Quinta-feira, 28.01.21

O Público analisa o escandaloso caso dum testamento impingido a um demente por uma quadrilha de burlões. 

Há anos, no Pego,

'' 

F e G acompanharam H na altura em que foi lavrado no Cartório Notarial de Abrantes, o referido testamento;

F e G acompanharam H ao Cartório Notarial de Abrantes;

H nem sempre comia às horas normais;

Não conseguia subsistir por si, sem a ajuda de terceiros, nomeadamente de E;

Tendo dificuldade em movimentar-se;

H chegava a andar descalço pelas ruas;

Em estado de sujidade e de falta de higiene;

H vivia numa casa que não tinha água nem luz eléctrica;

O tecto da casa onde vivia H estava degradado;

H chegou a dormir no mesmo compartimento dos animais;

E comprava e dava ao seu tio bens essenciais;

H estava só, assim vivendo;''

Outorgara testamento no Cartório de Abrantes, revogando o anterior e deixando os bens só a certos sobrinhos.

Os prejudicados tentaram anular o testamento, por motivos óbvio, levando o caso até ao Supremo. Perderam.

leia o acordão 



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Quarta-feira, 07.05.14

 

      
   

02A4271

   
   

                                                                                                             

   

 

 

JSTJ000

 

PINTO MONTEIRO

 

ANULAÇÃO DE TESTAMENTO
  ÓNUS DA PROVA
  COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
  FORÇA PROBATÓRIA PLENA

    

    

 

SJ200302250042711

 

25-02-2003

 

UNANIMIDADE

 

T REL ÉVORA

 

2541/01

 

23-05-2002

 

S

 

1

    

    

 

REVISTA.

 

    

 

 

 

    

 

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I - A e marido B; C e marido D   intentaram acção com processo ordinário contra E; F; G, pedindo que se anulem   os dois testamentos efectuados por H.

Alegaram que o testador se encontrava   incapacitado de entender o sentido das suas declarações sendo, além disso,   alvo de coacção por parte dos directos beneficiários do último testamento.

Contestando, os réus sustentaram que o   testador se manteve até morrer no pleno uso das suas faculdades mentais.

O processo prosseguiu termos, tendo   tido lugar audiência de discussão e julgamento, sendo proferida sentença que   decidiu pela improcedência da acção.

Apelaram os autores.

O Tribunal da Relação julgou o recurso   improcedente.

Inconformados, recorrem os autores   para este Tribunal.

Formulam as seguintes conclusões:


  - Os Tribunais da Comarca e da Relação, não efectuaram correctamente a   interpretação (aplicando-a) de direito sobre o conceito de capacidade   previsto no artigo 2199º do C. Civil;
  - Mesmo que se entenda que a fizeram, reconduziram-na ao mero acto formal de   testar;
  - Não pode avaliar-se da capacidade do testador, em sentença que omite a   apreciação de "Relatório Médico para Avaliação de Incapacidade   Permanente", elaborado cerca de 26 dias após a realização do primeiro   testamento e cerca de 7 meses antes do segundo (e último);
  - Ao não se pronunciar sobre o relatório médico em causa, nenhuma das   sentenças analisou o circunstancionalismo anterior e posterior à   "feitura" do testamento, que permitia concluir qual a vontade real   do testador, servindo-se de todos os meios de prova admitidos pelo Direito,   como se impõe;
  - Só depois de analisada toda a prova e face ao direito invocado se poderá   concluir pela prova dos factos constitutivos, impeditivos, modificativos ou   extintivos, nos melhores termos da lei processual, por respeito dos   princípios da livre apreciação das provas, aquisição processual e da   contra-prova;
  - Com esta omissão a sentença e acórdão violaram os artigos 513º e 515º do   Código de Processo Civil, ao deixarem de pronunciar-se sobre questões que   deveriam apreciar;
  - Mormente, relatório médico junto aos autos que dispõe de força probatória   formal (artigo 374º do CC) e de força probatória material (artigo 376º do   CC);
  - Sendo certo, por este facto, que não foram apreciadas provas (não havendo   por isso qualquer erro da apreciação das mesmas) essenciais para a   interpretação e aplicação do artigo 2199º do C. Civil;
  - Não foram também sujeitas a qualquer exame crítico (por essencial) de que   aos julgadores cumpria fazer, violando o artigo 659º nº 3 do CPC.

