Sabia que o primeiro Senhor da Torre de Punhete (Constância) Rui de Sande, no início do século XVI, teria sido um presumível aficionado pelas touradas, novidade de então?
Maria Clara Pereira da Costa é desta opinião ao falar-nos do espírito irrequieto e sequioso e da avidez deste Senhor de Punhete por sensações novas. Em Évora terá recuperado umas casas voltadas para a rua dos touros. (1).
Através de um outro registo escrito publicado no blog “Cidadãos Por Abrantes”, obtive a informação de que em 1850 a praça de toiros de Constância estaria em ruínas e de que já só havia muros exteriores da arena (2). Ainda vi restos dessas ruínas que o município mandou demolir.
A praça de toiros era propriedade de Manoel dos Mártires e situava-se no Moinho de Vento. Sempre ouvi dizer que era ali a praça de toiros. O cronista Joaquim Coimbra falava-me disso mas lamentava nunca ter encontrado nada escrito para poder mencionar. Havia apenas a tradição oral. Na altura da demolição do que restava dos ditos muros, publiquei um artigo na imprensa.(3)
Um dos programa conhecidos sobre as touradas e que aqui se reproduz (4) , respeita a uma outra época, contemporânea dos nossos pais, a do redondel. O meu pai, Acácio Alves Luz, nascido em 1931, assistiu a essas “touradas” no Chão da feira. Era uma tourada… com vacas. O Chão da feira era um dos locais onde a rapaziada jogava à bola. Na praça, era proibido. O meu pai chegou a ser detido pelo regedor por jogar na Alexandre Herculano. Foi para a prisão do edifício da antiga câmara. Esteve lá algumas horas até que o meu avô, seu futuro sogro deu duas patadas na porta e ajustou contas com o regedor. O meu avô era assim. Destemido. Morava na praça.
Nos anos 30 a minha mãe via as vacas passaram na praça rua acima. Vinham da Golegã os ganadeiros, passavam a ponte e seguiam com a manada direitos à praça., Rua Luís de Camões, direitos ao Chão da feira.
O programa de 1940, anunciava um “Grandioso festival taurino por ocasião da feira anual, em benefício da Misericórdia desta vila”.’ Nessas garraiadas, contava o meu pai, o Zé Fona metia-se dentro de uma pipa e era um festim no redondel no meio das vacas… O meu pai ria-se imenso ao contar estas coisas. Ria que se partia.
O Chão da feira, antigo Chão dos Mártires, deve o seu nome a essa romaria ancestral da invocação Mariana. Havia ali as casas da feira segundo registos que já publiquei há vários anos na “Gazeta do Tejo” . É lógico que tendo sido um local de encontro de gentes vindas de todo o lado, que tenha surgido a antiga arena murada.
A perspectiva negacionista da câmara a qual destruiu as ruínas da praça, para construção da piscina, é mais do mesmo: negar o nosso património material e imaterial quando ele é politicamente inconveniente. Nisso são todos parecidos. Num programa de 1969 (5) , da feira, faz-se anúncio ao “Mercado de gados”, no próprio Chão da feira, qual reminiscência da tauromaquia de outros tempos? É significativo. Em pequeno ouvia falar da “feira dos burros” que se realizava neste Chão, afinal, um planalto.
Ali, no Chão da feira, existia até 1550, a antiquíssima ermida da Senhora dos Anjos, dos Milagres ou dos Mártires, reerguida no actual adro por duas vezes.. A fama desta romaria anda ligada à Provisão Régia da Carta de vila de 1571 como já publiquei há dias. Aquando da construção dos prédios recentes ainda escrevi para que houvesse um arqueólogo a acompanhar a obra, pois os alicerces da ermida ainda poderiam existir sob alguns vestígios.
A toponímia serve para preservar a memória e a nossa história. Ao menos atribuam a algum espaço naquele local uma referência à praça de toiros de Constância. O registo da sua existência está publicado O redondel em madeira era propriedade da Santa Casa. Um saudoso amigo e amante da nossa história local, Ercílio da Conceição Pereira, facilitou-me uma carta timbrada, documento raríssimo sobre a temática (6).
Com a implantação da República o Estado continuou a ingerir-se nas Irmandades através da figura das “Corporações” e e por isso que vimos ateus como António Pirão e outros na Misericórdia. A existência da praça, propriedade da Misericórdia deve-se a esta laicização forçada que nem a Concordata de 1940 conseguiu subverter? Parece. A própria igreja da Irmandade esteve ao abandono muito tempo antes e durante o Estado Novo.
Outro assunto, claro. Faleceu há dias o José Pedro, com 56 anos, com quem falava sobre este tema das ruínas da praça de toiros, as quais se situavam numa propriedade que era da sua família. A sua bisavó morreu quase centenária e, segundo o testemunho do Pedro, não teria memória de ver a praça funcionar. Porém teria dito ao Zé Pedro que a arena serviria para acolher gado de passagem. Faz sentido.
Em pequeno cheguei a brincar por ali com familiares do Zé Pedro. Havia lá uma figueira.
Fica aqui o Moinho de vento, o qual terá pelo menos duzentos anos (7). É citado num acórdão sobre os balseiros públicos onde se podia cavar barro excepcionalmente.
Quando o que restava dos muros exteriores da praça foi demolido pelo município, protestei junto do presidente da câmara. O autarca referiu que não encontrou nas ruínas, vestígios de alvenaria. Bem sabia. Os muros eram construídos numa espécie de argamassa e barro. Sobreviveram ao tempo mas sucumbiram perante a voracidade das obras públicas ..Da praça nem vestígios. Nem uma placa evocativa desta tradição tauromáquica ribatejana.
Recentemente fui informado em como alegadamente destruíram um fresco existente no centro histórico da vila, do toureio ribatejano. O fresco era do pintor Joaquim Santos, um artista agraciado por dois chefes de Estado, acaso, filho do pintor Carlos Henriques dos Santos ((conhecido por “Marron”). A vereadora da cultura, onde anda? É tempo e hora de dar um murro em cima da mesa autárquica.
José Luz
(Constância)
PS- não uso o dito AOLP
Notas:
(1) Da investigação histórica sobre a Casa de Camões em Constância, Maria Clara Pereira da Costa, Edição da Comissão para a reconstrução da Casa de Camões em Constância1977.
(2) História do toureio em Portugal, António Rodovalho Duro, páginas a que tive acesso no blog “Cidadãos Por Abrantes”.(3) Gazeta do Tejo, número 74, de 28 de Janeiro de 1997. (4) Programa duma Tourada com “Seis bravíssimas vacas”, de 4 de Agosto de 1940.
(5) Programa da “Tradicional Feira dos Mártires de Constância”, de 3 a 10 de Agosto de 1969, cuja reprodução me foi facultada no início dos anos 80 pelo “Cação”, e que fui fotocopiar à cidade de Tomar na altura.
(6) Ofício do Sindicato Nacional dos Toureiros Portugueses, com registo postal de 21 de Fevereiro de 1942, dirigido ao Proprietário da Praça de Touros de Constância.
(7) Acórdão da vereação de Punhete de 22-12-1821.
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