semana.
Assim, sozinha, numa cidade estranha onde não conhecia ninguém, fazia tricot, lia , mas sentia uma necessidade enorme de falar. Faltavam-me os meus irmãos e as minhas amigas que enchiam a casa dos meus pais. Habituada como estava a falar pelos cotovelos , acontecia dar por mim a pensar alto, a falar sozinha.
A tia Lourdes, no seu quadro, sorria-me compreensiva. Era a minha única companhia sempre presente
Para me desforrar, escrevia às minhas amigas, e quando lacrava as cartas, com o seu sinete, ficava esquecida a rola-lo nas minhas mãos, olhando-o, fazendo conjecturas, imaginando outras cartas, as cartas que a tia Lourdes teria lacrado com ele. Então entre nós nascia uma ligação estranha que eu não conseguia definir nem afastar.
Chegava o lanche. Parava com a minha correspondência. Comia a primeira torrada e enchia a xícara com o chá muito forte. Deitava o açúcar e mexia-o com uma das colherinhas que fora da tia Lourdes. Lá estavam as suas iniciais que eram também as minhas… Esquecia-me do chá e das torradas ficava a olhar aquelas duas letras bem esculpidas, de novo emocionada.
A tia Lourdes tornara-se numa obsessão. Passei a falar com ela em grande intimidade, desabafando o que me afligia ou entusiasmava.
A tia Lourdes era um ídolo que eu revestia de todas as qualidades, mas nada sabia ao certo dela. Nunca me tinha interessado por isso. Só depois em virtude do uso das suas coisas, sentia necessidade de conhecer a sua vida: como tinha sido, o que pensara, o que sentira. Tinha que descobrir, não me conformava já
com as minhas invenções.
Nessa altura estávamos no Verão e os meus pais como de costume, tinham ido passar esses meses na quinta que tinha sido de meus avós. Decidi aparecer-lhes de surpresa. Talvez eles me ajudassem.
Quando cheguei, não encontrei ninguém. Só voltavam para jantar. Corri a casa de ponta a ponta a matar saudades. Lá estavam na parede do meu antigo quarto de dormir a marcar as minhas sucessivas alturas. Encostei-me à parede, estava na mesma, da altura do último risco. Corri pelos corredores, pelos salões, espreitei a casa de jantar, a cozinha, a copa, e por fim fui para uma das salas fazer horas. Sentei-me e só então me lembrei do sótão… Como é que nunca me tinha lembrado dele ?
Levantei-me num pulo, subi as escadas em caracol, empurrei a porta que rangeu e entrei devagarinho, religiosamente como num templo.
Havia muitos anos que estava fechado. Nunca ninguém lá ia. Encantou-me o seu mistério que cheirava a mofo. Senti presenças ocultas. Olhei em volta: apenas as aranhas imperturbáveis a fazerem as suas teias. As suas teias rendadas, complicadas, e brilhantes do sol que entrava por uma frincha duma telha partida. Eram tão bonitas… Fiquei a olhá-las encantada e quase esquecida da minha tia Lourdes. À minha volta cadeiras partidas, sofás fora de uso, telas rasgadas, candeeiros de petróleo, rimas de revistas de 1900, baús, arcas.
Fui-as abrindo ao calhar: bonecas decepadas, sapatos de cetim minúsculos, feltros velhos, tudo muito bem arrumado, cada qual no seu cantinho.
Desanimada, sentei-me no chão a ganhar coragem. Depois abri outra arca: plumas, missangas, rendas e vestidos de outras épocas. Comecei a tirá-los, remexi tudo e, santo Deus, lá estava o vestido cor de rosa …Era de seda grossa bordada, a saia muito rodada, o corpinho justo e decotado, as mangas pelos cotovelos.
Não resisti a vesti-lo. E nesse momento, senti-me confundida, estranha, como se deixasse de ser eu e apenas fosse a continuação de uma outra vida que voltava.
Ao passear pelos quartos esconsos, baixando a cabeça para não bater nos tectos e ouvindo o frufru do meu vestido, encontrei uma caixa de música. Dei-lhe corda e começou a tocar. Sentei-me num canapé, encostei a cabeça nas suas costas, recebi a música, fechei os olhos e senti-me a recuar no tempo.