Contra-alegando, as recorridas   defendem a manutenção do decidido.

Colhidos os vistos legais, cumpre   decidir.

II - Vem dado como provado:

Nos termos do testamento lavrado no   Cartório Notarial de Gavião a fls. 11 vº a 12 do livro 32J no dia 23.12.98 H   declarou que institui herdeiros de todos os seus bens seus sobrinhos E, G, A,   F, A, F e C, mais declarando ser aquele o primeiro testamento que fazia;

Nos termos do testamento lavrado no   Cartório Notarial de Abrantes a fls. 51 e 52 do livro nº 74 de testamentos   públicos no dia 12.07.99, H declarou que pelo presente testamento institui   por seus únicos herdeiros e universais, seus sobrinhos, em parte iguais, E, F   e G, revogando deste modo qualquer outro testamento feito anteriormente; do   mesmo testamento consta que este "foi lido ao testador e ao mesmo explicado   em voz alta e na presença simultânea de todos os intervenientes";

F e G acompanharam H na altura em que   foi lavrado no Cartório Notarial de Abrantes, o referido testamento;

F e G acompanharam H ao Cartório   Notarial de Abrantes;

H nem sempre comia às horas normais;

Não conseguia subsistir por si, sem a   ajuda de terceiros, nomeadamente de E;

Tendo dificuldade em movimentar-se;

H chegava a andar descalço pelas ruas;  

Em estado de sujidade e de falta de   higiene;

H vivia numa casa que não tinha água   nem luz eléctrica;

O tecto da casa onde vivia H estava   degradado;

H chegou a dormir no mesmo   compartimento dos animais;

E comprava e dava ao seu tio bens   essenciais;

H estava só, assim vivendo;

H faleceu em 14.02.00 na freguesia de   Pego, Abrantes.

III - Os autores pediram a anulação de   dois testamentos, por o testador estar incapacitado de entender o sentido das   declarações e ainda por ter sido exercida sobre ele coacção no que respeita   ao segundo testamento.

No acórdão recorrido (confirmando-se a   decisão da 1ª instância) a acção foi julgada improcedente.

Recorrem os autores.

Defendem a tese de que as instâncias   não analisaram correctamente a capacidade do testador, não apreciando nem se   pronunciando sobre todas as provas, designadamente sobre o relatório médico   junto aos autos.

É esta a questão a resolver.

No que respeita à capacidade   testamentária activa o princípio geral é o de que podem testar todos os   indivíduos que a lei não declare incapazes de o fazer (artigo 2188º do C.   Civil).

Sendo a regra a capacidade, constitui   a incapacidade uma excepção, devidamente delimitada no artigo 2189º do mesmo   Código. Fora dos casos aí enumerados - menores não emancipados pelo casamento   e os interditos por anomalia psíquica - todos têm capacidade para testar.

No caso de anomalia psíquica, único   aspecto que aqui interessa, haverá que distinguir entre os interditos e   aqueles que, mesmo sendo portadores de anomalia, o não estejam.

No caso da interdição está-se perante uma incapacidade de gozo e como   tal não suprível, sendo a nulidade a sanção para o testamento feito por   incapaz (artigo 2190º do C. Civil).

Não existindo interdição, e uma vez que relativamente ao testamento só os   interditos por anomalia psíquica são directamente considerados incapazes, não   há incapacidade testamentária.

Poderá, contudo, o testamento ser   anulado verificando-se a chamada incapacidade acidental.

O actual Código Civil regula essa   incapacidade conjuntamente com as várias hipóteses de falta ou vícios da   vontade na declaração negocial (artigo 257º do CC).

Atenta a especificidade do testamento,   como negócio jurídico unilateral não receptício e estranho ao comércio   jurídico, a lei contempla regulamentação própria no artigo 2199º do referido   diploma.

Aí se estipula que é anulável o   testamento feito por quem se encontra incapacitado de entender o sentido da   sua declaração ou não tenha o livre exercício da sua vontade por qualquer   causa, ainda que transitória.

Não se exige aqui, contrariamente ao   que determina o mencionado artigo 257º; que tais factos sejam notórios ou   conhecidos do beneficiário. Isto porque "não há que proteger   substancialmente as expectativas de um declaratário, mas prioritariamente   preservar a liberdade e a vontade real do testador" - Prof. Capelo de   Sousa - "Lições de Direito das Sucessões", I, 4ª edição renovada,   2000, pág. 185.

A incapacidade acidental tanto pode   respeitar à falta de entendimento como de querer e tanto pode ser transitória   como duradoura. Essencial para a sua verificação é que a mesma origine uma   falta de entendimento, não entendendo o testador o que declara ou emitindo a   declaração sem o livre exercício da sua vontade, sendo certo que em condições   de normalidade não quereria a mesma coisa.

Face ao alegado na petição era   necessário que se provasse que no momento em que o testamento foi realizado o   testador se encontrava privado das suas faculdades mentais.

Essa prova, segundo a regra geral do   ónus da prova, consagrada no artigo 342º nº 1 do C. Civil, devia ser feita   por aquele que invoca a incapacidade acidental, ou seja no caso, pelos   autores.

As instâncias concluíram pela ausência   de tal prova.

Diga-se desde já que, face à   factualidade que consideraram provada, concluíram bem, não podendo este   Tribunal sindicar os factos apurados.

Como é sabido, ao Supremo, como   Tribunal de revista, só cumpre, em princípio, decidir questões de direito e   não julgar matéria de facto.

A apreciação da lei adjectiva só é   possível dentro de apertados limites.

O erro na apreciação das provas e na   fixação dos factos materiais da causa só pode ser apreciado se houver ofensa   de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a   existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (artigos   729º e 722º nº 2 do C. Processo Civil).

O Supremo pode pronunciar-se sobre os   factos provados se existir erro das instâncias na análise da prova por   violação das normas que fixam o seu valor.

Essa ofensa verifica-se,   designadamente, quando as instâncias atribuíram ao meio de prova um valor que   ele não comporta ou deixaram de lhe conceder o seu valor legal - Prof. Miguel   Teixeira de Sousa - "Estudos sobre o Novo Processo Civil", pág.   439.

Em concreto, sustentam os recorrentes   que as instâncias não apreciaram nem se pronunciaram sobre o relatório médico   junto, documento esse que tem, na sua tese, "força probatória   formal" e "força probatória material".

Não têm razão.

O relatório médico a que os   recorrentes se referem é um parecer de um técnico da especialidade que pode   ser junto nos termos do artigo 525º do C. Processo Civil, mas que, como é   evidente, é de livre apreciação.

Os pareceres são opiniões   doutrinárias, técnicas, dadas por especialistas a pedido da parte a quem   interessam e que serão valorados de harmonia com o entendimento que o   julgador tiver acerca da temática sobre que versam.

Independentemente da sua valia e da   sua utilidade (que frequentemente é grande) são livremente apreciados, como   acontece, aliás, com as várias correntes doutrinárias que usualmente se   formam no mundo jurídico.

Nenhum documento junto aos autos tem a   força probatória pretendida pelos recorrentes.

Tem assim que se aceitar a   factualidade tal como é trazida até este Supremo, não existindo fundamento   legal para a alterar.

Desses factos não é possível concluir   que no momento em que o testador emitiu as declarações negociais constantes   do testamento não se encontrava no pleno uso das suas faculdades mentais.

Mesmo que impressione a forma como o   testador vivia, o certo é que as respostas negativas dadas aos quesitos que   continham a tese dos autores, não permitem diferente enquadramento legal.

Se é matéria de direito saber se o   testador estava ou não em perfeito juízo e se tinha ou não o livre exercício   da sua vontade e capacidade de entender, já é pura factualidade os factos concretamente   apurados nas instâncias e de que se partiu para tirar as conclusões.

O acórdão recorrido não é assim   passível de censura.

Pelo exposto nega-se a revista.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 25 de Fevereiro de 2003.