Comecei a ouvir burburinhos ao longe. Vozes indistintas aproximavam-se. Alguém me pedia para dançar. Olhei. Um senhor de casaca, esperava se mi debruçado, como numa vénia, sobre mim. Levantei-me e, enquanto recopiávamos por entre os outros pares, todos vestidos à moda de 1900, ouvi divertida os seus elogios, mas não deixava de estar emocionada. Era contagioso tanto entusiasmo nos seus projectos comigo. Projectos imaginários, em que eu não podia colaborar. E sofria duplamente por isso; por mim e por ele que não dsistia.
Brilhavam velas acesas nos lustres pendurados nos tectos de masseira . à volta do salão, sentadas em cadeiras douradas, senhoras decotadas e carregadas de jóias cochichavam por detrás dos leques de madre pérola.Senhores em pequenos grupos, discutiam politica e falavam de caçadas.
As velas iam ardendo, diminuindo
Caiu-me um pingo de cera numa das mangas do vestido. Continuávamos a dançar. Agora calados, divagando absorvidos.
A musica tocava cada vez mais devagar, mais devagar. Cada nota ficava suspensa, parada… Acabava a corda da caixa de música. E eu voltava à realidade. Esfreguei os olhos, atordoada. Estava exausta, como se tivesse vindo de muito longe … de muito longe.
Levantei-me cambaleando e recomecei as minhas buscas. Só me faltava ver um pequeno baú que coloquei em cima do canapé onde me voltei a sentar. Tinha perdido já todas as esperanças de descobrir alguma coisa. Abri a tampa, desinteressada, e fiquei sem respiração.\Atados com uma fitinha, imensos retratos, todos da tia Loudes. A tia Lourdes a fazer ski na Suiça, a tia Lourdes a saltar a cavalo, a tia Lourdes a tocar guitarra, a tia Lourdes com uma espingarda, e penduradas à volta da cintura, uma porção de perdizes, a tia Lourdes no seu primeiro baile com o vestido cor de rosa.
Emocionada, procurei melhor. Bilhetes postais ilustrados, agendas e o seu carnet de baile, o seu diário, pouco a pouco, foram-me revelando magicamente a sua vida.
A tia Lourdes fazia versos, sonetos apaixonados, tristes, melancólicos, às vezes irónicos e revoltados.
A tia Lourdes tinha dançado no seu primeiro baile, muitas vezes, com o mesmo senhor. A tia Lourdes tinha colado no fim do seu diário, como um epilogo, pequenos recortes de jornais com a vida desse senhor: a sua entrada para a Faculdade, os exames que passara, o fim do curso, os livros que escrevera e a partida para Africa.
O seu diário era uma obra prima de literatura que eu lamento não poder transcrever. O medo de uma inconfidência deixará guardados e escondidos no pequeno caderno de capa de oleado preto, os seus desabafos, a sua alma sensível e romântica.
Mas a tia Lourdes estava doente. Muito doente. Não enganavam aquelas receitas médicas e os gráficos de febre que encontrei a seguir.
Então, aterrada, como se o passado fosse ainda presente, assisti ao desenrolar de um drama que eu queria actualizar para poder ainda ter esperanças. Procurei melhor. Meti as mãos nervosas por entre a papelada, mas nada mais descobri.
Acendi um cigarro desanimada. Fiquei a olhar o fumo muito azul que se espalhava no ar. Distraída, a pensar na tia Lourdes, deixei-o arder sem o fumar foi quando caiu um morrão de cinza na manga do vestido cor de rosa. Ao sacudi-lo, os meus dedos ficaram sujos de cera …
Maquinalmente peguei numa ilustração que estava em cima de uma mesa e comecei a ler os acontecimentos dessa época. Falavam dos reis, duma festa no Paço, dum crime na travessa do Poço dos Negros.
Voltei a folha. Os meus olhos embaciaram-se. Quase não conseguia ler aquelas duas notícias escritas lado a lado. Agora, que a tia Lourdes era para mim uma realidade bem presente e não só o ídolo que eu inventara, agora que a tinha encontrado não queria, não me resignava a perde-la. E no entanto assim era. Tinha sido há muito tempo: em 1904. A sua morte aos vinte anos. A sua morte e a do seu amigo que tendo acabado de chegar de Africa, intrigado com aquele enterro tão sentido, e com tamanho acompanhamento, ao saber de quem era, não resistiu ao choque e à síncope que logo o vitimou.
TEREZA DE MELLO - Escritora, Lisboa ( faleceu em Outubro de 2009)
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