Pinto Monteiro

Reis Figueira

Barros Caldeira (dispensei o visto)

 

 

com a devida vénia ao venerando Supremo Tribunal de Justiça



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Terça-feira, 08.05.12

Publico sem comentários o testamento da Senhora Dona Amélia Baeta. Os comentários ficam para a continuação do folhetim. Como mais documentos sobre este caso....

 

hpqscan0001.jpg 

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como se dizia no Cavaleiro Andante : continuará

 

 

M. de Noronha

 

(agradeço de desvelo das boas almas que me telefonaram pedindo que isto não saísse. Infelizmente andei no Colégio La Salle onde me ensinaram que um tipo não se verga. Há um bom artigo do Senhor Doutor Santana Maia que explica que tipo de ensino tivemos)

 

 

Completei os estudos com 

 

 topatudo

 

Um senhor que disse a Cunhal em Moscovo que o facto de ser comunista não o obrigava a cumprir ordens.....

 

 

Má escola a minha.......

 

Rezarei uma Ave-maria pelo Irmão Paciente e por António José Saraiva  que estão no Céu dos valentes ..... 



publicado por porabrantes às 22:26 | link do post | comentar

 

Posso publicar um testamento?

 

Posso.

 

Devo fazê-lo???

 

 

Posso e devo.

 

A Igreja Católica publicou o testamento de D. António Ferreira Gomes pelo qual instituiu a Fundação Spes e deixou outras disposições que bem entendeu.

 

A Igreja Católica é uma escola de transparência e  não um antro de obscuridade.

 

Foi essa a lição do que me deu o meu Bispo António, quando pastoreou Portalegre.

 

A essa lição me acolho.

 

Segue o testamento do Senhor Dom António, Bispo Resignatário do Porto, espelho de Catolicismo, Português de Lei e que lutou para que nesta Diocese houvesse decência.  

 Primeira Mão

 


 

Invocando o santo nome de Deus, Pai, Filho e Espírito Santo,

Eu, António Ferreira Gomes, presbítero do Clero do Porto e actualmente bispo da mesma Diocese, proponho-me na presente data fazer o meu testamento, como disposição duma vontade que vem de há muitos anos e que desejo seja tida e cumprida como a minha última vontade; e faço-o nos termos a seguir consignados:

Artigo primeiro: Pelo presente testamento é criada uma fundação, que deverá ser reconhecida e funcionar como uma instituição particular de utilidade pública geral, com a denominação de “Fundação Spes”, de harmonia com os princípios seguintes:

  1. A Fundação Spes é uma instituição de natureza perpétua, de fins benéficos, educativos e culturais, sob inspiração cristã.
  2. Para sede administrativa da Fundação Spes peço aos Bispos que me sucederem na Sé do Porto se dignem autorizar a utilização da “Casa das Palhacinhas” e jardim anexo, na rua Cândido Reis de Vila Nova de Gaia, como homenagem adicional à memória do insigne benfeitor, Manuel Maria Lúcio, que nela habitou e a legou à nossa Igreja do Porto.
  3. A acção da Fundação Spes desenvolver-se-á em toda a Diocese portucalense, com preferência para as cidades do Porto e Penafiel, Vila Nova de Gaia e seus termos.
  4. Os fins educativos e culturais da Fundação Spes orientar-se-ão sobretudo para a formação e desenvolvimento intelectual dos adultos que se queiram cristãos, e designadamente para os estratos sociais mais cultos e responsáveis. Como meios para tal fim, além dos serviços ordinários da biblioteca, deverão considerar-se lições públicas, conferências e cursos: muito especialmente, quando isso seja possível, cursos de actualização em filosofia, sociologia e teologia cristãs, destinados a pessoas formadas e regidos por mestres eminentes de nível europeu, eventualmente aposentados do ensino escolar, cursos que seriam depois publicados em livro.
  5. A seguir ao meu falecimento, tão breve quanto possível, os testamenteiros adiante designados elaborarão e farão aprovar superiormente os Estatutos da Fundação, procedendo ainda à sua instalação e funcionamento.

 

Artigo segundo: O património da Fundação Spes será constituído, desde a sua criação, por todos os bens da minha herança, seja qual for a sua natureza e o lugar em que se encontrem, com as excepções e obrigações adiante mencionadas. Entre esses bens menciono particularmente os seguintes:

  1. As duas propriedades que me foram doadas por meus Pais, na disposição dos seus bens próprios, a saber, a Casa e Quinta de Pires de Cima, sitas na freguesia de Guilhufe, concelho de Penafiel, e a casa e quintal conhecidos por “Cerrado da Póvoa”, sitos na mesma freguesia e concelho. É a minha intenção e vontade que este destino dado aos bens herdados seja havido como especial homenagem aos meus venerados Pais e Ascendentes, que honestamente os trabalharam e puseram em valor, com a colaboração associada duma Família de Caseiros que se tem sucedido por várias gerações, e que eu muito gostaria que assim continuassem.
  2. Algumas pequenas propriedades complementares por mim compradas, a saber, Campo do Lameiro ou Lameiro de Guilhufe, sito no lugar de Pieres, da freguesia de Guilhufe e concelho de Penafiel, que me foi vendido por D. Emília Ferraz da Silva Gomes, esposa que foi e então já viúva de meu tio, Dr. Domingos Ferreira Gomes, e por seus Filhos, e mais os terrenos de mato, sito no lugar de Portela do Monte da freguesia de Santa Marta, concelho de Penafiel, conhecidos por sorte de Trás das Bouças ou da Bouça do Pereiro, sorte das Canhosas e sorte de Diante das Bouças e Cortinhas, bouça das Cortinhas ou sorte das Cortinhas, Pereirinhas, Covelo e Bacelo Velho, que comprei a D. Ermelinda Pereira Ferraz de Sousa e Meneres Quintela.
  3. Todos os meus livros e papéis, impressos, dactilografados e manuscritos, direitos de publicação e de autor, etc. Entre os livros de minha propriedade devem contar-se também aqueles que foram de meu Tio, Cónego Joaquim Ferreira Gomes, que ele deixou a suas Irmãs, as quais por declaração oral os puseram à minha inteira disposição. Deverá decerto aplicar-se igual interpretação aos livros e papéis que foram do Sr. D. António Augusto de Castro Meireles, que se encontram ainda na Casa Episcopal, visto que o Sr. Cónego Gaspar Joaquim Freitas me dizia que D. António lhos tinha confiado em propriedade e que ele, Cónego Gaspar, desejaria transferir-me essa guarda e propriedade; se o Bispo meu sucessor assim o entender, a recuperação do que seja possível encontrar-se e identificar-se e a sua consequente integração na Fundação Spes seria ainda uma forma de homenagem à memória do Bispo insigne que se sacrificou pela sua Igreja, Bispo de quem me considerei sempre discípulo e continuador, tanto na boa como na má fortuna.
  4. As minhas modestas economias, em depósitos bancários, títulos de dívida pública, dinheiro corrente, moedas, etc. A este respeito quero deixar consignado que, enquanto superior e professor do Seminário de Vilar, recebi apenas os parcos vencimentos que me competiam; nomeado Bispo, quer de Portalegre quer do Porto, adoptei o sistema de receber da Igreja apenas a honesta sustentação, nada cobrando nem pagando; durante o exílio recebi a pensão que me era devida, da qual algum tanto economizei, ao menos nos primeiros anos; regressado ao governo da Diocese, não me opus a que me atribuíssem um vencimento, igual ao que depois foi para mim atribuído ao meu Bispo auxiliar, do qual não utilizei senão o necessário à minha sustentação.
  5. As insígnias episcopais que me foram oferecidas, medalhas comemorativas e outras ofertas honoríficas, na medida em que possa ser separada a intenção de oferta ao representante da Diocese. Entre esses Objectos merece-me especial menção o cálix com que tenho celebrado, que me foi oferecido pela Diocese de Portalegre, depois da minha nomeação para o Porto.
  6. Património bem modesto é este, em si mesmo, e mais se o comparamos com os fins da FundaçãoSpes; compreendendo bem isso, queria que se visse nesta instituição principalmente uma afirmação de princípio e porventura uma inspiração para quem se puder associar ou quiser fazer mais e melhor.

 

Artigo terceiro: Por este documento nomeio testamenteiros as seguintes pessoas:

  1. Dr. José da Silva, casado, advogado, residente nesta cidade do Porto;
  2. Pe. Artur Martins da Silva, Cónego da Sé Catedral do Porto, e
  3. Eng.º Dr. José Alberto Nunes Ferreira Gomes, professor universitário, filho primogénito de meu irmão Alberto.

Estes meus testamenteiros terão e exercerão em direito todos os poderes de disposição e administração dos meus bens, logo após o meu falecimento, com dispensa de caução e sem necessidade de inventário, e disporão dos mesmos bens em ordem à execução de todas as disposições que constam deste falecimento.

Artigo quarto: Excluo da atribuição à Fundação Spes e lego a meu irmão Alberto a meação que com ele tenho na quinta de Pieres, da freguesia de Guilhufe, que foi doada por nossos Pais ao nosso irmão Inácio e que, pelo seu falecimento ab intestato, coube aos seus irmãos sobreviventes e aos filhos dum falecido, dos quais obtivemos a integração da propriedade total em nós os dois, em partes iguais. Por este legado e sobre ele, imponho a meu irmão Alberto, ou a quem o represente, a obrigação de dar, por meu falecimento, a cada um dos nossos segundos sobrinhos uma lembrança de dez mil escudos, como prova, insignificante embora, do meu afecto pela Família. A meus outros irmãos e primeiros sobrinhos nada de material deixo em herança e lhes quis. Devo porém consignar aqui, e é com muito gosto e honra familiar que o faço, quanto lhes estou grato por, em todas as circunstâncias da sua vida, nunca pedirem nem contarem com a ajuda material ou influência do tio, deixando-me assim a possibilidade de melhor testemunhar a sinceridade e isenção da minha doação sacerdotal e episcopal à Igreja.

Artigo quinto: Lego a minhas Irmãs, proprietárias da casa que foi de nossos Pais e em que nos criámos, as peças de mobília que aí possuo, com a excepção das estantes e livros, que pertencerão à Fundação Spes.

Artigo sexto: Os três testamenteiros acima nomeados, juntamente com D. Domingos de Pinho Brandão, actual Bispo Auxiliar do Porto, e D. Manuel da Silva Martins, Bispo de Setúbal, ficam desde já nomeados Administradores vitalícios da Fundação Spes, suponho que nenhum seja Bispo do Porto. Se algum deles o fosse, ou viesse a faltar antes de mim, entraria em seu lugar, como Administrador vitalício, o Cónego Dr. Serafim de Sousa Ferreira e Silva ou ainda, em igual caso da parte deste, o Cónego José Joaquim Rebelo Pinto Ferreira.

Artigo sétimo: Do estatuto da Fundação Spes deve constar a existência dum Conselho Fiscal ou órgão correspondente, que testemunhe o funcionamento normal e assegure a continuidade da Fundação. Muito gostaríamos que este Conselho Fiscal dosse constituído pelo Bispo desta Diocese ou seu representante, pelo Reitor do Seminário Maior do Porto ou da instituição que lhe venha a corresponder e pelo Presidente do Conselho de Leigos da Diocese ou primeiro representante dos leigos num eventual Conselho Pastoral.

Artigo oitavo: O Conselho de Administração da Fundação Spes deverá sempre ser constituído por cinco membros, os quais entre si escolherão o Presidente. Tanto os testamenteiros como os outros administradores terão direito a ser indemnizados das despesas que fizerem no exercício da sua função. Ao seu Presidente ou a seu Administrador-delegado poderá o Conselho de Administração, com a aquiescência do Conselho Fiscal, atribuir uma gratificação regular pelos cuidados próprios do cargo.

Artigo nono: Só os Administradores acima nomeados serão vitalícis; os seguintes serão cooptados, à medida que forem faltando os vitalícios, pelos Administradores restantes, com conhecimento e aprovação do Conselho Fiscal, por um prazo de tempo limitado, talvez renovável, que será estabelecido nos Estatutos.

Artigo décimo: Como o meu funeral estará a cargo da Diocese que ultimamente tenho servido, limito-me a recomendar que seja simples, sincero e cristão. À Fundação Spes estabeleço e começo a obrigação de me erigir e conservar a sepultura modesta no cemitério paroquial da freguesia da minha naturalidade, Melhundos – Penafiel. Esta sepultura será encimada por uma cruz tendo ao centro a rosa, símbolo da aspiração cristã a uma civilização da Beleza e do Amor, a que a Igreja chegara pelos fins da Idade Média, e que deverá retomar como promessa dum futuro digno do Homem. Com isso penso unir-me ao pensamento que o Bispo-mártir da Igreja, D. António de Castro Meireles, quis decerto expressar ao fazer erigir, em sua vida, esse mesmo símbolo sobre o seu túmulo, no cemitério paroquial de Boim. Creio que posso dispensar-me de dispor  qualquer coisa de especial sobre sufrágios ou bens de alma, confiando para isso na piedade e caridade dos bispos, sacerdotes e fiéis da Igreja a que servi.

Artigo décimo primeiro (transitório): Se eu vier a falecer antes de serem levadas a cabo as obras de ampliação e restauro da igreja paroquial de Melhundos, a Fundação Spes deverá comparticipar no custeio das obras havidas por necessárias, para este efeito e por esta vez, na proporção dos bens fundiários que por este testamento lhe lego, como se na freguesia de Melhundos sitos fossem. Para as mesmas obras começará por contribuir, se eu ainda o não tiver feito, com uma entrada correspondente ao valor de duzentas libras-ouro, independente da relação aos rendimentos daqueles fundiários.

Artigo décimo segundo: Se alguém viesse a estranhar que neste testamento eu nada expressasse directa e formalmente sobre os meus sentimentos de fé e piedade, diria que, se toda uma vida de educador da Fé, pela palavra e pela acção, não tivesse convencido as pessoas da realidade e sinceridade desses sentimentos, de bem pouco valeria proclamá-los aqui. Apenas direi que, homem livre e que sempre aspirei a oferecer essa liberdade a uma causa que superasse a minha vida, sempre também senti que a liberdade essencial é o próprio mistério da vida humana, mistério que só se pode entender e realizar em referência ao Absoluto, sentimento esse que já experimentava mesmo antes de ter encontrado o teólogo Karl Rahner aquilo que me parece ser a chave explicativa da minha vida consciente, a saber, que a liberdade humana é “a possibilidade da disposição total e definitiva que o sujeito livre faz de si mesmo e da sua vida”, e ainda que a liberdade “pela sua essência fundamental é a necessidade imposta ao homem de decidir-se, livre, a favor ou contra o inapreensível que chamamos Deus”. Agradeço pois a Deus revelado em Cristo, à minha família e à sociedade cristã em que nasci o ter-me decidido livremente a favor do infinito mistério em que Deus se nos revela. Desejaria pois que a minha morte, livremente aceite, fosse a suprema afirmação da liberdade pessoal, que me foi dada em responsabilidade não menos pessoal. Desejaria oferecer o sacrifício da minha vida pela minha Igreja e por todos aqueles que me são caros. Não tenho nem levo ressentimentos contra ninguém; e, se a alguém houvesse de perdoar, faço-o de todo o coração. Peço também que me perdoem aqueles a quem possa ter ofendido, conscientemente, do que não me lembro, ou inconscientemente. E, se essas possíveis ofensas fossem por motivo ou ocasião das causas que servi em Igreja, espero atribuam a culpa e o perdão, não aos valores eclesiais que estivessem em causa, mas à forma menos compreensiva ou caridosa que possa ter havido em servi-los.

Por esta forma dou por concluído o meu testamento, como disposição da minha última vontade, nesta Casa Episcopal do Porto, onde ao presente resido, no dia vinte e um de Agosto de mil novecentos e setenta e sete.

D. António Ferreira Gomes,
Bispo do Porto


 http://www.fspes.pt/testamento.html

 

 

 

M. de Noronha 



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